Acórdão nº 4184/21.6T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução17 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 4184/21.6T8FNC.L1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Figuras Atentas – Unipessoal, Lda, com sede à ... moveu contra AA, residente à ..., freguesia de ..., ..., ação declarativa de condenação, pedindo que: “ (…) a) Seja declarada a extinção do arrendamento acima identificado no art. 5º, por morte de BB, em .../.../2020; b) Seja o Réu condenado a desocupar e a entregar à Autora a parte do imóvel acima identificado no art. 1º que continua a ocupar após o dito óbito; c) Seja o Réu condenado no pagamento à Autora, por cada mês de atraso na referida entrega, a partir da data da respetiva citação, da quantia mensal de € 500,00; (…)” Alegou ser proprietária do prédio urbano sito à ..., freguesia de ..., concelho do ...; prédio de que uma parte identificada foi, por contrato verbal celebrado em 01/07/1968 – entre os então proprietários, CC e consorte DD, e, como inquilina, EE – dada de arrendamento urbano para fins habitacionais, arrendamento este que, tendo a referida EE falecido em .../.../1985, se transmitiu à sua filha, BB.

Entretanto, tendo esta BB falecido em .../.../2020, veio o R., casado com a falecida desde , invocar que lhe foi transmitida a posição de inquilino, sendo que, segundo a A., não se operou qualquer transmissão por óbito da sua falecida esposa BB, razão pela qual, extinto o arrendamento, permanece o R. no locado sem qualquer título ou fundamento (o que significa, por cada mês de atraso na sua efetiva desocupação e entrega, à luz dos valores de mercado correntes, um prejuízo mensal de € 500,00 para a A.).

Contestou o R., invocando, de mais relevante, que sempre, desde a data do casamento de ambos (em 17/01/1981), a BB (ora falecida) e o R. viveram no locado, razão pela qual o arrendamento, à data da morte da BB, era um bem comum do casal; e, tendo-se comunicado o direito da BB ao R., seu cônjuge, não houve transmissão do arrendamento por morte da BB, mas antes a concentração do arrendamento no cônjuge sobrevivo (o aqui R.), o qual já era, em consequência da comunicabilidade, arrendatário, pelo que o contrato de arrendamento não caducou.

E concluiu no sentido de a ação ser julgada totalmente improcedente.

Foi proferido saneador-sentença, que – após declarar a instância totalmente regular, estado em que se mantém – julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. de todos os pedidos deduzidos.

Inconformada, interpôs a A. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 17/11/2022, foi julgado totalmente improcedente.

Ainda irresignada, interpõe a A. o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue a ação procedente.

Verificando-se o obstáculo da “dupla conforme”, previsto no art. 671.º/3 do CPC, não se admitiu a revista como “revista normal”, porém, dizendo a A. que, subsidiariamente, pretendia interpor Recurso de Revista Excecional, invocando as alíneas a) e b) do art. 672.º/1 do CPC, foram os autos remetidos à “Formação” (por ser a competente de acordo com o art. 672.º/3 do CPC), que, por Acórdão de 12/07/2023, admitiu a revista excecional.

Terminou a A. a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 8º Já quanto à primeira questão que integra, em substância, o objecto do presente Recurso de Revista, atinente à interpretação e aplicabilidade do dito art. 1.068ºdoCód.Civil, o douto Acórdão ora recorrida seguiu o douto entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021, proferido no processo 5958/18.0T8FNC.L1.S1.

  1. Porém, na senda do entendimento sufragado designadamente pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/10/2012, proferido no processo 4994/08.0TBAMD-A.L1-2, de 29/05/2012, proferido no processo 1321/11.2YXLSB.L1-1, de 23/09/2014, proferido no processo 738/11.7YXLSB.L1-1, de 10/10/2019, proferido no processo 381/16.4YLPRT.L1-2, a Recorrente continua a pugnar no sentido de que se verifica a inaplicabilidade, ao caso vertente, do disposto no art. 1068º do Cód. Civil.

  2. Sem prejuízo de todo o respeito devido pelo entendimento sufragado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nesse dito processo 5958/18.0T8FNC.L1.S1, e seguido pelos dois Arestos já proferidos nos presentes Autos, impõe-se manifestar que o mesmo não é aquele que, no ver do Recorrente, se afigura acertado e mais conforme à Lei e à Constituição, atendendo designadamente aos elementos teleológicos do NRAU, bem como ao princípio constitucional da harmonização prática dos direitos.

  3. Com efeito, e como bem sabido, o arrendamento urbano foi duradouramente marcado pelo denominado regime vinculístico – assim entendido pelas limitações que introduzia na respectiva regulamentação à autonomia privada das partes, e, designadamente, quanto aos aspectosatinentes à respectiva subsistência (prazo, denúncia, transmissão, etc.).

  4. Também como bem sabido, independentemente da realidade económica e social que assim o determinou, a subsistência ao longo dos anos daquele dito regime contribuiu, na prática, para a degradação significativa do parque habitacional, e, também, para a desconfiança do mercado imobiliário em relação à relação arrendatícia habitacional.

  5. As reformas do regime do arrendamento (RAU, NRAU) visaram então uma dinamização do mercado do arrendamento, sem prejuízo de medidas de salvaguardaemrelaçãoàssituaçõesjurídicaspré-existentes,pelodistanciamento em relação ao regime vinculístico anterior, e a sua progressiva extinção – a par e paraalémda adopção, emrelaçãoaosnovoscontratos,deumregime com maior liberdade contratual e mais consentâneo com a autonomia privada.

  6. Essa transição de regimes evidencia-se com particular acuidade no caso das normas aplicáveis em termos de transmissão do arrendamento em caso de morte do arrendatário, e inerentes normas transitórias – por via das quais o Legislador pretendeu objectivamente promover uma extinção não revolucionária, mas paulatina, do regime vinculístico.

  7. Ora essa matéria está umbilicalmente ligada à questão da comunicabilidade do arrendamento – posto que, como é óbvio, não é possível haver transmissão quando já tenha havido comunicabilidade do arrendamento.

  8. Ouseja,aindaquenãohajanormaexpressatransitórianoNRAUarespeito dodisposto no art.1068º doCód.Civil, nãopodedeixar deinterpretar-seque, tal como se foram implementando limitações sucessivas à transmissão por morte, visando a extinção paulativa das relações de arrendamento vinculísticas subsistentes, nunca foi intenção do Legislador conferir a essas mesmas relações, de modo enviesado econtraditório, uma sobrevida, agora por via da comunicabilidade de acordo com oregimede bensvigente,queantesnãoexistia.

  9. Aliás, a comunicabilidade tem uma justificação – e não corresponde a qualquerdesequilíbriointolerávelentreosdireitosdosenhorioe doarrendatário – no regime vigente para os contratos celebrados ao tempo do NRAU, que não tem qualquer sentido no caso dos contratos vinculísticos subsistentes: é que, ao contrário do que sucede com estes, seja por via da denúncia, seja por via da oposição à renovação, tais contratos podem de facto cessar em determinado prazo por vontade do senhorio.

  10. Em suma, a interpretação mais conforme ao espírito da Lei, e mais conforme à Constituição, designadamente à luz do princípio da concordância...

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