Acórdão nº 2422/22.7T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Tribunal da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ...

I – RELATÓRIO Nos presentes autos de acção especial de impugnação do despedimento que AA propôs contra B..., LDA, pede que se que declare a ilicitude do seu despedimento com as consequências legais.

Os autos prosseguiram a sua tramitação normal e aquando da prolação do despacho saneador, a Mma. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, referente à impossibilidade de duplo juízo e sanção, aos factos não alegados na nota de culpa, às diferenças salariais no período da suspensão preventiva e ao indeferimento dos meios de prova requeridos pelo Trabalhador: ”Na sua contestação, o trabalhador, invoca vários vícios do procedimento disciplinar, que cumpre apreciar.

  1. DA IMPOSSIBILIDADE DE DUPLO JUÍZO E SANÇÃO, estando em causa o facto de terem sido levados em conta factos praticados em data anterior a 28/10/2021, data em que lhe foi aplicada uma repreensão escrita por parte da entidade patronal. Ora, o trabalhador não invoca nenhuma norma legal que fundamente a sua posição, Por outro lado, estando em causa factos diferentes daqueles apreciados em anterior procedimento disciplinar, independentemente da data, não está a empregadora impedida de os apreciar, em novo procedimento disciplinar.

  2. Violação direito defesa, estando em causa a ausência de descrição suficiente, no que se refere ao tempo, modo e lugar dos factos descritos em 41, 46, 52, 74, 84 e 134 da nota de culpa. Ora, lido o teor do processo disciplinar, retira-se que, com a nota de culpa, foi o qui trabalhador notificado da possibilidade de consultar os elementos do processo sendo que, por despacho do instrutor do processo, de 13/01/2022, foi determinado que aquele tivesse acesso à identificação dos clientes referidos nos factos imputados, com a concessão de um novo prazo de 10 dias para responder à nota de culpa. Assim, entendemos não ter razão o trabalhador C) FACTOS NÃO ALEGADOS NA NOTA DE CULPA, estando em causa os factos 60, 62 a), 82 b), 93 b), 111 a) a h), 113 c), 130 c) e 176, b) da motivação de despedimento. Lidas a nota de culpa e a motivação do despedimento, constata-se que, neste documento, existe a preocupação constante de relacionar os factos dados como provados na motivação do processo disciplinar, com aqueles descritos na nota de culpa, pelo que, também aqui, improcedem os argumentos do trabalhador.

Pelo exposto, julgo desde já improcedentes os invocados vícios do procedimento disciplinar.

Notifique.

(…)*Por fim, e quanto a diferenças salariais no período da suspensão do trabalhador, por força do processo disciplinar, entendemos ser de conhecer, desde já, o mérito do pedido reconvencional, por se tratar de questão de direito, nos termos do artigo 61º n.º 2 do CPT.

Assim, dispõe o artigo 354º, n.º 1 do CT que “com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.” Sabemos que o trabalhador recebia, para além da remuneração base, comissões relacionadas com as vendas por si realizadas.

No acórdão do STJ de 26/05/2015, relatado pelo Exmo. R. Juiz Conselheiro, Dr. Fernandes da Silva, e disponível em www.dgsi.pt, onde estava em causa um prémio anual de produtividade, escreveu-se que “(…) tratando-se de uma prestação específica, dependente do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos (avaliação de desempenho/alcance dos objectivos), que poderiam ou não, no final do período temporal respectivo, ser alcançados, excluída estava a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.

A lei retira-lhe expressamente a natureza retributiva – art. 260.º, n.º 1, c), do Cód. Trabalho: não se consideram retribuição (c) as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido. (…) E sendo a função principal de tal prestação condicional – como o postulante expressamente reconhece – a de premiar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, com a sua atribuição dependente, além do mais, de uma avaliação de desempenho, conceder-se-á que não colhe o entendimento preconizado no sentido de que, no contexto delineado, a pretendida atribuição era obrigatória.” No caso dos autos, as comissões revestem precisamente, este carácter, estando dependentes do efectivo trabalho por parte do trabalhador.

Assim, não pode proceder o pedido C) (parcialmente), com este fundamento.

Por todo o exposto, julgo desde já parcialmente o pedido reconvencional formulado na alínea C), no que se refere ao montante de €9.036,05, relativo a diferenças salariais, absolvendo a empregadora do mesmo.

Custas pelo trabalhador.

Registe e notifique.

(…)*Quanto aos inúmeros documentos cuja junção o autor requer, para além da resposta da empregadora, sempre diremos que parte deles destinam-se a fazer prova de factos cujo ónus de prova é da empregadora.

Assim, indefiro o requerido sem prejuízo de, após a produção de prova, considerarmos que a sua junção é pertinente.” Inconformado com tal despacho veio o Autor interpor recurso de apelação, em separado, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever: “I - Merece censura a decisão sobre a exceção aduzida pelo Apelante quanto a factos a ser expurgados nesta sede, porque já haviam sido coligidos ou atendidos em sanção anterior de advertência escrita datada daquela mesma data.

II - O Apelante invocou um princípio de direito estruturante e conhecido – ne bis in idem – como norma legal atinente – artigo 330.º do CT – pelo que apenas por mero lapso pode ter-se afirmado o que se afirmou como alicerce do decidido.

III - Não se vê em que funda o Tribunal a quo o entendimento de que, relativamente à questão da dupla sanção, estão em causa factos diferentes, quando muito podia afirmar não ter ainda elementos para decidir a montante do julgamento, relegando a decisão para final.

IV - Merece reparo, igualmente, a improcedência da exceção de existência de factos da motivação do despedimento – pontos 60, 62 a), 82 b), 93 b), 111 a) a h), 113 c), 130 c) e 176, b) – que são um acréscimo à nota de culpa e, portanto, sobre os quais não teve o Apelante oportunidade de defesa, devendo ser expurgados.

V - O Tribunal a quo tem entendimento, salvo melhor opinião, contrário à lei no que concerne ao pagamento devido de diferenças salariais, por valores não liquidados ao Apelante durante o período de suspensão preventiva no quadro do processo disciplinar, a saber respeitantes à parte variável da sua retribuição (comissões).

VI - Temos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo mal andou ao pretender comparar prémios de produtividade ou assiduidade ou desempenho com o que nesta sede se reivindica, parte varável da retribuição.

VII - As prestações a que o Apelante se considera credor a título de diferenças salariais são o resultado direto do trabalho do Apelante, contrapartida do trabalho efetuado.

VIII - As referidas prestações variáveis foram pagas ao longo de todos os anos de atividade de forma ininterrupta e de forma muito intensa, com uma cadência mensal – ver documentos juntos com a Resposta da Ré quanto a comissões – revestindo, por isso, as características da regularidade e da periodicidade assumindo, assim, natureza de retribuição.

IX - A retirada da remuneração variável durante o período de suspensão preventiva (faculdade unilateral do empregador e no seu interesse) viola o princípio da irredutibilidade daquela – tal não é uma interpretação inédita ou peregrina, sendo mesmo acolhida pelo STJ, por exemplo extraindo-se do aresto deste Tribunal Superior de 18/6/2008 (www.dgsi.pt).

X - A remuneração mista do trabalhador suspenso preventivamente em processo disciplinar e enquanto a suspensão se mantiver, deve ser liquidada pelo valor fixo acrescido da média das comissões dos 12 meses anteriores à suspensão sendo este o princípio mais adequado para a tutela do direito à retribuição.

XI - A decisão de indeferimento de meios probatórios requeridos pelo Apelante deve ser alterada.

XII - Os pedidos probatórios do Apelante têm relevância porque se destinam a demonstrar os factos invocados, mormente na Reconvenção, mas também uma pré-motivação da entidade empregadora para o despedimento consubstanciada numa posição de abuso e assédio, bem assim são proporcionais e em nada colidem com qualquer proteção de dados porque a defesa de uma sanção de tal modo grave, como é a do despedimento, sobrepõe-se àquela.

XIII - O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, coarta a garantia do Apelante ao seu direito fundamental à prova, ou seja, ao seu direito à produção de prova/ contraprova, sendo que a circunstância de o ónus de prova do facto para cuja prova é oferecido um determinado meio de prova, não pode fundamentar a recusa da respetiva produção pelo Tribunal.

XIV - A utilização dos meios de prova não se destina, apenas, à prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, mas, também, para questionar, colocar em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar, tudo como emanação do princípio do contraditório constante do artigo 3.º do CPC” Peticiona o Apelante a revogação dos despachos ínsitos no despacho saneador com as consequências legais.

A apelada não apresentou contra-alegação.

O recurso foi admitido, como apelação a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso.

Tal parecer mereceu resposta da recorrida que veio manifestar a sua discordância relativamente ao facto da ilustre Procuradora Geral-Adjunta entender que a...

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