Acórdão nº 1131/21.9T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2023
Magistrado Responsável | CARLA OLIVEIRA |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., da União de freguesias ... e ..., concelho ..., intentaram a presente acção declarativa comum contra CC e mulher DD, residentes em 11 ..., ..., ..., e EE e mulher FF, residentes na Rua ..., ..., da União de freguesias ... e ..., concelho ..., pedindo que a acção fosse julgada procedente e, em consequência, fosse declarado o direito de preferência dos autores na alienação do prédio descrito no artigo 11º da petição inicial, e os réus condenados a reconhecê-lo; proferindo-se decisão a transmitir para os autores a propriedade do mesmo prédio, substituindo-se os autores aos 2ºs réus mediante o depósito do preço; e, ordenado o cancelamento do registo de aquisição do prédio efetuado a favor dos 2ºs réus.
Alegaram, em suma e para o que ora importa, que: São donos e legítimos possuidores de um prédio rústico denominado “...” ou “...”, com a área de 1500 m2, sito no Lugar ..., da união de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...48 e inscrito na matriz rústica sob o artigo ...99 da união de freguesias ... e ..., que correspondia ao artigo ...82 rústico da extinta freguesia ....
Por contrato particular de compra e venda, outorgado em 26.05.2021, no escritório do Sr. Solicitador GG, sito na Avenida ... na cidade ..., os primeiros réus venderam aos segundos, pelo preço de € 9.000,00 (nove mil euros), um prédio rústico denominado “...”, com a área de 2.500 m2, também situado no Lugar ..., da união de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...70 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...03 da união de freguesias ... e ..., tendo os 2ºs réus registado a aquisição a seu favor.
O prédio objecto da venda confronta a Norte com o prédio rústico dos autores, mas não confronta com qualquer prédio rústico pertença dos 2ºs réus.
Ambos os prédios têm área inferior à unidade de cultura, tendo um 1500m2 e o outro 2500m2.
Não lhes foi dado prévio conhecimento da venda.
Os autores procederam ao depósito do preço fixado na compra e venda.
Regularmente citados, os réus vieram contestar, alegando, para além do mais e para o que ora importa, que o prédio alienado não se destina à cultura, mas à actividade de agropecuária, estando preenchido o art.º 1381º, al. a), do CC; que o prédio dos autores se encontra em cota diferente do vendido, por existir um declive do terreno naquele local, tratando-se de zona inclinada e em socalcos, estando os prédios em causa separados também por muros de pedras sobrepostas e que o prédio dos autores nunca foi cultivado, encontrando-se repleto de vegetação espontânea, pese embora seja casualmente limpo de mato e silvas.
Terminaram pugnando pela improcedência da acção e pela condenação dos réus como litigantes de má-fé.
Os autores responderam à peticionada condenação como litigantes de má fé, pugnando pela sua improcedência e dirigiram igual pedido aos réus, os quais, por sua vez, também apresentaram resposta, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, e fixados os temas da prova e objecto do litígio.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que, no final, julgou a acção procedente.
Inconformados com tal sentença, dela apelaram os réus EE e mulher FF, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos: «A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz “a quo” a fls. …, que julgou a ação procedente e, consequentemente decidiu declarar que: h) Reconhece-se aos Autores AA E BB o direito de preferência na compra do prédio rustico denominado “...”, situado no Lugar ..., da união de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...70 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...03 da união de freguesias ... e ... e de o haverem para si, substituindo-se aos Réus EE e esposa FF, na posição de compradores, pelo preço de € 9.000,00 (nove mil euros), com efeitos ao momento da celebração do contrato (26 de maio de 2021).
i) Condena-se os Réus CC e esposa DD, EE e esposa FF, a reconhecerem o direito referido na alínea anterior; j) Ordena-se o cancelamento do registo de aquisição do prédio a favor dos 2ºs RR. EE e esposa FF; k) Condena-se os RR. CC e EE, enquanto litigantes de má fé, no pagamento de multa no valor de 12 (doze) UC´s, cada um – artigo 542.º, nº 1 e 2 als. B) e d) do CPC e 27.º n.º 3 do RCP; l) Condena-se ainda os RR. CC e EE no pagamento aos AA. AA e BB de indeminização pelas despesas a que a má fé tenha obrigado a parte contraria, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; m) Convida-se os AA. a liquidar e discriminar as despesas sofridas e honorários a suportar, juntando, sempre que exista, prova documental do(a)s mesmo(a)s, no prazo de 10 (dez) dias; após contraditório dos RR. em igual prazo, o Tribunal, em despacho suplementar, fixará a indemnização, nos termos do artigo 543.º n.º 3 do CPC.
n) Improcedem os demais pedidos de condenação a título de litigância de má fé formulados.
B - Não é intenção do presente recurso sindicar ou pôr em causa a matéria de facto dada como provada, mas tão só alegar e demonstrar que com a matéria de facto dada como provada se impunha uma qualificação jurídica diferente que necessariamente teria de se produzir uma decisão diferente e contrária à que foi a decisão judicial plasmada e da qual se recorre agora.
C – De facto deveria a sentença produzida concluir pela aplicação do disposto no artigo 1381.º do CC e como tal declarar que aos AA. não assistia o direito de preferência alegado e que lhes foi atribuído e reconhecido.
D – De facto e na realidade, da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo” resulta que os prédios em causa nos autos, se mostram efetivamente separados, quer pelo declive existente no local, E – Quer pela existência de um muro com pedras e arame de vedação.
F – Assim como resulta ainda claro que pelo menos desde 2017 que os RR. usam e afetam o prédio adquirido para pastoreio e alimentação de gado, que criam e são sua propriedade.
G – Não sendo o uso do prédio adquirido destinado a qualquer tipo de cultura.
H – E salvo naturalmente melhor e mais avalizada análise e enquadramento, ao decidir conforme decidiu o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação do direito aplicável ao caso concreto; I – Forçoso seria de concluir que o direito de preferência consagrado no artigo 1380.º do CC não assiste aos AA.
J – Sendo de dar provimento e procedência à exceção alegada pelos RR., por aplicação do disposto no artigo 1381.º al, a) do CC.
K – Ao decidir conforme decidiu o Tribunal “a quo” faz uma incorreta interpretação das normas constantes nos artigos 1380.º e 1381.º do CC.
L - E como tal Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal superior, requer-se a V. Exs. que se dignem produzir novo aresto no qual declaram não assistir aos AA. o direito legal de preferência previsto no art.º 1380.º n.º 1 do CC, mas que a conduta dos RR. se mostra ancorada no previsto no artigo 1381.º al. a) do CC.
M – Tudo com as devidas e legais consequências previstas.”.
Os autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
* *II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos...
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