Acórdão nº 696/21.0T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

Relatório 1.

AA, residente na Rua do ..., ... instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Tranquilidade, actualmente designada Generali Seguros, S.A., em virtude de processo de fusão, com escritórios na Rua ... ..., onde concluiu pedindo seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de € 120.000,00€, sendo 50.000,00 € a título de dano não patrimonial e € 70.000,00 a título de dano patrimonial, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que em virtude do acidente ocorrido de que foi vítima o seu filho já lhe foram arbitradas em acção anterior (pedido cível formulado em acção penal: processo n.º 336/17.1...), indemnizações pelo “dano da morte” do seu filho e pelos danos sofridos pelo próprio falecido.

Acrescentou que restam por discutir e fixar as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo próprio autor, cuja reparação, agora, peticiona.

  1. Citada, a Ré contestou, aceitando, no essencial, a versão do acidente descrita pelo Autor na petição inicial, bem como a responsabilidade da sua segurada na eclosão do mesmo, impugnando, todavia, os danos invocados, reputando de excessivos os montantes peticionados a título de indemnização.

  2. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

  3. Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e decidiu condenar a Ré, Generali Seguros, S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a data de prolação da sentença e até efectivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559.º do Cód. Civil, absolvendo a ré do demais pedido.

  4. Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA, veio interpor recurso de apelação, conhecido pelo Tribunal e que decidiu: “Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor, bem como o recurso de apelação interposto pela ré, confirmando a decisão recorrida.” 6.

    Não se conformando com a decisão, o A. veio interpor recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “Do recurso em si: 6. A título de danos patrimoniais, entendeu o tribunal a quo ser de confirmar a douta sentença proferida pela primeira instância pela qual foi negado ao A. o direito de receber qualquer valor indemnizatório a título de danos patrimoniais.

  5. Considerando o alcance do vertido no artigo 495 nº3 do CC e o enquadramento do A. nesse mesmo preceito e, bem assim a matéria de facto dada como provada nos presentes autos é devida ao A. indemnização a título de danos patrimoniais em virtude do falecimento do seu filho porquanto ficou impedido de receber alimentos por parte do mesmo.

  6. Considerando a matéria de facto dada como provada é previsível que o A. venha a necessitar de alimentos e que os mesmos lhe seriam prestados pelo seu filho não fosse o falecimento prematuro deste.

  7. Independentemente da prestação de alimentos ou da sua previsibilidade, nos termos do nº3 do 495º artigo do CC, sempre o A. terá direito a ser ressarcido a título de danos patrimoniais.

  8. Atento o disposto no artigo 495 nº 3 do CC, não é necessária a prova da efetiva necessidade de alimentos para que assista ao A. o direito a ser ressarcido a título de danos patrimoniais.

  9. Pretendeu o legislador não apenas proteger a perda de alimentos que estivessem já a ser prestados mas também a perda da possibilidade de os pedir ao falecido.

  10. Tendo em conta a factualidade dada como provada e, bem assim o previsto no nº3 do artigo 495 do CC, por equidade, deverá ser arbitrado ao A. valor indemnizatório a título de danos patrimoniais nunca inferior a 70.000,00€.

  11. O douto acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 495, 503, 562, 564, 566, todos do CC.” 7.

    foram apresentadas contra-alegações, onde se afirma(transcrição): “16.

    Caso não se entenda como supra, e se considere a admissibilidade o presente recurso, o que de admite como mera hipótese que não se consente, o mesmo está destinado ao insucesso.

  12. De facto, resulta à saciedade dos presentes autos, que o malogrado Manual não prestava quaisquer alimentos ao Autor, nem ao abrigo de qualquer obrigação imposta por lei ou decisão judicial, nem sequer ao abrigo de uma obrigação natural.

  13. Nem sequer resultou provado, ao contrário do que o Autor insiste em afirmar, que o mesmo o ajudasse monetariamente.

  14. Provou-se, apenas e só, que o mesmo contribua para a economia doméstica na estrita medida das despesas que a sua presença no mesmo importava.

  15. Do que tudo a quantia de € 200,00 é, por si só, e por comparação até com os vencimentos auferidos pelo malogrado BB, indiciadora.

  16. Por outro lado, se é certo que o autor se encontra entre aqueles que, em abstracto, tinham legitimidade para exigir alimentos ao seu filho, dos factos apurados não resulta que, em concreto, estivessem reunidas as restantes condições para se fazer essa exigência.

  17. Nem mesmo se demonstrou, com qualquer grau de previsibilidade, que o aqui Autor necessite ou possa vir a necessitar, de futuro, dos mesmos.

  18. Não bastará, pois, e ao contrário do que anseia o recorrente, ter apenas a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos. Não fazendo sentido a atribuição da mesma, por parte de terceiro, a quem deles não necessite.

  19. Nesse mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais, entre os quais o acórdão da Relação de Lisboa de 22.03.2011, proc. nº 1084/08.9TCSNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt: “O direito de indemnização em causa visa a compensação do prejuízo derivado da perda do direito a exigir alimentos que teria se o obrigado fosse vivo.

    Assim, se o falecido não prestava alimentos ao terceiro no momento da sua morte, só será titular do direito de indemnização previsto no nº3 do art. 495º do CC, se, em tal data, pudesse exigir alimentos ao falecido se vivo fosse.

    E, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração), àquela que provavelmente o lesado suportaria se fosse vivo, o terceiro terá de demonstrar que, embora não estando a receber alimentos ao tempo da verificação do facto danoso, se encontrava em situação de legalmente os exigir. E, para tal, terá de alegar e de demonstrar a sua carência de alimentos e ainda que o falecido os podia prestar” (sublinhado nosso).

  20. Neste sentido ainda o acórdão do STJ de 03.11.2016, proc. n.º 6/15.5T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “I - O art.º 495º, n.º 3, do Cód. Civil, consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, aí se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.

    II - Contudo, esse direito não é de atribuição directa e automática às pessoas indicadas nesse normativo.

    Só existirá se (e na medida em que) for demonstrada a facticidade em que necessariamente terá que assentar.” (sublinhado nosso) 26.

    Aliás, qualquer decisão – como a pretendia pelo Autor - que tenha por base a atribuição automática, e sem prova da efectiva necessidade por parte do beneficiário, conduzirá necessariamente a situações injustas e abusadoras para os responsáveis civis.

    Com tal entendimento, os mesmos poderiam ver-se confrontados com a necessidade de liquidar...

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