Acórdão nº 02143/21.8BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução19 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

7.ª Espécie _ Recursos de revista de acórdãos dos TCA Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – GAIURB - URBANISMO E HABITAÇÃO intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), uma ação administrativa contra AA, com vista a ser o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 751,34 (setecentos e cinquenta e um euros e trinta e quatro cêntimos), a título de dívidas de rendas vencidas e não pagas, acrescida de € 300,14 (trezentos euros e quatorze cêntimos) a título de indemnização pela mora e dos juros de vencidos, no montante de €78,67 (setenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos) e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais – cf. fls. 4 a 9, ref. SITAF.

2 – Por sentença de 04.11.2021 foi decidido julgar procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, indeferida liminarmente a petição inicial - cf. fls. 33 a 38, ref. SITAF.

3 – Inconformado com aquela decisão, o Réu interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), que, por acórdão de 23.06.2022, negou provimento ao recurso, assim confirmando a decisão recorrida - cf. fls. 118 a 137, ref. SITAF.

4 – Desta última decisão foi pela Autora interposto recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo concluído o mesmo como se segue – cf. fls. 146 a 171., ref. SITAF: «(…) - Da admissibilidade do Recurso I. O presente recurso é admissível uma vez que reúne os pressupostos estabelecidos no n.° 1 do artigo 150° do CPTA, nomeadamente, por via dele pretende-se que seja esclarecido se uma pessoa coletiva de direito privado pode recorrer à execução fiscal para a cobrança coerciva de rendas em dívida, no contexto de um contrato de arrendamento destinado a habitação social, sendo que esta questão se reveste de importância fundamental pela sua relevância jurídica - atentas as posições divergentes que vêm grassando na doutrina e na jurisprudência - e social - face às implicações no direito de defesa dos particulares.

  1. A questão decidenda conduz, ainda, a uma melhor aplicação do direito na medida em que permitirá esclarecer o quadro normativo aplicável a situação que se repete inúmeras vezes e que tem vindo a ser submetida à apreciação dos tribunais inferiores, determinando-se se uma empresa municipal pode lançar mão de um mecanismo de autotutela executiva da mesma forma que as entidades públicas.

  2. O recurso sempre teria de ser admitido por ficar evidente a relevância jurídica da questão a apreciar, atenta a existência de Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 28-05-2015, no Processo n° 10996/14, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/A2C768761906E19B80257E59003684F4 e que se junta como Doc. n° 1, cuja decisão está em contradição com o Acórdão recorrido.

    - Dos Fundamentos do recurso I. A Recorrente é uma pessoa coletiva de direito privado, com autonomia patrimonial, financeira e administrativa e não uma empresa pública como vem referido no Acórdão de que se recorre.

  3. Os Acórdãos invocados pelo tribunal a quo para sustentar a sua posição não são para tal idóneos uma vez que as entidades ali em causa são Municípios, ou seja, entes públicos e não empresas locais, como no caso dos autos.

  4. A natureza jurídica da Recorrente tem toda a relevância uma vez que as empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa, nomeadamente quando decorram de diploma legal, dos estatutos, ou do contrato de concessão (artigo 22° do DL n.° 133/2013, de 03 de outubro).

  5. A Recorrente não está, por nenhum meio, legalmente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, mesmo que referentes a rendas em dívida.

  6. O artigo 28° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro não atribui às empresas locais poderes de autotutela executiva, sendo certo que não é possível fazer uma interpretação extensiva, nesse sentido, daquela norma porquanto a mesma não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (artigo 9° n.° 2 do CC).

  7. O previsto no artigo 17° n.° 3 da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro não é um elenco de matérias relacionadas com arrendamento apoiado, que estão submetidas à jurisdição dos tribunais administrativos, limitando-se a aclarar que as matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado são da competência dos tribunais administrativos (e não dos tribunais comuns) sem que outro alcance se possa retirar de tal preceito.

  8. O artigo 179.° n° 1 do CPA determina expressamente que a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal será possível quando, cumulativamente, i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e, ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta.

  9. A Recorrente não é uma entidade pública, não atua por ordem ou como delegada de uma entidade pública, antes goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial; IX. A Recorrente não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que o legislador intencionalmente reservou tal poder às entidades públicas, o que decorre de forma evidente pelo facto de ter decidido manter no referido preceito a expressão “pessoa coletiva pública”.

  10. O artigo 179.° do CPA configura uma norma geral e abstrata, não se tratando de um diploma legal ou contrato de concessão e jamais poderia ser esta norma a atribuir um novo poder público (o da remessa para processo de execução fiscal): o exercício do poder público é o pressuposto e não o resultado da aplicação do Código.

  11. O artigo 179.° n°1 do CPA faz depender a possibilidade de recurso à execução fiscal de as prestações serem devidas à entidade pública por força de um ato administrativo, sendo certo que o artigo 17° n.° 2 da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 32/2016 (regime do arrendamento apoiado para habitação) determina que o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo).

  12. Deixando uma das partes de cumprir os deveres a que contratualmente se obrigou, in casu o dever de pagar pontualmente a renda, verifica-se uma situação de incumprimento contratual que carece de tutela jurisdicional.

  13. O legislador consagrou expressamente na lei determinadas prorrogativas da entidade - como modelar o conteúdo do contrato, resolvê-lo, proceder ao despejo administrativo, - e se esse fosse o seu intento, teria também consagrado expressamente a possibilidade de recorrer à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida, o que não sucedeu.

  14. Decorrendo a obrigação do pagamento das rendas da celebração do contrato de arrendamento, e não de um ato administrativo, e não sendo a Empresa Municipal ora Recorrente uma pessoa coletiva pública nem estando a agir por ordem de uma, não estão - duplamente - preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 179.° do CPA, visto esta norma não atribuir às empresas locais o poder de emitir certidões com o valor de título executivo, com vista instauração dos processos de cobrança coerciva das dívidas.

  15. De acordo com as regras de interpretação estabelecidas pelo artigo 9° do Código Civil, na fixação do alcance do artigo 179.° do CPA, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu...

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