Acórdão nº 828/22.0T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 828/22.0T8PTG.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório A sinistrada AA,[2] patrocinada pelo Ministério Público, veio participar do acidente de trabalho que a atingiu, no dia 01-06-2022, pelas 11h30, em Vale de Cavalos, ao serviço da entidade patronal “Junta de Freguesia de Alegrete.

…Realizado exame médico à sinistrada, concluiu-se que: - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/07/2022.

- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 47 dias.

- Incapacidade permanente parcial fixável em 8,7620%.

…Efetuada a tentativa de conciliação, em 14-12-2022, estiveram nela presentes a sinistrada AA, a “Companhia de Seguros Tranquilidade”[3] e a entidade patronal “Junta de Freguesia de Alegrete”, não tendo sido possível o acordo entre as partes, visto que a referida Companhia de Seguros não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, não aceitou o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e não aceitou os graus de incapacidade atribuídos, declinando a responsabilidade pelo acidente, por entender que a apólice acionada é relativa a acidentes pessoais e não a acidentes de trabalho; e a “Junta de Freguesia de Alegrete”, apesar de aceitar a existência de um acidente e as incapacidades atribuídas, entende que o acidente não é de trabalho, por não reconhecer a existência de uma relação jurídica de emprego entre a sinistrada e a referida Junta, antes sim um contrato de emprego-inserção.

…A sinistrada AA, patrocinada pelo Ministério Público, veio intentar a competente ação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo especial, contra a “Junta de Freguesia de Alegrete”, solicitando, a final, que a presente ação fosse julgada procedente, e, em consequência, que: 1 - Fosse reconhecido que o acidente sofrido pela Autora em 01-06-2022 constituiu um acidente de trabalho; e 2 – Fosse a Ré condenada a pagar à Autora: - A quantia de €889,65, referente às indemnizações devidas pelos 47 dias de incapacidade temporária absoluta (ITA); - O capital de remição da pensão anual no montante de € 605,36 devida a partir do dia seguinte ao da alta definitiva; - A quantia de € 40,00 que despendeu nas suas deslocações a Tribunal e ao Instituto Nacional de Medicina Legal; - Juros de mora à taxa legal a incidir sobre as verbas da condenação desde o vencimento até integral reembolso.

…A “Junta de Freguesia de Alegrete” apresentou contestação, onde invocou a existência de um litisconsórcio necessário com a seguradora “Generali Seguros, S.A.”,[4] requerendo a sua intervenção principal provocada passiva; e impugnou a ação; solicitando, a final, que fosse declarado procedente o incidente de preterição de litisconsórcio necessário, sendo a seguradora “Generali Seguros, S.A.” chamada a intervir nos autos com o estatuto de Interveniente Principal Passiva associada à Ré, sendo indeferido, por não provado, o pedido de reconhecimento do acidente sofrido pela Autora como acidente de trabalho, sendo, em consequência, a Ré absolvida do pedido.

…Por despacho proferido em 30-01-2023, foi admitida a intervenção principal provocada de “Tranquilidade”.

…Citada a “Tranquilidade”, não veio a mesma a apresentar contestação.

…Proferido despacho saneador, procedeu-se à enunciação dos temas da prova e à indicação de quesitos para resposta pela junta médica.

…Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 12-16-2023, com o seguinte teor decisório: Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, decide-se:

  1. Julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: ● condenar a Ré Tranquilidade Seguros, S.A. a pagar à Autora: - Uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) correspondente a um período de 12 (doze) dias no valor de 300,00 € (trezentos euros).

    - A quantia de 2,25 € (dois euros e vinte e cinco cêntimos) referente a despesas já realizadas pela Autora em deslocações, acrescida das despesas médicas, medicamentosas e de transporte da Autora em virtude de tratamentos de que venha a necessitar.

    - Juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento das quantias mencionadas nos pontos anteriores.

    ● Condenar a Ré Junta de Freguesia de Alegrete a pagar à Autora: - Uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) correspondente a um período de 12 (doze) dias no valor de 24,48 € (vinte e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) (324,48 - 300,00).

    - Juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento das quantias mencionadas nos pontos anteriores.

  2. Julgar a acção parcialmente improcedente, absolvendo-se as Rés do pagamento à Autora do demais peticionado.

    ***Custas a cargos de ambas as partes, na proporção dos decaimentos, sem prejuízo da isenção de que beneficia a Autora.

    Registe e notifique.

    Valor da acção: 1.624,65 € (324,48 x 5 + 2,25).

    …Não se conformando com a sentença, veio a “Generali Seguros, S.A.” interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como a subsunção jurídica de tal factualidade constante da douta Sentença proferida pela Mmº Juiz do Tribunal a quo.

    1. Entende a Recorrente que a Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, ao dar como provado o facto Nº 13, considerando que da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em julgamento não resultou demonstrada a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mas antes um contrato de seguro de acidentes pessoais.

    2. Entre a Sinistrada e a Junta de Freguesia foi celebrado um contrato de emprego-inserção, regulado pela Portaria 128/2009, de 30 de janeiro, que não corresponde a um efetivo contrato de trabalho, nem exige a contratação de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mas meramente, a contratação de um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, nos termos do artigo 14º, nº 2, da referida Portaria.

    3. O contrato de seguro de acidentes pessoais não está sujeito aos limites imperativos impostos aos contratos de seguro obrigatório, regendo-se pelo princípio da liberdade contratual, de modo que as partes são livres de no seu âmbito estipularem as cláusulas que lhes aprouverem desde que não colidam com as regras que regulam o direito dos seguros.

    4. O contrato de seguro objeto dos autos rege-se pelas Condições Particulares e ainda pelas Condições Gerais e Especiais com o modelo 029.021 de outubro de 2020, com as coberturas de Morte ou invalidez permanente [com um capital seguro de 75.000,00€]; Despesas de tratamento [com um capital seguro de 15.000,00€] e Incapacidade temporária [com um subsídio diário de 25,00€], contrariamente ao que sucede com os contratos de seguro de acidentes de trabalho, que cobre obrigatoriamente as prestações em espécie e em dinheiro.

    5. A entidade patronal não transferiu a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho para a aqui Recorrente, mas somente a responsabilidade decorrente de acidentes pessoais, pelo que a condenação da Recorrente nos presentes autos apenas poderá refletir as cláusulas e termos previstos no contrato de seguro celebrado.

      Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a Douta Sentença recorrida em conformidade com o alegado, assim se fazendo A COSTUMADA JUSTIÇA.

      …A Autora, patrocinada pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões: 1. Por as questões suscitadas terem sido exaustivamente tratadas na douta decisão recorrida, e concordando-se na íntegra com a mesmas entende o Ministério Público que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios apontados no recurso, pelo que deve ser mantida na íntegra; 2. Da análise das conclusões do recurso apresentado, e que delimitam o respectivo objecto, não se coloca em causa a matéria de facto provada, para além da constante no artigo 13º referente à nomenclatura do contrato de seguro celebrado entre a Junta de Freguesia de Alegrete e a Recorrente.

    6. Na verdade, embora se afirme na conclusão 3 da motivação que o contrato celebrado entre a sinistrada e a Junta de Freguesia de Alegrete não corresponde a um contrato de trabalho, não são invocados quaisquer argumentos de facto ou de direito que coloquem, por qualquer forma, em causa o sentido e fundamentação da matéria de facto considerada como provada pela Mma. Juiz a quo.

    7. Assim como resultou da prova produzida (que não foi colocada em causa no recurso, já que o mesmo não se reporta à apreciação da matéria de facto) que a Autora exercia a sua actividade sob as ordens, direcção e orientação da Ré, sujeita ao controlo daquela e poder de fiscalização da actividade que desenvolvia e que se encontrava sujeita ao respectivo vínculo de subordinação jurídica.

    8. Por conseguinte, concluiu-se, e bem, que a sinistrada desenvolvia uma actividade que configura um verdadeiro contrato de trabalho entre as partes.

    9. Por outro lado, também não é colocado em causa que o acidente em causa nos autos foi um verdadeiro acidente de trabalho, ocorrido no contexto de prestação laboral.

    10. Ora, perante tal factualidade a que acresce a circunstância de ter sido celebrado contrato de seguro com a recorrente (então, “Tranquilidade, S.A.”) em que a entidade empregadora transfere a responsabilidade por acidentes da sinistrada em contexto laboral para aquela, afigura-se-nos que bem decidiu a Mma. Juiz.

    11. A este propósito veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 20/09/2021, relatado pela Exma. Senhora Desembargadora Rita Romeira (disponível em dgsi.pt), no qual se concluiu, além...

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