Acórdão nº 3015/21.1T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução21 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório T..., LDA intentou contra AA a presente acção declarativa, sob a forma comum, tendo pedido a condenação da Ré: - A reconhecer à Autora o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no artigo 2.º, da petição inicial; - A restituir à Autora o prédio urbano qua ocupa, livre de pessoas e bens e nas exatas condições em que se encontrava aquando da cessão gratuita e temporária; - A pagar à Autora a quantia de € 1.050,00(mil e cinquenta euros), a titulo de indemnização por cada mês de ocupação abusiva, contados desde a data da sua citação até à data da entrega efetiva do prédio.

Para tanto, alegou, em síntese, que é dona e legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69/..., o qual adveio à sua titularidade através de escritura pública de compra e venda celebrada a 21.09.2012; para além disso, há mais de 20 anos, por si e antecessores, que pratica atos de posse sobre esse prédio, com o ânimo de dele ser proprietária, sem oposição de quem quer que seja; a Ré ocupou esse prédio por mera tolerância da Autora e, uma vez solicitada a sua entrega, recusou-se fazê-lo; por força da conduta da Ré, a Autora vê-se impedida de rentabilizar o imóvel.

*Citada, a Ré apresentou contestação (Refª: ...30 - a fls. 9 a 23), na qual, em súmula: - Por um lado, alegou as exceções de ineptidão (por falta de alegação de factos essenciais à ação de reivindicação) e de ilegitimidade (por considerar que a Autora não podia propor a presente ação sem deliberação social que o autorizasse, atenta a qualidade de sócia que a Ré também tem na sociedade); - Por outro lado, sustentou que o prédio foi objeto de um contrato de comodato para servir de habitação à Ré e ao legal representante da Autora, que viviam numa situação de união de facto, tendo correspondido à casa de morada de família (daqueles e das filhas) durante o período em que vigorou essa relação e tendo sido atribuída à contestante na sequência da separação. Nesse seguimento, mantendo-se persistente o fim do comodato no que toca à Ré, pugnou que não está obrigada à entrega do prédio, acrescentando que a presente ação é movida por “vingança” do legal representante da Autora, que se encontra separado da Ré, atuando com abuso de direito.

Formulou ainda reconvenção, tendo pedido:

  1. Seja a Autora condenada a ver reconhecido a existência do comodato incidente sobre o imóvel nos autos, bem como que, pela existência de tal comodato, que constitui um contrato sem prazo e para uso de habitação familiar, não havendo obrigação de restituir o do prédio identificado, enquanto continuar a ter esse uso; b) Seja a Autora condenada a abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou dificulte a utilização do imóvel, por parte da Ré e Reconvinte enquanto casa de morada de família, inclusivamente das suas filhas.

    *A Autora apresentou réplica à reconvenção (Ref.ª ...34 - fls. 37 a 42), tendo sustentado, em resumo, a inverificação das exceções de ineptidão e de ilegitimidade (por a presente acção não contender com a qualidade de sócia da Ré) e, bem assim, a improcedência da reconvenção, negando que o prédio reivindicado tenha constituído sempre a casa de morada de família da Ré e do legal representante da Autora, apenas admitindo que tal sucedeu nos últimos meses anteriores ao final da relação.

    Para além disso, alegou que, ainda que se admita que tenha havido a celebração de um contrato de comodato, a Autora, enquanto comodante, pode exigir, a todo o tempo, a restituição do prédio.

    *Dispensada a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, a 02.05.2022 (ref.ª ...09 - fls. 68 a 71/verso), no qual afirmou-se a validade e regularidade da instância, tendo-se desatendido as excepções de ineptidão e de ilegitimidade arguidas.

    Fixou-se ainda o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes (fls. 71/verso a 72).

    *Procedeu-se à realização da audiência de julgamento nas sessões dos dias 02.11.2022 e 20.12.2022 (ref.ªs ...03 e ...09).

    *Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...04 – fls. 143 a 154), nos termos da qual decidiu: 1.º- Julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência: i) Condenou a Ré a reconhecer que a Autora é a titular do direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69, da freguesia ..., concelho ...; ii) Absolve-se a Ré do restante peticionado; 2.º- Julgar procedente a reconvenção e, em consequência, condenou a Autora: i) A reconhecer a existência do contrato de comodato para uso de habitação familiar sobre o prédio identificado em 1.º/i); ii) A abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou dificulte a utilização desse imóvel por parte da Ré-Reconvinte enquanto casa de morada de família.

    1. - Julgar improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

    *Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Autora (ref.ª ...06 – fls. 155 a 175) tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. O presente Recurso versa sobre a Sentença proferida nos autos à margem identificados, parte que condenou a ora Recorrente a: a. “i) A reconhecer a existência do contrato de comodato para uso de habitação familiar sobre o prédio identificado em 1.º/i); b. ii) A abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou dificulte a utilização desse imóvel por parte da Ré-Reconvinte enquanto casa de morada de família.” II. Pela análise do teor da Sentença de que se recorre, a Meritíssima Juiz a quo tomou a sua decisão por ter considerado que estava perante um contrato que teria sido celebrado entre a Autora/Recorrente, e um casal, BB e Ré/Recorrida, de comodato com o fim de ser a casa de morada de família da Ré/Recorrida e deste seu companheiro, III. Por sinal, companheiro esse que afinal é o gerente único e legal representante da Autora.

    IV. Ora, em virtude de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, esta apreciação que suporta a Sentença não pode ser considerada válida, invalidando, assim, a decisão que ora se coloca em causa, no que a esse propósito diz respeito.

    V. Com efeito, e porque se afigura de maior importância para o desfecho de todo o processo em si, é importante que se altere a matéria que a Meritíssima Juiz a quo considerou como Factos Provados, no seu ponto 12.), na medida em que a mesma não corresponde à factualidade real e que ficou assente em audiência de julgamento.

    VI. Outrossim, deve ser dado como Provado o ponto c) dos Factos não Provados da Sentença, conforme se explanará.

    VII. Na verdade, quando a Meritíssima Juiz explana na sua decisão que “o prédio continuar a servir esses interesses – casa de morada de família da Ré e das filhas –, manter-se-á a finalidade que presidiu à celebração do contrato de comodato, sendo lícito à Ré a recusa da sua restituição.”, aprecia, com o devido respeito, de forma incorrecta uma das questões primordiais desta acção, e que se prende com a eventual celebração de um contrato de comodato entre a Autora/Recorrente, e Ré/Recorrida.

    VIII. Decretou a Sentença de que ora se recorre, que tal seria a conclusão a retirar dos depoimentos (atendendo a que contrato físico não existe), o que não pode estar mais longe da verdade, conforme os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, onde não só a própria Ré admite um cenário oposto, como admitir o que a Sentença decretou, sempre seria uma impossibilidade – o que é do conhecimento da própria Ré/Recorrente.

    IX. Na verdade, toda a factualidade dos presentes autos resume-se a um conjunto de decisões singulares do gerente único e legal representante da Autora/Recorrente – e seu Sócio maioritário, que à data das mesmas era companheiro da Ré/Recorrida, X. Sendo que esta se pretende fazer valer dessa sua qualidade – de companheira desse legal representante da Autora/Recorrente – para se arrogar num inexistente direito de assumir que celebrou contratos com esta, o que não aconteceu e, convenhamos, não é juridicamente admissível.

    XI. De toda a prova produzida, em momento algum a Ré/Recorrida logrou provar que celebrou contrato com quem quer que fosse, e muito menos com o seu próprio companheiro, XII. Pelo que as conversas entre casais, com o devido respeito, não podem resultar em obrigações vinculísticas para uma qualquer sociedade da qual seja um dos elementos do casal representante legal.

    XIII. E se um legal representante de uma qualquer sociedade tomar a decisão pessoal e singular – pois que é disso que se trata – daí não se pode extrapolar a aquisição de direitos por parte de cônjuges, companheiros ou mesmo herdeiros, XIV. Sob pena de se estar a subverter toda a lógica legal da orgânica societária.

    XV. No mesmo sentido, todas as decisões tomadas pelos gerentes de facto de uma qualquer sociedade, quando têm uma implicação sobre os seus familiares – mulher, filhos, pais – não resultam na criação de direitos nas esferas jurídicas desses, XVI. Caso contrário sempre que um gerente decidisse pela utilização, ainda que abusiva, de determinados bens, e com isso colocasse em causa a propriedade ou o direito de uso e fruição dos mesmos, tornaria a vida societária impossível, diríamos até, ilegalizada por força das circunstâncias de risco que envolviam o património da sociedade.

    XVII. De facto, e começando pelos considerandos procedimentais, ficou provado que o prédio em causa nos autos não possui licença de habitabilidade, conforme o depoimento da testemunha CC, pelo que nunca sobre tal prédio poderia incidir um direito atinente com habitação e uma casa de morada de família, comprovando assim que o uso que lhe era dado era o de uma mera tolerância de uso, por parte do legal representante e gerente único da Autora/Recorrente, e que afectava a Ré/Recorrida, pelo simples facto de ser sua companheira, e não por ter sido ela a celebrar um contrato com a...

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