Acórdão nº 0411/15.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"A..., L.DA." - EM LIQUIDAÇÃO, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.338 a 348 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação, pela sociedade recorrente intentada, tendo por objecto, mediato, o acto de liquidação adicional de I.V.A. e de juros compensatórios, referentes ao período de 2010 e no montante total de € 2.144.001,06.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.350 a 362-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: a-A possibilidade de requerer a passagem de certidão com os elementos omitidos na notificação originária é uma mera faculdade que a Recorrente poderia exercer, ou não, não se podendo considerar suprido o vício daquela notificação pelo não uso da dita faculdade pois que desde logo decorre daquele artigo 37º, nº 1 do CCPT que o interessado «pode» requerer a passagem de certidão e não que deve requerer a mesma, tal acentuando precisamente o facto de a possibilidade de requerer a certidão ser uma faculdade e não um qualquer dever jurídico.

b-Na interpretação da lei deve o intérprete presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º, nº 3 do Código Civil e no presente caso não existem razões que possam levar à conclusão de que o legislador se terá expresso de forma medíocre, dizendo menos do que aquilo que pretenderia dizer.

c-E que a notificação efectuada, nos termos em que o foi, é nula dúvidas não podem subsistir, nulidade essa que não é sequer passível de sanação – artigo 137º, nº 1 do CPA na versão vigente há data dos factos.

d-Bem ao contrário do que a Douta Sentença parece entender a legitimação dos juros compensatórios depende da imputabilidade de um juízo de culpa à contribuinte aqui Recorrente e essa imputabilidade, ainda que mínima, deverá constar da notificação sendo este o entendimento que tem feito vencimento nos Tribunais Superiores onde se tem continuado a decidir como citado supra no corpo alegatório.

e-Pelo que não constando tal imputação de culpa à Recorrente, culpa essa causal e motivadora do atraso na liquidação, fenece de sustentáculo na lei a liquidação de juros compensatórios.

f-Os referidos juros compensatórios resultam de uma operação realizada após a declaração de insolvência da A... e no âmbito da liquidação do activo para satisfazer o passivo, pelo que será correcto dizer-se que foi a situação de insolvência da A... o nexo causal com a operação realizada sendo, assim, aquela insolvência que cumpre trazer á colação.

g-A insolvência da A... foi declarada, por decisão em julgado transitada, como fortuita e, logo, não culposa, ou seja, o tribunal com competência especializada declara que não houve culpa na situação de insolvência da A... mas logo aparece a AT a liquidar juros compensatórios que dependem, precisamente, da existência de culpa.

h-Não se pode nunca olvidar que as decisões dos tribunais transitadas em julgado, por expressa imposição constitucional, são para cumprir pois vinculam entidades públicas e privadas pois que nos termos do disposto no artigo 205.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, «As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades».

i-No nosso Estado de Direito democrático a lei das leis como é chamada, ou a que ocupa a primazia é a lei fundamental ou a Constituição da República Portuguesa, o que vale dizer que todas as outras leis devem obediência ao estatuído na Constituição da República Portuguesa e por outro lado, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, consagra-se o direito ao acesso à justiça que a todos os cidadãos é consagrado, para a defesa dos seus direitos e interesses.

j-Este preceito, insere-se nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que nos termos do disposto no artigo 18.º da CRP são directamente aplicáveis, vinculando entidades públicas e privadas; posto isto, conclui-se que a decisão que foi proferida pelo Tribunal do Comércio que declarou a insolvência como fortuita, por ter reflexos em actos subsequentes, se terá de impor à AT a quem nada mais resta que não seja respeitar tal decisum e abster-se de tentar retirar consequências que o violem, designadamente liquidar juros compensatórios que dependem de uma culpa que já foi declarada como inexistente por um tribunal.

k-O acto praticado pela Recorrente foi-o no âmbito da liquidação do seu activo não sendo o resultado do exercício de uma actividade económica pois esta a Recorrente, atento o seu estado de insolvência, já não a tinha.

l-Ora a tributação em IVA depende sempre do exercício de uma actividade económica uma vez que só com tal exercício se assume a qualidade de sujeito passivo do imposto, é o que resulta claramente do artigo 2º, nº1 a) do Código do IVA.

m-Como será bom de ver o acto praticado pela Recorrente não o foi no âmbito do exercício de qualquer actividade económica, e, logo, situou-se fora do campo de aplicação do imposto.

n-Como o tem entendo o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA na Jurisprudência supra citada no corpo alegatório.

o-Ora não se pode deixar de trazer à colação quanto à jurisprudência do TJUE que a interpretação feita por aquele Tribunal de normas de matriz comunitária prevalece sobre a interpretação feita internamente nos Estados Membros, isto por força do artigo 8º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

p-O que se encontra em causa nos autos, e não se discute atento o probatório fixado, não é a transmissão do direito de superfície mas sim a cessão da posição contratual atinente a um direito de superfície que consta de um contrato.

q-São coisas diversas e que não se confundem.

r-E se quanto à primeira figura jurídica se pode configurar, ainda que cum granum salis, uma transmissão de bens já quanto à segunda figura tal não é possível pois que ao contrário de uma simples transmissão de um bem a cessão de posição contratual juridicamente é o negócio pelo qual um dos outorgantes num qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato, ou seja, bem ao contrário da mera transmissão do bem é todo o feixe de direitos e obrigações decorrentes do contrato que são alvo de transmissão.

s-Como o entende toda a Doutrina citada no corpo alegatório, sendo ainda certo que a Jurisprudência, também supra citada, afina pelo mesmo diapasão.

t-Nenhum sentido faz equiparar a cessão da posição contratual num contrato que tem por objeto um direito de superfície à transmissão do bem direito de superfície em si mesmo, tal é incorrecto e resulta numa interpretação grosseiramente ilegal e enviesada da lei pois que a estar-se perante algo seria perante a categoria residual de incidência, prevista no CIVA, de prestação de serviços e nunca por nunca de transmissão de bens.

u-Desde logo por não se estar perante um bem corpóreo ou por lei equiparado a tal.

v-Como a própria AT, na Informação Vinculativa supra citada, aliás, o entendeu.

w-De ponto algum do documento complementar à escritura e apesar de o direito de superfície englobar também á edificação que se encontrava em curso, assim como documentos entregues e obrigações assumidas, se pode retirar que tal permitiria a transmutação da operação de cessão da posição contratual, como foi realizada e documentada em acto notarial, na transmissão de um imóvel.

x-Sustentar tal é pura e simplesmente revelar ignorância pela vigência do artigo 238º, nº 1 do Código Civil pois que é conclusão que não se retira sequer ao de leve do texto do documento, o que não é legalmente admissível.

y-Violou a Douta Sentença os artigos 35º e 77º da LGT, 37º do CPPT, 2º, nº 1 a), 3º e 24º do CIVA assim como os artigos 238º, nº 1 e 424º do CC, tendo como único destino possível a sua revogação, substituindo-se a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente consistente na anulação total dos actos questionados (liquidação de imposto e juros compensatórios).

XNão foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

XO Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.365 e 366 do processo físico).

X Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.

X FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO XA sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.339-verso a 443 do processo físico): 1-No dia 29.10.2008 foi outorgada escritura de “Constituição do direito de superfície” entre AA e BB, na qualidade de administradores e em representação da B..., SA, como 1º outorgante e CC e DD, agindo na qualidade de gerentes e em representação da A..., Lda., 2ª outorgante, pela qual constituem a favor da 2ª outorgante o direito de superfície sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...26 e sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...69, decorrendo da mesma o seguinte:“CLÁUSULA PRIMEIRAOs prédios sobre os quais é constituído o direito de superfície objecto do presente contrato, é destinado à construção de uma fábrica e ao Logradouro da mesma (“fábrica”) (…)” – cfr. fls. 489 do SITAF.

2-No âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.º 644/09.5TYVNG, foi proferida em 12.08.2009 sentença de declaração de insolvência da sociedade A..., Lda.

3-Em 28.12.2010 foi outorgada escritura de “Cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda” entre EE, que outorga na qualidade de administradora da insolvência da A..., Lda., sociedade em liquidação como 1ª outorgante e FF e GG, que outorgam na qualidade de administradores e em representação da C... SA, como 2º outorgante, CC, que outorga na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT