Acórdão nº 0291/20.0BELSB-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A...

, S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada com o acórdão do TCA-Sul que desatendeu a Reclamação para a Conferencia da decisão sumária do Relator de 23.02.2022, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto e confirmando esta decisão que, por sua vez, manteve o despacho do TAC de Lisboa de 19.01.2021 que indeferiu o incidente de intervenção provocada deduzido pela Autora, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: «DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA ADMISSÃO DO RECURSO DE REVISTA A.

Estão preenchidos todos os requisitos para a admissão do presente recuso, referidos no artigo 150º, nº 1, do CPTA, visto que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e que está em causa uma questão de importância fundamental, decorrente da sua relevância tanto jurídica como social.

B.

A questão em apreço é a seguinte: Em processo no qual é deduzido pedido de pagamento de quantias monetárias, deve ser admitido o requerimento do autor de intervenção principal provocada de terceiros, em pluralidade subjetiva subsidiária no seguimento da apresentação, por parte do réu, de defesa consubstanciada em considerar que são terceiros os responsáveis pela obrigação daquele pagamento? E, em especial, no caso de o processo ser iniciado pela apresentação de requerimento de injunção? C.

As decisões das instâncias violam o que o legislador pretende em termos de consistência, abrangência, completude, economia e eficácia processual nos casos em que seja aconselhável, se imponha ou se justifique uma situação de pluralidade de partes num mesmo processo, dada a pluralidade de partes relevante no plano substantivo e extraprocessual.

D.

As decisões das instâncias revelam um bloqueio do alargamento ao plano do contencioso administrativo da pluralidade de partes, conferida pela reforma de 2002-2004, consubstanciado numa leitura ultra restritiva e incorreta do disposto no artigo 39º e do artigo 316º, nº 2, do CPC.

E.

As instâncias apoiam-se num muito (excessivamente) restrito conceito de relação material controvertida, com a consequência de acabar por reduzir para lá do razoável a aceitação da intervenção principal provocada passiva.

F.

O que é totalmente incorreto, principalmente perante casos de litisconsórcio subsidiário.

G.

O litisconsórcio subsidiário pode ser decorrente da defesa apresentada pelo réu inicialmente demandado, que coloca o autor da ação perante um quadro substantivo (e relacional) mais amplo do que o gizado na petição inicial (ou no requerimento de injunção), provocando uma dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida (cfr. artigo 39º do CPC).

H.

Perante a defesa apresentada pelo Estado, no sentido de a responsabilidade pelo pagamento caber, alegadamente, a outra entidade, apenas os tribunais têm o poder de a dissipar, pacificando qual seja o modo de resolver o conflito (pagamento pelo Estado ou pagamento por região autónoma).

I.

E isto por forma a que a sua decisão seja vinculativa para todos os envolvidos – justamente, porque apenas as decisões jurisdicionais transitadas são dotadas de força de caso julgado abrangendo todas as partes no processo.

J.

Nestas situações, por expressa determinação do disposto nos artigos 39º e 316º, nº 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA, deve ser admitido o chamamento de terceiros, inclusivamente quando estejam em causa situações jurídicas estruturalmente autónomas, mas dependentes, jurídica ou economicamente, da posição do réu inicialmente demandado, ou da sua inexistência.

K.

As instâncias ignoraram, por completo, o quadro factual e jurídico do caso e com isso laboraram em erro claro e manifesto.

L.

Em particular, desconsiderando os dados mais elementares impostos pela concatenação dos diversos dispositivos normativos relevantes e pelo significado específico da força do caso julgado das decisões jurisdicionais transitadas, abrangendo (apenas) todos os envolvidos no processo, as instâncias perseveraram num erro manifesto e grosseiro quanto ao significado efetivo dos artigos 316º, nº 2, e 39º, ambos do CPC.

M. Tanto é o bastante para justificar a intervenção clarificadora e pacificadora do Supremo Tribunal Administrativo, sendo a admissão da revista, portanto, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 150º, nº 1, do CPTA.

N.

Mas mais: a questão acima destacada assume uma importância fundamental, tanto no plano jurídico como no plano social.

O.

Quanto ao plano jurídico deve prevenir-se e impedir-se este tipo de erro, claro e flagrante, na interpretação e aplicação do Direito, evitando a adoção de perspetivas patentemente desviadas do significativo efetivo do instituto da pluralidade subjetiva subsidiária, cujo propósito e limites se julgava estarem pacificamente definidos, mas que aqui foram perspetivados ao arrepio da sua consolidação doutrinal e jurisprudencial.

P.

Ao não se aplicar corretamente o disposto nos artigos 39º e 316º, nº 2, do CPC, priva-se a A... de uma faculdade que legitimamente lhe assiste e faz recair unicamente sobre esta (mas, também, sobre todo e qualquer autor colocado em posição semelhante) um risco efetivo de não composição definitiva do litígio que motiva os presentes autos (e de qualquer litígio semelhante).

Q.

Tudo com manifesto prejuízo da economia e da celeridade processuais e em intolerável violação da segurança jurídica – princípios que estão, precisamente, na base do instituto da pluralidade subjetiva subsidiária.

R.

O que esvaziaria de conteúdo útil este instituto, negando-se ao particular o direito, legalmente reconhecido, de se acautelar no caso de surgir uma dúvida fundamentada quanto à identidade do dever efetivo da obrigação cujo pagamento demandou em tribunal.

S.

O chamamento de um terceiro à demanda, quando sobrevém no processo (em particular, no seguimento do teor da defesa apresentada por parte do réu inicialmente demandado, nomeadamente através de requerimento de injunção) uma comprovada dúvida capaz de pôr em causa a sua resolução, serve, justamente, para salvaguardar o interesse do requerente em ver regulada, de forma certa e definitiva, a contenda que o envolve e para concretizar o propósito de administração de uma Justiça efetiva e compreensiva que ultrapassa obstáculos processuais com vista a aproximar-se, o mais possível, da verdade material.

T.

De outro modo, contrariar-se-ia a dimensão do princípio da gestão processual, subjacente ao instituto da pluralidade subjetiva subsidiária, que impõe ao aplicador do Direito um esforço redobrado na ultrapassagem das barreiras meramente formais.

U.

A temática em apreço projeta-se muito para lá dos contornos específicos do caso concreto e pode, de facto, repetir-se num sem número de situações futuras, em particular quando os devedores potenciais sejam todos entidades públicas e a origem da questão levantada pelo réu inicialmente demandado se prenda com supostas modificações decorrentes de alterações legislativas protagonizadas pelo próprio Estado.

V.

Não sendo admitida a revista ou, em qualquer caso, não sendo o respetivo recurso julgado procedente ficará dado o sinal para uma cada vez maior restrição, em sede de jurisdição administrativa, do chamamento de terceiros e da admissibilidade da pluralidade subjetiva subsidiária,o que representaria uma autêntica deturpação do regime legal e um autêntico atentado contra o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e os princípios da legalidade e da...

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