Acórdão nº 1271/19.4T8CSC-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório EUC Inovação Portugal, Lda. veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a AA, contabilista certificado, e a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., pedindo a condenação do 1.º R. a: i) Proceder à entrega das declarações contabilísticas e fiscais em falta referentes ao ano de 2015, nomeadamente a declaração periódica de rendimentos (modelo 22 do IRC) e a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES); ii) Pagar à A., a título de indemnização por danos diretos e lucros cessantes, a quantia de €40.802,55, acrescido dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal, desde a data da citação até integral pagamento; iii) Proceder ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de pagamento da quantia que seja por esse Tribunal fixada segundo critérios de razoabilidade, mas não inferior a €100,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de apresentação das declarações referidas em i), tudo nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil.

Pede ainda a condenação solidária da 2.ª R. (Allianz) a pagar à A. a indemnização devida pelo 1.º R., acrescida dos juros moratórios, à taxa supletiva aplicável, desde a citação até integral pagamento.

Alega, em termos muito sucintos, que contratou o 1.º R., para exercer as funções de contabilista certificado, ficando responsável pela regularidade da situação da A. nos campos contabilístico e fiscal desde esse momento. No entanto, aquele nunca cumpriu as suas obrigações, não tendo entregado, dentro do prazo para o efeito, que terminava em 15.05.2015, a primeira declaração de IVA, referente ao período 2015/03T. O que implicou a aplicação à A. duma coima no valor de €376,50. Subsistindo o incumprimento, em 14 de maio de 2016, a A. dirigiu carta ao 1.ª R. procedendo à revogação do mandato e solicitou a indicação de data para proceder à recolha dos seus documentos, sendo que, em 20 de maio de 2016, na sequência da revogação do contrato, a A. e o 1.º R. acabaram por celebrar um acordo designado de “Ato de restituição de documentos e pagamento de serviços profissionais”, onde se estabeleceu que 1.º R. deveria entregar toda a documentação que tivesse em sua posse referente à A. e entregar as declarações necessárias junto das autoridades competentes e que estavam em falta para regularizar a situação da A. no que respeitava ao período de exercício fiscal em que tinha sido assessorada pelo 1.º R.. No entanto, o 1.º R. não procedeu à entrega do Modelo 22 do IRC, correspondente à declaração anual de rendimentos da autora do ano de 2015, cujo prazo para entrega terminava em 31 de maio de 2016, nem à entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) da A. ao ano de 2015, cujo prazo de entrega terminava em 15 de julho de 2016. Assim, a A. não tem a sua situação contabilística e fiscal regularizada, o que lhe tem causado prejuízos, estimados em €40.802,55, cujo ressarcimento peticiona.

Invocou ainda que o 1.º R. se encontra inscrito como profissional na Ordem dos Contabilistas Certificados e, em consequência, está obrigado, nos termos do n.º 4 do Art. 70.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro (“EOCC”), a subscrever um seguro de responsabilidade civil profissional de valor nunca inferior a €50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo que a Ordem dos Contabilistas Certificados, no âmbito das suas competências, veio celebrar contrato de seguro obrigatório, atualmente com a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., através da Apólice n.º .......86 (“Apólice”), a qual estabelece um limite de indemnização de €50.000,00, por Contabilista Certificado aderente, e que define como objeto a garantia da “responsabilidade civil que, ao abrigo da legislação aplicável, seja imputável ao Segurado na sua qualidade de Contabilista Certificado.” Pretende assim exercer o direito a indemnização por responsabilidade civil contratual relativa ao 1.º R. e o acionamento da garantia de pagamento dessa indemnização relativamente à 2.ª R..

Citados, os R.R. contestaram separadamente, tendo o 1.º R. invocado a exceção da ilegitimidade e impugnado os factos, concluindo no sentido de ser “considerado parte ilegítima” e, em qualquer caso, absolvido do pedido.

A 2.ª R., Allianz, para além da prescrição, veio confirmar a celebração de contrato de seguro de grupo obrigatório com a Ordem dos Contabilistas Certificados, que se encontra em vigor desde as 00:00 horas do dia 01/04/2016, o qual foi renovado automática e anualmente a partir de 01/04/2017 e de 1/04/2018. No entanto, o «Sinistro» coberto pelo seguro corresponderia à «reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato» - cfr. Art.º 1, alínea g), sob a epígrafe “Definições, objeto e garantias do contrato”, do Capítulo I das Condições Gerais, sendo que por «Reclamação» se entende: «- Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra o Segurado, ou contra o Segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas garantias da Apólice; ‐ Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida pela primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este ao Segurador, i) de que possa derivar eventual responsabilidade abrangida pela Apólice, ii) que possa determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) que possa fazer funcionar as garantias da Apólice.

Todas as reclamações resultantes de um mesmo evento, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só reclamação;» - cfr. art.º 1, alínea h), sob a epígrafe “Definições, objeto e garantias do contrato”, do Capítulo I das Condições Gerais. Ora, o contrato de seguro abrange apenas e tão só «…as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou diretamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o ato gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice.» (cfr. ponto 1.1. das Condições Particulares, sob a epígrafe “Âmbito Temporal” do doc. 1).

Deste modo, como em discussão nos presentes autos está o exercício fiscal de 2015 e os alegados erros ou omissões do 1.º R. são do conhecimento da A. desde 13 de Agosto de 2015, sendo do conhecimento da A. e do 1.º R., muito antes de 1 de abril de 2016, data a partir da qual passou a vigorar a Apólice do contrato de seguro celebrado com a 2.ª R., o alegado sinistro dos autos não teria enquadramento temporal na apólice.

Por outro lado, a 2.ª R. esclareceu ainda que, até 31/03/2016, a Ordem dos Contabilistas Certificados mantinha em vigor idêntico contrato de seguro de responsabilidade civil com a Mapfre - Seguros Gerais, S.A., em regime de cosseguro com a AIG Europe, titulado pela apólice n.º ...........62, o qual foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2016, sugerindo que a A. pudesse chamar aos autos, através do necessário incidente de intervenção principal provocada, essas seguradoras, sob pena de poder ver soçobrar a sua pretensão.

Pugnou assim pela sua absolvição da instância, por ser parte ilegítima, sem prejuízo da sua absolvição do pedido por força da procedência da correspondente exceção perentória relativa ao conhecimento dos factos geradores da responsabilidade em data anterior ao início da vigência do contrato de seguro, por consubstanciar facto impeditivo do direito da A. ao abrigo do contrato de seguro que invocou.

Também se defendeu por impugnação, concluindo no final pela procedência das exceções invocadas e pela sua absolvição da instância ou do pedido.

Por despacho de 11 de novembro de 2019 (Ref.ª n.º .......70 – p.e.), foi a A. convidada a responder às exceções alegadas pela 2.ª R. na sua contestação, o que esta veio a fazer por requerimento de 29 de novembro de 2019 (Ref.ª n.º ......58 – p.e.), sendo que quanto à questão de “exclusão do âmbito do contrato de seguro”, considerou que os factos em apreço nos presentes autos encontravam-se abrangidos pelo âmbito temporal da referida apólice, devendo improceder a referida exceção.

Entretanto, por despacho de 12 de dezembro de 2019 (Ref.ª n.º .......68 – p.e.), foi ordenado que se oficiasse à Ordem dos Contabilistas Certificados, para que informasse se o 1.º R. se encontrava inscrito nessa Ordem à data dos factos e qual o n.º da apólice de responsabilidade civil em vigor, bem como a identidade da respetiva seguradora, com vista a recolher dos necessários a uma eventual intervenção provocada da mesma.

Por Ofício de 20/12/2019 (Ref.ª n.º ......55 – p.e.), veio a Ordem dos Contabilistas Certificados informar que em 15/5/2015 estava em vigor o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Mapfre formalizado pela apólice n.º ..........62, relativa ao período de 1/4/2015 a 31/3/2016. Informação que foi reconfirmada, com maior pormenorização, por requerimento de 2/3/2020 (Ref.ª n.º ......04 – p.e.).

Na sequência do despacho de 14/9/2020 (Ref.ª n.º .......65 – p.e.), que convidou as partes a, querendo, requererem a intervenção principal provocada tida por pertinente, veio o 1.º R., por requerimento de 28/9/2020 (Ref.ª n.º ......71 – p.e.), requerer a intervenção principal provocada da Mapfre – Seguros Gerais, S.A.. O que, após cumprimento do...

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