Acórdão nº 2036/22.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR BARROSO
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra a ré UNIVERSIDADE ..., pedindo que seja a ré condenada a: a). Reconhecer que entre ambas vigorou contrato de trabalho desde 01.04.2010 até 15.04.2020; b). Reconhecer a sua antiguidade reportada à primeira das indicadas datas; c). Fixar a respectiva retribuição base na quantia de € 1.500,00, com efeitos reportados a 15.04.2020, sem prejuízo da respectiva progressão salarial; d). Pagar-lhe a diferença entre a retribuição base que liquidou, desde Abril de 2020 até à data de instauração da acção, e aquela que, nos termos referidos em c), deveria ter pago, no valor quantificado de € 6.488,24; e). Pagar-lhe a diferença entre a retribuição mensal que, entretanto, vier a pagar e aquela que, nos mesmos termos, deveria pagar; f). Pagar-lhe o montante global de € 23.335,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referentes aos anos de 2010 a 2020; g). Pagar-lhe juros de mora, sobre todas as quantias peticionadas, contados das respectivas datas de vencimento.

Conforme relatório da sentença, sustenta-se, em síntese, que, no dia 01.04.2010, a autora começou a desempenhar funções para a ré, formalmente a coberto de contrato designado por Bolsa de Investigação, vínculo esse que, em vista a conferir continuidade à relação, foi sendo sucessiva e ininterruptamente renovado até 30.06.2015; que, posteriormente a isso, foi celebrado novo contrato da mesma natureza, que, tendo sido sujeito a renovações, perdurou até 31.12.2018; que, de seguida a isso, foi entre as partes formalizado contrato de prestação de serviço, cujos efeitos perduraram entre 01.01.2019 e Abril de 2020; que, como contrapartida da actividade que prestou, ela, autora, recebeu da ré, de Abril de 2010 a Março de 2011, a quantia mensal ilíquida de € 750,00, de Abril de 2011 a Março de 2012, a de € 950,00; que essa contrapartida se fixou, em Abril de 2012, na quantia de € 1.100,00, assim se mantendo no decurso dos anos de 2013, 2014 e até ao mês de Junho de 2015; que, em Julho de 2015, essa contrapartida passou a cifrar-se na quantia de € 1.245,00, valor que se manteve inalterado nos anos de 2016, 2017 e 2018; que, em 2019 e nos meses de Janeiro a Abril de 2020, recebeu a contrapartida de € 1.500,00; que, desde a data da sua originária contratação, exerceu, em continuidade mantida, as funções para que foi contratada, que se mantiveram inalteradas a partir de 01.01.2019, desenvolvendo-as nas instalações da ré, com instrumentos e equipamentos por esta fornecidos/propriedade da mesma; que, ao longo de todo o referido período de tempo, esteve subordinada a cumprir horário de trabalho, bem como dependente da autorização dos seus superiores hierárquicos para poder ausentar-se do local da respectiva prestação e para gozar férias, que foram sempre retribuídas; que, para além disso, esteve, também e sempre, subordinada ao poder de direcção da ré, recebendo ordens, instruções e orientações quanto ao modo de exercício das tarefas postas a seu cargo; que as funções que exerceu se enquadraram no cumprimento do objecto da ré, concorrendo para a satisfação de necessidades permanentes desta, não obstante a mesma haja lançado mão de formas precárias de contratação, funções essas que, aliás, extravasaram os planos dos contratos de bolsa formalizados; que, na sequência de concurso destinado à admissão de técnico superior, em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, ela, autora, veio a ser admitida ao serviço da ré, para desempenhar as funções que lhe estavam já, desde 01.01.2019, cometidas; que, no contrato que nos indicados termos, foi, aos 15.04.2020, celebrado entre as partes, ficou estabelecido que o mesmo produzia efeitos a partir da referida data e mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida de € 1.205,08; que, porém, a sua antiguidade deve, isso sim, reportar-se à data da sua originária contratação, sendo que, por seu turno, qualificando-se a contrapartida que recebia como remuneração, não podia a mesma ter sido fixada, como foi, em montante inferior àquele que, antes da celebração do CIT, recebia, como veio a suceder, impondo-se a reposição dos diferenciais em falta; que, de igual forma, a ré, como consequência do reconhecimento da existência de vínculo laboral desde 01.04.2020, deve os subsídios de férias e de Natal que não liquidou, por referência ao período que se iniciou na referida data e que se estendeu até à da formalização do CIT.

A ré contestou alegando em síntese, que o primeiro vínculo que entre as partes foi firmado, fundado em contratos de bolsa de investigação, findou a 31.12.2018, sem linha de continuidade com a vinculação que, a partir de 01.01.2019, se seguiu, a coberto de contrato de prestação de serviço, celebrado para a execução de tarefas distintas das primeiras; que, entre, por um lado, as referidas datas de 31.12.2018 e 15.04.2020 e, por outro, aquela em que ela, ré, foi citada para os termos da acção, transcorreu período superior a um ano, a determinar que, se qualificados como laborais, devam os créditos reclamados pela autora, vencidos até à data de celebração do CIT, considerar-se na condição de prescritos; que o contrato originariamente celebrado entre as partes se traduziu em bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia, e não em bolsa de Investigação, destinando-se o mesmo a proporcionar-lhe formação complementar na área de gestão de programas de ciência e tecnologia e inovação; que fazia parte do contrato correspondentemente celebrado a prestação de actividade nas instalações dela, ré, e com materiais desta, sendo que, para além disso, a mesma se inseria numa equipa adstrita ao Centro de Investigação de Ciência Política, não desempenhando funções de forma isolada, a ditar a necessidade de todos, a autora incluída, observarem horário de trabalho, outrotanto sucedendo, por questões de cooperação, quanto às ausências, de verificação pontual ou para férias/descanso; que, sendo os índices alegados pela autora, em vista da caracterização como laboral dos vínculos mantidos entre 01.04.2010 e 31.12.2018, comuns tanto ao contrato de trabalho como ao contrato de bolsa, não podem os mesmos ser valorados como critério revelador da sustentada laboralidade; que, devendo qualificar-se o contrato como sendo de bolseiro, não são à autora devidos os créditos que, a título de subsídios de férias e de Natal, foram por ela reclamados, por referência ao indicado período, nem, tãopouco, relativamente ao que se seguiu, com início a 01.01.2019 e se estendeu até Abril de 2020; que, durante este último período, perdurou entre as partes contrato de prestação de serviço e não contrato de trabalho, a ditar, pelas mesmas razões, a falência das pretensões formuladas pela autora; que, a acrescer a isso, ela, ré, é uma fundação pública com regime de direito privado, encontrando-se sujeita ao disposto nos artºs 47º, nº 2 e 266º, nº 2 da CPR, de que constitui concretização do estatuído no artº 134º, nºs 1 e 2 da L. nº 62/2007, de 10.09, contexto em que se encontra impossibilitada de celebrar, motu proprio, contratos de trabalho, apenas podendo fazê-lo de acordo com o respectivo Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, regulamento esse que demanda que, a preceder a contratação, tenham lugar processos de recrutamento e selecção prévios, a realizar por concurso público, em convergência com os princípios subjacentes à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; que, independentemente da natureza do vínculo que seja constituído, todas as relações laborais firmadas por ela, ré, se assumem como relações com a administração pública, consequência da sua natureza e subordinação a princípios da administração pública; que qualquer relação laboral que se considerasse firmada com ela, ré, sem precedência de concurso público, sempre estaria ferida de nulidade, por preterição da correspondente formalidade; que, reconhecer-se a antiguidade da autora por referência a 01.04.2010, é permitir um efeito para futuro, não tendo sido isso que o legislador pretendeu, mas apenas salvaguardar os efeitos da execução de contrato nulo. Concluiu, pugnando pela procedência da invocada excepção peremptória de prescrição ou, sem conceder, sejam as pretensões formuladas pela autora julgadas improcedentes.

Procedeu-se a julgamento.

PROFERIU-SE SENTENÇA (ORA ALVO DE RECURSO). DISPOSITIVO: “Pelo exposto, julga-se a presente acção intentada por AA parcialmente procedente, termos em que se decide: a). Condenar a ré UNIVERSIDADE ... a: --- i. Reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 01.04.2010, com efeitos e antiguidade reportados a essa data; ii. Fixar a retribuição base mensal da autora no montante ilíquido de € 1.500,00 – sujeito, portanto, ao tratamento fiscal e para a segurança social aplicável aos trabalhadores -, com efeitos a partir de 15.04.2020, sem prejuízo da progressão salarial a que possa ter direito; iii. Pagar à autora a diferença entre o valor da retribuição mensal ilíquida reportada em ii. e o valor ilíquido que, desde a formalização do contrato de trabalho, lhe tem vindo a pagar, perfazendo os valores já vencidos até à data da propositura da acção, o montante global ilíquido de € 6.488,24 – diferencial esse sujeito, também, com respeito a cada parcela que o integra, ao tratamento fiscal e para a segurança social aplicável aos trabalhadores; iv. Pagar à autora os subsídios de férias e de Natal relativos ao período que se estendeu de 01.04.2010 a 14.04.2020, no montante ilíquido global de € 22.968,71 – incidindo, de igual forma, sobre as respectivas parcelas ilíquidas as deduções fiscais e contributivas para a SS a que se encontram legalmente sujeitos os trabalhadores; v. Pagar juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre as...

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