Acórdão nº 00021/18.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução04 de Outubro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «AA», contribuinte fiscal n.º ..., residente na avenida ..., ..., ..., instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., em ..., por meio da qual peticionou a anulação do ato administrativo contido na decisão proferida pela Exma. Sra. Diretora do Núcleo de Prestações Previdenciais, do Centro Distrital ..., datado de 11/08/2017, que ordenou a restituição da quantia de €9.797,92, que lhe havia sido paga a título de montante global das prestações de desemprego, no âmbito do Programa de apoio em Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção.

Recorrendo, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1º. A Recorrente ficou desempregada no dia 23 de Outubro de 2012, mostrando-se à data preenchidas todas as condições estabelecidas na lei para a atribuição do subsídio de desemprego nos termos do disposto no DL nº 220/06, de 3.11, o qual lhe foi atribuído pelo montante diário de € 26,07 (reduzido em 10% a partir do 181º dia) por um período de 600 dias, com início em 29 de Outubro de 2012; 2º. A Recorrente, ao abrigo do regime previsto no art. 34º do DL nº 220/06, de 3.11 e demais legislação conexa (Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE)), requereu o pagamento global do subsídio de desemprego a que tinha direito, pedido que lhe foi deferido nos termos do ofício nº ...99 do IEFP, datado de 19.3.13; 3º. Na sequência do que constituiu a sociedade [SCom01...], Lda., criou 5 postos de trabalho, incluindo um para a Recorrente, empresa que, desde então, tem, ininterruptamente, vindo a desenvolver a sua actividade; 4º. No dia 28 de Maio de 2014, a Recorrente constituiu a sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., pessoa colectiva nº ..., na qual exerce o cargo de gerente não remunerada; 5º. Nos termos do nº 3 do art. 4º dos estatutos da sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda, a remuneração ou não do cargo de gerente depende de deliberação social; 6º. O exercício da gerência de uma sociedade comercial por quotas (aqui se incluindo as unipessoais) não só não é normal e necessariamente remunerado, como, em boa verdade, essa decisão e a fixação dessa remuneração, se for o caso, está sempre dependente de uma prévia decisão do(s) sócio(s) obrigatoriamente plasmada numa acta - – vd., arts. 255º, nº 1, 270º-G, 270º-E, nºs 1 e 2 do CSC; 7º. Em face do que antecede, é manifesto que não se mostra verificada a hipótese prevista no art. 34º, nº 3, do DL nº 220/06, normativo que é invocado na decisão proferida; 8º. O regime instituído nos arts. 4º, a), 6º, b) e 34º, nº 1, do DL 220/06 e as verbas disponibilizadas ao trabalhador na sequência da aprovação de uma candidatura de apoio à criação do próprio emprego, passa pela antecipação da globalidade das prestações de desemprego a que o trabalhador tem direito pelo facto de se encontrar numa situação de desemprego involuntário; 9º. Por isso que, o regime do pagamento antecipado das prestações de desemprego no âmbito de um projecto de criação do próprio emprego, não pode deixar de ser lido, enquadrado e interpretado à luz do regime estabelecido para a atribuição ao beneficiário das prestações de subsídio de desemprego previstas nas diferentes disposições do DL nº 220/06 – cfr., arts. 8º, 9º, nº 1, 18º, nº 1, 52º, nº 1, al. a), do DL nº 220/06; 10º. O direito ao recebimento das prestações de subsídio de desemprego mantém-se mesmo quando o desempregado exerça a gerência de uma sociedade comercial, desde que não aufira qualquer remuneração pelo exercício desse cargo, situação que não afasta a existência de desemprego involuntário, nem quadra ao exercício de uma actividade profissional, seja por conta própria, seja por conta de outrem – vd., doc nº 1 (Guia Prático do ISS, Prestações de Desemprego, Montante Único); 11º. Entendimento que, de resto, para lá de ser pacífico, é o que resulta do Ac. STA (Pleno) de 14.3.13, Proc. nº 01209/12: “Na caracterização da situação de desemprego, para efeitos de atribuição do correspondente subsídio, o que releva é a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do contrato de trabalho. Assim, a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respectivamente”; 12º. Se se entendesse que o exercício não remunerado do cargo de gerente traduzia o exercício de uma actividade profissional (como se pretende na douta decisão recorrida), daí seguir-se-ia, necessariamente, que um desempregado nessa situação não teria o direito a receber a prestação de subsídio de desemprego; 13º. Ao admitir-se que um desempregado que exerce a gerência não remunerada de uma sociedade comercial tem direito a receber as prestações de desemprego, daí segue-se, necessariamente, que, enquanto beneficiário de prestações de desemprego, tem o direito a lançar mão da prerrogativa prevista nos arts. 4º, a), 6º, b) e 34º, nº 1 do DL 220/06 – cfr., arts. 1º, nº 1 e nº 2, al. c), 12º, nº 1, da Portaria nº 985/09, de 4.9; 14º. Em face do que antecede, tendo em conta, (i) por um lado, que o exercício não remunerado da gerência de uma sociedade comercial não impede o acesso ao regime da protecção no desemprego previstas no DL nº 220/06 e ao recebimento das prestações de desemprego previstas nesse diploma e, (ii) por outro lado, que quem tem o direito a receber aquelas prestações de desemprego pode requerer, nos termos dos arts. do DL nº 220/06 e da Portaria nº 985/09, de 4.9, que as mesmas lhe sejam pagas de uma só vez por forma a criar o seu próprio emprego, é forçoso concluir que o exercício não remunerado de um cargo de gerência não pode consubstanciar uma violação do regime do apoio à criação do próprio emprego nem enquadrar-se na previsão do art. 34º, nº 3, do DL nº 220/06 e, como tal, fundamentar e conduzir à revogação do apoio concedido; 15º. Seria absolutamente ilógico admitir que alguém que, não obstante ser gerente não remunerado de uma sociedade comercial, estando na situação de desempregado e beneficiando do direito ao recebimento das prestações de desemprego, reúne as condições para receber aquelas prestações de desemprego e requerer o seu pagamento antecipado e de uma só vez com vista à criação do seu próprio emprego (e de ter o direito de ver ser-lhe atribuído esse apoio) e, do mesmo passo, considerar-se que o exercício não remunerado daquele cargo de gerência poderia traduzir-se na violação do regime do apoio à criação do próprio emprego e, nessa conformidade, fundamentar e conduzir à sua revogação; 16º. À luz dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 1º, 2º, 13º, nº 1 e 2 e 18º, nº 2, da Constituição, não encontra justificação razoável e, como tal, não é constitucionalmente aceitável, o entendimento seguido na decisão proferida e na sentença recorrida no sentido de se considerar incumprido o regime previsto no art. 34º, nº 1 e 2 do DL nº 202/06 e no Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (considerando-se indevida a obtenção antecipada e global das prestações de desemprego), quando, posteriormente, o administrado venha a desempenhar uma função de gerente numa sociedade de uma forma não remunerada; 17º. Pois, caso contrário, sem qualquer justificação razoável, estabelecer-se-iam condições mais gravosos para um beneficiário que pediu a antecipação das prestações futuras do subsídio de desemprego a receber e que criou o seu próprio emprego, do que para um beneficiário que continuasse mensalmente a receber a prestação do subsídio de desemprego a que teria direito, quando, num caso e noutro, o beneficiário exercesse, sem remuneração, o cargo de gerente de uma sociedade; 18º. A interpretação das disposições legais constantes do DL nº 220/06, de 3.11, designadamente do seu art. 34º, nº 1, 2, 3 e 4, no sentido pugnado na decisão proferida e constante do ofício notificado à Recorrente e na sentença recorrida, ofende o direito à dignidade humana e à protecção no desemprego involuntário que integra o núcleo essencial do direito fundamental à segurança social, tal qual o mesmo vem previsto e definido nos arts. 1º, 59º, nº1, al. e) e 63º, nº 1 e 3 da CRP e bem assim os princípios da igualdade e proporcionalidade consagrados nos arts. 1º, 2º, 13º, nº 1 e 2 e 18º, nº 2 da CRP; 19º. Violação, aliás, evidente, gravosa e chocante se se atender, como é mister, que, na data em que passou a exercer o cargo de gerente da [SCom02...], faltavam apenas 24 dias para que a Recorrente deixasse de beneficiar do subsídio de desemprego e que, caso não tivesse requerido o pagamento antecipado do valor global das prestações de subsídio de desemprego a que tinha direito, apenas lhe seria, no limite (e sem prescindir), negado o direito ao recebimento do subsídio de desemprego referente a esses 24 dias; 20º. Afigurando-se manifestamente desproporcionado obrigar-se a Recorrente a restituir a totalidade do montante do valor do subsídio de desemprego que recebeu antecipadamente (€ 9.797,92), quando, na data em que se verificou o suposto incumprimento imputado à Recorrente – o que não se concede e apenas se admite a benefício de raciocínio –, o valor do subsídio de desemprego correspondente àqueles 24 dias que faltavam para o termo do prazo de recebimento de subsídio de desemprego que lhe foi fixado, era de apenas € 562,46; 21º. A demonstrar à saciedade a iniquidade da posição manifestada pela Recorrida na douta decisão impugnada, tenha-se presente que a jurisprudência tem acolhido...

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