Acórdão nº 1558/22.9T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO Recopel - Representação e Comércio de Peles, Lda., e AA, intentaram ação declarativa com processo comum contra Union For Leather SL, pedindo a sua condenação a: A. “Ser a resolução do contrato de agência declarada ilícita, por não se ter verificado nenhuma das situações previstas na lei que permitam a resolução do contrato por tempo determinado antes do cumprimento do prazo estipulado; B. Ser a Ré condenada ao pagamento de 53 738,33€ a título de comissões devidas aos Autores pelas vendas ocorridas durante a vigência do contrato, C. Ser a Ré condenada ao pagamento de 7 981,68€ a título de comissões devidas aos Autores por contratos concluídos após a resolução do contrato de agência, mas que tiveram a intervenção dos Autores, D. Ser a Ré condenada ao pagamento de 307 262,67€ a título de lucros que os Autores deixaram de obter face à resolução do contrato de forma antecipada, sem prejuízo de montante superior que se venha a apurar, E. Ser a Ré condenada ao pagamento de 161 334,48€ a título de indemnização de clientela, F. Ser a Ré condenada a pagar juros de mora calculados à taxa legal para as obrigações comerciais, vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.” Os AA. Alegaram, em suma que a R. tem estabelecimento/domicílio em Espanha e celebraram com ela um contrato de agência, que reduziram a escrito, pondo em causa a resolução do contrato e peticionando montantes que em seu entender estão em dívida, mais alegando que os tribunais portugueses são os competentes, conforme consta da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

A R. veio invocar a incompetência internacional do Tribunal para conhecer da matéria dos autos, invocando, em suma, que: - As partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade que lhes assiste, em matéria de competência internacional, elegeram mediante pacto reduzido a escrito, os tribunais espanhóis para dirimir qualquer conflito resultante da relação contratual do respetivo contrato de agência.

- Foi na verdade estabelecido por acordo entre as partes – cláusula 18 do Contrato de Agência junto aos autos – como foro de jurisdição judicial em caso de interpretação, cumprimento e incumprimento do respetivo Contrato de Agência objecto dos autos, os tribunais em Espanha, mormente os Julgados de ....

- Tal acordo é válido à luz do art. 25º do Regulamento Europeu 1215/2012, pelo que o Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de ... J ... - onde foi apresentada a presente ação - é incompetente para conhecer dos pedidos, impondo-se a sua absolvição da instância.

Os AA. responderam à excepção da incompetência internacional, alegando, em suma, que o art. 25.º do citado Regulamento ressalva que não será competente o tribunal escolhido pelas partes se, nos termos da lei desse Estado-Membro, tal pacto for nulo, situação em que o pacto atributivo de jurisdição não pode ser considerado.

Assim, sustentam os AA. que, analisada a lei espanhola, nomeadamente a disposição adicional segunda da Lei n.º 12/1992, de 27 de Maio, norma de carácter imperativo, as ações sobre contratos de agência têm de ser julgadas pelo tribunal do domicílio do agente e, qualquer pacto contrário é nulo. Concluem pela nulidade do pacto atributivo de jurisdição e pela competência dos tribunais portugueses.

Foi proferido o seguinte despacho: “Pelo exposto, nos termos conjugados dos arts. 96°, ai. A); 99°, n.° 1; 278°, n.º 1, al. a); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, al. a); e 578º, todos do CPC e do Regulamento n.º 1215/2012, de 12/12/2012, julgo este Juízo Central Cível internacionalmente incompetente para conhecer da matéria em causa e, consequentemente, absolvo a R. da instância.”.

* Inconformados, os Autores RECOPEL -REPRESENTEÇÃO E COMÉRCIO DE PELES, LDA e AA, vieram interpor recurso de Apelação, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a “julgar procedente o recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a exceção da incompetência internacional.”.

** Vem, agora, a Ré/Recorrida interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES I.

O presente recurso vem interposto do, aliás douto, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porro, que revogou o saneador/sentença proferido pela Mma. Juíza, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Central Cível de ..., Juiz ... que determinou “os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para o conhecimento da matéria dos autos”.(douta sentença de 1ª instância) II.

Por considerar que o “ pacto atributivo de jurisdição por força do disposto no art.

25º nº 1 do Regulamento1215/2012 do Parlamento e do Conselho, por ser substancialmente inválido em face da legislação espanhola aplicável, por aplicação das regras gerais do mesmo Regulamento europeu por aplicação das regras gerais do mesmo Regulamento europeu, nomeadamente do artigo 7º nº 1 al b), é de concluir que os tribunais portugueses têm competência para conhecer do presente litígio são os tribunais do Estado Português, por serem os tribunais do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.” (douto Acórdão) III.

Porquanto, entendeu o douto Tribunal da Relação do Porto que o pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes e constante da cláusula 18ª do respetivo contrato de agência, IV.

Apesar de formalmente válido – matéria que se considera assim assente para todos os efeitos legais – é substantivamente inválido por violação da lei interna espanhola, Ley 12/1992, de 27 de mayo que estatui na sua Disposicion Adicional “La competencia para el conocimiento de las acciones derivadas del contrato de agencia corresponderá al Juez del domicilio del agente, siendo nulo cualquier pacto en contrario.” V.

Desde logo não se pode pois concordar com o respetivo aresto, VI.

Já que a aplicação da respetiva Disposicion Adicional da Ley 12/1992, de 27 de mayo é meramente interna no ordenamento jurídico espanhol e não de cariz internacional, mormente comunitário, VII.

Sendo contraditório inclusive na sua fundamentação o próprio Acórdão pois ora reconhece que “ Considerando que a Diretiva Comunitária nº 86/653/C.E.E.

do Conselho de 18 de Dezembro de 1986 não contem qualquer norma que imponha a eleição de foro competente, o do domicilio do agente, temos de concluir que se trata de uma norma interna (de Direito interno espanhol), VIII.

Para posteriormente afirmar que se trata de uma norma reguladora da competência (interna e internacional) de origem nacional, a qual visando conferir uma maior proteção ao agente…”.(sublinhado nosso) IX.

Com efeito, a respetiva Ley 12/1992 é apenas uma norma de reguladora de competência interna do próprio direito espanhol, reitere-se, aplicável apenas no ordenamento jurídico espanhol e consequentemente a agentes espanhóis que e não quando intervêm outros agentes com domicilio noutros Estados Membros.

X.

Não se pode, pois, atribuir eficácia internacional e mormente comunitária à referida lei espanhola Ley 12/1992 tanto mais que a mesma e apesar de transpor a respetiva Diretiva Comunitária nº 86/653/C.E.E. do Conselho de 18 de Dezembro de 1986, foi mais além do que a própria Diretiva impunha, nomeadamente na questão do foro do domicilio do agente.

XI.

E só o foi, pois na transposição das respetivas diretivas comunitárias os Estados Membros gozam de alguma liberdade na sua transposição, XII.

O que já não acontece com os Regulamentos Comunitários que são de aplicação direta e sem necessidade de nenhuma transposição nos respetivos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Membros, uniformizando assim a respetiva legislação europeia como acontece com Regulamento Comunitário 1215/2012 de 12/12.

XIII.

No caso sub judice a Disposicion Adicicional da Ley 12/1992 viola o estabelecido no próprio Regulamento Comunitário 1215/2012 de 12/12, não sendo de aplicar a mesma, XIV.

Atendendo inclusive ao próprio primado do direito comunitário face ao direito interno dos Estados Membros, tanto português como espanhol, XV.

Não sendo assim uma norma de competência judicial internacional de origem europeia, mas apenas uma mera norma de competência territorial interna.

XVI.

Aliás conforme a própria jurisprudência espanhola - e já anteriormente referida e citada - tem sufragado, nomeadamente o Auto de La Audiencia Provincial de Barcelona.

XVII.

Que de acordo com o principio lex posterior derogat priorem, derogación tácita de la ley anterior considera revogada a respetiva Disposicion Adicicional da Ley 12/1992.

XVIII.

Destarte, o Tribunal da Relação do Porto ao reconhecer que a Ley 12/1992 é meramente uma norma interna (de Direito interno espanhol), XIX.

Não lhe pode pois atribuir posteriormente eficácia reguladora da competência internacional.

XX.

A referida Ley 12/1992 apenas tem eficácia reguladora de competência interna.

XXI.

Assim e em virtude da celebração do respetivo pacto de jurisdição – reitere-se formalmente válido – os tribunais espanhóis, nomeadamente Julgados de ..., Espanha, são os tribunais com competência exclusiva para dirimir todas as questões relacionadas com o respetivo contrato de agência celebrado entre as Partes em estrito cumprimento do art 25º do do Regulamento Comunitário 1215/2012 de 12/12.

XXII.

Quanto ao requisito substancial, reportado ao objeto ou conteúdo da cláusula atributiva de jurisdição, exige o citado art. 25.º que a mesma incida, com suficiente precisão, sobre uma relação jurídica específica, o que acontece nos presentes autos.

XXIII.

Com efeito, o conceito de “invalidade substancial” contido no art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 não abrange a invalidade por violação da Ley 12/1992.

XXIV.

A questão da interpretação, validade e eficácia de um pacto atributivo de jurisdição a tribunais de outros Estados-Membros da União Europeia não pode ser equacionada em função dos conceitos normativos da ordem jurídica interna, nomeadamente espanhola.

XXV.

...

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