Acórdão nº 010976/21.9T8PRT.P1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 27 de Setembro de 2023

Data27 Setembro 2023

Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. Em 5 de Julho de 2021, AA instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto uma acção declarativa de condenação contra Marina Leixões – Associação de Clubes Molhe Norte de Leixões, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.143,61 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 2.000 a título de danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros de mora contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com a ré dois contratos de cedência de direito de amarração relativos a duas embarcações de recreio, de nome P... e M... ...., de que era dono e legítimo possuidor.

Nos termos de cada um dos contratos, conforme afirma, “a R. obrigou-se a ceder ao A o direito à utilização de um lugar de embarcação, na doca de serviço da Marina de Leixões, a fim de ser amarrada a embarcação de recreio do A. enquanto a ré fosse concessionária da exploração da área molhada no porto da marina”.

Porém, através de carta datada de 5 de Abril de 2019, “foi comunicada ao A. a resolução, com efeitos imediatos, dos referidos contratos de cedência de amarração”, resolução que considera “manifestamente ilícita” Peticiona, consequentemente e em suma, uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dessa resolução ilícita.

Citada, a ré contestou, excepcionando, além do mais, a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria.

Sustentou, em primeiro lugar, que, visando o autor “aferir a eficácia e validade de atos administrativos praticados pela R., na qualidade de concessionária no domínio público e no exercício de poderes públicos”, a competência em razão da matéria para a apreciação da causa pertence aos tribunais administrativos e não aos tribunais comuns, nos termos do art. 4.º, n.º 1, als. d) e f), do ETAF.

Em segundo lugar, e para o caso de se entender que a presente ação não cabe na jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, defendeu que a competência para a apreciação do litígio caberá ao Tribunal Marítimo.

Notificado, o autor respondeu às excepções, reafirmando, além do mais, a competência da jurisdição comum. Em seu entender, ainda que a ré seja concessionária do domínio público (concessão essa que lhe foi atribuída pela Administração dos Portos do Douro e Leixões, APDL), está em causa uma relação puramente privada.

Por decisão de 29 de Outubro de 2021, o Juiz 6 do Juízo Local Cível do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, afirmando a competência da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 1, al. e), do ETAF, julgou-se materialmente incompetente para conhecer da presente ação e absolveu a ré da instância.

Para tanto, sustentou que “a cedência do direito à utilização de um posto de amarração na doca de serviço da Marina de Leixões foi efetuada através de contrato que deve ser tido como um contrato administrativo, dado que tem por objeto o uso e fruição de bens que se integram no domínio público marítimo”.

A natureza administrativa do contrato é, pois, confirmada por estarmos perante um contrato que, em função do seu objeto, confere ao contratante direitos especiais sobre coisas públicas.

Para além disso, a cláusula 4.ª do contrato ao estabelecer que o autor fica obrigado a cumprir o regulamento de Exploração e Utilização da Marina, introduz uma nota de administratividade que o distingue dos contratos de direitos privado.

Acresce que a ré apenas celebrou os referidos contratos na qualidade de concessionário do domínio público, que lhe foi concedido pela APDL, instituo público de personalidade jurídica de direito público”.

Inconformado, o autor interpôs recurso do despacho de 29 de Outubro de 2021 para o Tribunal da Relação do Porto.

Por acórdão de 28 de Setembro de 2022, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão de 29 de Outubro de 2021, rejeitando a competência material dos tribunais comuns e atribuindo-a à jurisdição administrativa.

Afirmou, em suma, que a invocada cedência do direito de amarração de embarcações de recreio conferiu ao recorrente um direito temporário e exclusivo de utilização de postos ou lugares de amarração, efectuada através de contratos que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, devem ser qualificados como contratos administrativos, dado que têm por objecto o uso e fruição de bens que se integram no domínio público marítimo; e que “(…) resultando que, no desenvolvimento da actividade invocada pelo autor como causa de pedir, a recorrida actua nas vestes de autoridade pública, investida de «ius imperium», com vista à realização do interesse público, e que os contratos (de cedência) estão sujeitos a um regime substantivo de direito público”.

2. O autor interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do n.º 2 do artigo 101.º do CPC e da al. c) do artigo 3.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro. Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: «1. Ao contrário do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, os contratos ajuizados reportam-se a uma relação jurídica privada, em que a R. se apresenta despojada de ius imperii e de prerrogativas desse mesmo cariz, por não estar em causa a prossecução de um qualquer interesse público; 2. Em face do pedido e da causa de pedir da acção, está-se perante o incumprimento de contratos de natureza privada que, embora tenham a montante um contrato de concessão, não são regulados por normas de direito público, nem resulta do seu clausulado que as partes os tenham querido submeter a um regime substantivo de direito público; 3. Não obstante a R. assumir a qualidade de concessionária do domínio público marítimo, daí não resulta que a relação contratual mantida entre as partes se revista de cunho administrativo, na medida em que o que releva nesta sede é o conteúdo dos direitos e obrigações assumidos – cfr., Ac. Rel. Lisboa de 01.10.2014, Proc. n.º 4654/06.6 TBCSC.L1-6; 4. Com efeito, o objecto dos contratos consiste na cedência pela R. ao A. do direito de amarração de embarcações de recreio dos autos, mediante o...

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