Acórdão nº 00161/12.6BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Outubro de 2023

Data04 Outubro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA», veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 07.10.2022, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa intentada contra o Ministério da Administração Interna, para a declaração de nulidade do procedimento disciplinar que lhe foi movido e, subsidiariamente, para a declaração da prescrição desse procedimento, e, na eventualidade de também assim não ser entendido, para a declaração de nulidade, ou pelo menos a anulação, da decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou de facto e de direito, devendo ser “revogada a decisão de expulsão”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A) O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida no âmbito de acção administrativa especial de declaração de nulidade de acto administrativo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, sob o número 161/12.6BEMDL, opondo o Autor, «AA», aqui Apelante, ao Ministério da Administração Interna, aqui Apelado.

B) Com este recurso, o Apelante visa sindicar a matéria de facto – demonstrando que existem factos relevantes que não foram tidos em consideração – e de direito – buscando uma interpretação legal diferente daquela que foi feita pelo Tribunal a quo.

C) Em suma, o Apelante é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, tendo sido alvo de processo disciplinar cuja a decisão final foi a aplicação de uma pena de expulsão.

D) No decurso do mencionado procedimento disciplinar, foram apontados pelo Apelante diversos vícios, nomeadamente a omissão de diligências probatórias, violação do direito de defesa, falta de ponderação de circunstâncias atenuantes e violação do princípio da proporcionalidade quanto à medida da pena.

E) Vícios, omissões e violações legais que, infelizmente, não foram corretamente interpretadas pelo Tribunal a quo que na sua sentença acabou por fazer “tábua rasa” aos mesmos, causando prejuízos imensuráveis de caracter sócio-económico ao aqui Apelante, cabendo aos Venerandos Desembargadores a tarefa de repor a verdade e a justiça nos presentes autos.

Se não vejamos, F) A sentença recorrida deu como provado, ou pelo menos assim resulta da leitura do ponto 4 e 52 da matéria de facto provada, que o Apelante é imputável.

G) Salvo melhor entendimento, inexiste fundamentos materiais para afirmar tal imputabilidade.

H) Quanto muito, a mesma deve ser considerada diminuída visto que à data dos factos – 30 de Agosto de 2004 – quer o Apelante, quer a sua esposa, “tinham ingerido bebidas alcoólicas”, cfr artigo 10 da acusação proferida no âmbito do processo disciplinar.

I) Dos artigos 11 e 15 da mencionada acusação, resulta ainda que, estes eram “desde há vários anos(...)acompanhados em psiquiatria, em virtude de revelarem síndroma depressivo”, tendo inclusive sido “medicado com anti-depressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor”.

J) O Apelante teve baixas psiquiátricas e foi, por diversas vezes, observado no Posto Clínico da PSP por síndrome depressivo, acabando por deixar de trabalhar, estando pré-aposentado.

K) Este fez um exame de avaliação psicológica no âmbito do processo crime, onde resulta que o mesmo “apresenta um nível intelectual ligeiramente inferior à média” – ponto 4 n.º 1 da matéria de facto provada e 20 da acusação – a que acresce “dificuldades de controlo dos impulsos” – ponto 20 da acusação.

L) À data da prática dos factos que levaram a que fosse instaurado um procedimento disciplinar contra o Apelante, e conforme resulta do artigo 21.º da sua acusação, é muito provável que o quadro clínico de depressão e ansiedade já se manifestasse nesse período.

M) Ora, o estado emocional, físico, intelectual, aliado ao estado depressivo, a toma de medicação juntamente com a ingestão de álcool, levaram a uma imputabilidade diminuída.

N) Conforme nos ensina Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, I, Coimbra Editora, 2004, n.º 111, § 42 e 43, 539 e ss : “A imputabilidade diminuta «Do que se trata é antes, verdadeiramente, de casos de imputabilidade duvidosa, no particular sentido de que neles se comprova a existência de uma anomalia psíquica, mas sem que se tornem claras as consequências que daí devem fazer-se derivar relativamente ao elemento normativo-compreensivo exigido; casos pois (...) em que é pouco clara, ou simplesmente parcial, a compreensibilidade das conexões objectivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente”.

O) Atendendo ao seu historial clinico e psíquico, o Apelante estava notoriamente com a sua capacidade de compreensão da acção diminuída, motivo pelo qual não poderia determinar os seus comportamentos da forma que seria expectável ao bonus pater família, atendendo que a sua avaliação dos factos estava comprometida, o que tem implicações directas na atribuição da sua completa responsabilidade perante os actos que cometeu.

P) Também a este propósito, vide Ac. STJ de 21-06-2012 : “IV. A chamada imputabilidade diminuída pressupõe e exige a existência de uma anomalia ou alteração psíquica (substrato bio-psicológico) que afecte o sujeito e interfira na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (efeito psicológico ou normativo).V. Os pressupostos biológicos da imputabilidade diminuída são os mesmos que o art. 20.º do CP prevê para a inimputabilidade. A diferença reside no efeito psicológico ou normativo: a capacidade de compreensão da acção não resulta excluída em consequência da perturbação psíquica, mas, antes, notavelmente diminuída. Se a imputabilidade diminuída significa uma diminuição da capacidade de o agente avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, ela há-de, em princípio, reflectir um menor grau de culpa (uma culpa diminuída).” Q) Esta culpa diminuída também resulta do próprio julgamento do crime que o Apelante cometeu e que acabou por ser uma justificação, ainda que desproporcional, para a aplicação da pena de expulsão da PSP.

R) Frise-se que, o Apelante não foi condenado por um crime de homicídio mas pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificado pelo resultado morte.

S) Esta destrinça feita pelo julgador penal deve-se ao estado clinico e de embriaguez que o Apelante se encontrava quando praticou os factos.

T) No referido processo penal resultou provado que o Arguido, além de confessar os factos de que se lembrava, ainda tudo fez para reparar o dano e auxiliar a sua esposa.

U) O Arguido confessou os factos que se recordava, mostrou-se arrependido e declarou pedir perdão à assistente e familiares da vítima.

V) Tanto assim é que, a própria senhora Inspectora concluiu que “das declarações prestadas pelo Arguido, conjugadas com a observação do local e do cadáver da falecida, não nos parece que, no caso em apreço, tivesse havido intenção de matar, parecendo-nos antes que a morte de «BB» ocorreu de forma acidental, embora decorrente de uma situação de discussão em que ocorreram agressões físicas”, conforme consta na informação da polícia judiciária de 31/08/2004.

W) Face ao exposto deveria ser dado como provado que o Apelante, embora imputável, estaria com a chamada imputabilidade diminuída, pelo que, a sua expulsão se revela desproporcional atendendo aos circunstancialismos de facto aqui em apreço.

X) Não obstante, a decisão de expulsão a que o Apelante foi sujeito no âmbito procedimento disciplinar que deu origem aos presentes autos, além de desvalorar o decidido e dado como provado no processo-crime que o motivou, ainda releva o facto de este, enquanto estava no ativo, ter sido um excelente policia que sempre se pautou por defender a sua farda.

Y) Como atenuantes, há que ter em linha de conta que, o Apelante esteve muitos anos no ativo e nunca tinha sido alvo de qualquer procedimento disciplinar.

Z) O Apelante cumpriu sempre as suas funções com brio, zelo, lealdade e aprumo, no superior interesse público da comunidade que serviu.

AA) O seu comportamento de mérito é corroborado pelos louvores e condecorações que recebeu ao longo da sua carreira como pelos seus colegas.

BB) Ademais, a própria acusação do procedimento disciplinar refere no seu artigo 29.º o seguinte: o Apelante “é considerado pelos demais colegas de profissão como um colega exemplar”, cfr artigo 29º do citado documento, gozando de boa reputação, credibilidade e camaradagem.

CC) Além da sua carreira profissional ser de mérito, frise-se que, no momento em que é tomada a decisão de expulsão, de forma tão desumana, desproporcional e desnecessária, o Apelante encontrava-se na situação de pré-aposentação.

DD) É de senso comum que uma carreira na PSP é uma profissão de risco e não é de todo desconhecido que muitos agentes acabam por cometer suicídio dentro das próprias esquadras face ao desgaste da própria profissão.

EE) Logo, além de ser uma profissão onde o stress e a pressão são uma constante, o processo disciplinar, designadamente, a sua decisão, não deveria obviar a própria situação pessoal do seu agente.

FF) O aqui Apelante, para além do seu baixo poder de compreensão, perdeu os seus filhos, encontrava-se com um síndrome depressivo, abusando de bebidas alcoólicas, simultaneamente medicado a ponto de necessitar de baixas psiquiátricas, cfr acusação, conforme resulta dos artigo 11, 12, 13, 14, 16 da acusação, sendo o cuidador da sua mãe, à data com 77 anos, com diagnostico de Alzheimer.

GG) Ora, com as agressões físicas que o Apelante infligiu na sua esposa e que...

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