Acórdão nº 431/23.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução17 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 431/23.8T8LSB.L1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Relatório NCV – TRANSPORTES, LDA., com sede na Rua ..., AA, divorciado, residente na R. ..., BB, divorciada, residente na Rua ..., CC, divorciado, residente na Rua ..., DD, casada, com residência na Rua ..., e EE, solteira, maior, com domicílio na Rua ..., intentaram, nos termos dos artigos 362º e ss. do C.P.C., PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM, contra, SCALABIS-STC, S.A., com sede na Avª ..., pedindo, “que seja ordenado à requerida que não proceda ao preenchimento de livranças subscritas pela 1ª requerente e avalizadas pelos restantes requerentes que estejam na sua posse em virtude de créditos de contratos de locação financeira mobiliária celebrados entre a 1ª requerente e a «B......... . ......... - Instituição Financeira de Crédito, S.A.»; que seja ordenado que as referidas livranças não sejam entregues a terceiros ou caso estejam preenchidas não sejam postas em circulação nomeadamente através de endosso; e, ainda, que seja ordenado à Requerida que se abstenha de executar judicialmente as referidas livranças.

Mais requereram a inversão do contencioso.” Alegaram, para tal, que a 1ª requerente outorgou em 18 de Julho de 2005 com B......... . ........., Instituição Financeira de Crédito, S.A., dois contratos de locação financeira imobiliária, um com o número .....13, tendo por objeto uma escavadora de marca Daewoo, modelo S225 LC V, no valor de € 100.000,00, e outro com o número .....12, tendo por objeto um semi reboque ARB SPM com a matrícula .....91, no valor de € 40.000,00; tendo ficado acordado que a 1ª requerente pagaria o preço da aquisição dos bens e respetivos juros em 16 rendas trimestrais, constantes e antecipadas, durante o prazo do contrato, sendo que, para garantia do pagamento das prestações contratadas, a 1ª requerente subscreveu e entregou à locadora uma livrança a favor desta, com montante e data de pagamento em branco, que foi avalizada pelo 2º, 3º, 4º, 5º e 6º ora requerentes.

Sucede que, em 15/03/2007, foi declarada a insolvência da 1º requerente (tendo a partir de tal data ficado impossibilitada de proceder ao pagamento das prestações dos contratos de leasing), após o que, em tal processo de insolvência, os seus credores foram notificados para reclamarem créditos, a B......... foi indicada para a Comissão de credores da 1ª requerente e, antes da apresentação do Relatório pelo AI, existiram conversações entre este e os credores, tendo havido consenso sobre os contratos de leasing terminarem a sua vigência com a entrega dos bens às locadoras (ficando o AI de apresentar uma proposta de rescisão dos leasings na Assembleia de credores, segundo a qual a B......... aceitava receber os bens e não reclamar qualquer crédito ou direito proveniente dos contratos).

Assim, em 28/05/2008, na Assembleia de Credores da 1ª Requerente, todos os credores presentes votaram favoravelmente, incluindo a locadora «B......... . ........., S.A», a proposta do AI de rescindir os contratos de leasing, tendo o AI, em cumprimento de tal deliberação, colocado os bens locados à disposição das locadoras (não tendo a B......... procedido à sua remoção do local onde estes se encontravam: o estaleiro da 1ª requerente).

Entretanto, em 21.03.2016, a 1ª requerente recebeu uma carta do Novo Banco a comunicar que o contrato de locação financeira mobiliária que tinha por objeto o semi-reboque ARB foi resolvido com fundamento em falta de cumprimento no pagamento de prestações; e, em 19.12.2022, a 1.ª requerente recebeu uma carta da «Scalabis STC, S.A.», na qual se referia que a «L. ............ ........ .., SARL» lhe havia cedido os créditos decorrentes dos contratos de locação financeira referidos e informando-a de que, em 31 de Dezembro de 2022, caso não existisse pagamento, iria preencher as livranças, subscritas pela 1ª requerente e avalizadas pelos restantes requerentes, que tinha em seu poder, pelo valor global de € 59.475,85, sendo o capital de € 36.575,12.

Ora, segundo os requerentes, a 1ª requerente nada deve à requerida já que os contratos de locação financeira celebrados em 2005 com a B......... foram rescindidos em 2008, no âmbito de processo de insolvência, e deles não resultou qualquer crédito para a locadora em virtude da entrega a esta dos bens locados; ademais, ainda segundo os requerentes, a obrigação causal que o preenchimento das livranças na posse da requerida visa garantir encontra-se prescrita (o crédito prescreveu no prazo de cinco anos, já decorridos, por não ter existido qualquer facto interruptivo).

Concluem invocando que o preenchimento da livrança lhes causará um grande dano, designadamente e no que à 1ª requerente diz respeito, provocará a destruição do bom nome e do crédito, razões que são extensíveis aos avalistas das livranças, que são comerciantes, gerentes de sociedades e pessoas com grande atividade económica.

Foi, sem sucesso, requerida a dispensa de citação prévia, tendo sido ordenada a citação.

A requerida apresentou oposição, alegando, em síntese, que no processo de insolvência da 1ª Requerente, não obstante os credores terem votado favoravelmente a rescisão dos contratos de locação financeira, isso não veio a acontecer, sendo certo que, nos contratos dos autos, ficou estipulada a possibilidade de aquisição dos bens pelo locatário pelo valor residual, pelo que o regime legal aplicável é o disposto no artigo 108º do C.I.R.E. (e não o artigo 102º, invocado pelos Requerentes), sempre sendo devidas as rendas vencidas desde que a denúncia do contrato produziu efeitos até ao término do mesmo.

Mais dizem que, tendo a insolvência sido levantada em 2009, por efeito da procedência de embargos à insolvência, a sociedade 1ª Requerente continuou a laborar até hoje e permaneceram em dívida as rendas vencidas e não pagas até à denúncia dos contratos, correspondentes ao período que decorreu entre Abril de 2007 e Maio de 2008.

E, quanto à prescrição, dizem que os requerentes foram, em tempo, devidamente interpelados para pagamento; e que, encontrando-se os contratos já resolvidos por incumprimento, é aplicável o prazo ordinário de 20 anos.

Concluindo pela total improcedência da providência.

Foi produzida a prova requerida, tendo sido proferida decisão a “(…) julgar a presente providência cautelar totalmente improcedente, absolvendo a Requerida dos pedidos formulados.” Inconformados, interpuseram os requerentes recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 06/07/2023, foi julgado totalmente improcedente.

Ainda irresignados, interpõem os requerentes o presente recurso de revista – a que se aplica o regime especial do art.º 370.º/2 do CPC, tendo a revista sido admitida por se verificar a situação prevista no art. 629.º/2/d) do CPC (por a contradição jurisprudencial ter sido devidamente invocada pelos recorrentes, indicando o fundamento específico de recorribilidade e juntando-se certidão, com nota de trânsito, do “Acórdão Fundamento”, mais exatamente, certidão de dois Acórdãos Fundamento – de Ac. da Relação do Porto de 15/06/2015 e do Ac. da Relação de Lisboa de 26/04/2022 – por serem duas as questões/contradições invocadas) – visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue procedente a providencia cautelar intentada.

Terminaram os requerentes a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1. O douto acórdão recorrido é passível de recurso de revista, nos termos do artigo 629º, nº2, al. d), porque está em contradição com outros dos Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, dele não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

  1. O douto acórdão recorrido está em contradição com outros dos Tribunais da Relação quanto a duas questões fundamentais de direito: A) Qual o regime aplicável a contratos de locação financeira em que o locatário seja declarado insolvente e em que o administrador da insolvência declara o não cumprimento pela massa. É de aplicar o artigo 108º do CIRE, como o fez a douta sentença recorrida , ou o artigo 104º e 102º do CIRE, como o fizeram os acórdãos fundamento? B) Qual o prazo de prescrição das rendas devidas pelo locatário num contrato de locação financeira ? o prazo ordinário de vinte anos, como o acórdão recorrido declara, ou o prazo de cinco anos por aplicação analógica do disposto no artigo 310º do Código Civil, como o acórdão fundamento defende? 3. Quanto à primeira questão está em contradição, nomeadamente, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.2015, proferido no processo nº 1393/12.2TBFLG-A.P1, em que foi relator o Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador José Eusébio Almeida, cuja cópia se junta e que se encontra publicado em www.dgsi.pt;, no qual se decidiu que: 1 – O regime insolvencial do contrato de locação financeira é o previsto nos artigos 102 e 104 do CIRE e não no artigo 108 deste mesmo diploma. 2 – Sendo o insolvente o locatário, e encontrando-se ele na posse da coisa locada, aquele regime resulta da conjugação do disposto nos artigos 102 e 104, n.º 3 do CIRE.

  2. Subsidiariamente, para o caso de se entender que não existe contradição com o acórdão anteriormente referido, está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.09.2021, proferido no processo nº 4278/15.7T8CBR-F.1.C2, em que foi relatora a Exma. Sra. Dra. Juíza Desembargadora Maria João Areias que se encontra publicado em www.dgsi.pt;, no qual se decidiu que, embora o contrato em questão nos autos não fosse um tipico contrato de locação financeira mas sim um contrato de locação de equipamentos que não concedia a faculdade de aquisição do bem pelo locatário no termo do contrato, não fica sujeito ao regime especial previsto no artigo 108.º do CIRE para o contrato de locação, ficando, antes, sujeito ao regime geral do artigo 102º do CIRE – suspensão automática do contrato e...

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