Acórdão nº 093/19.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"A... FONDS", com os demais sinais dos autos, interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.96/2019-T, datado de 29/10/2019, o qual, além do mais, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pelo ora recorrente e visando os actos de liquidação de retenção na fonte de I.R.C., relativos ao ano de 2016 e no valor global de € 10.031,69.

O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 90/2019-T, que correu termos no CAAD, sendo datado de 23/07/2019 (cfr.cópia junta a fls.48 a 79 do processo físico).

XPara sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, o recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.2 a 37 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões: A-O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral singular em 29.10.2019, no processo n.º 96/2019-T, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado junto do CAAD, e, nesse sentido, determinou manter os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2016.

B-Entende a ora Recorrente que a Decisão Recorrida está em diametral oposição com a decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T já transitada em julgado.

C-Tal como resulta demonstrado do acima exposto, a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento versam sobre situações fácticas ipsis verbis iguais.

D-Com efeito, os factos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal Arbitral e que foram apreciados em ambos os casos são idênticos, dizendo apenas respeito a contribuintes diferentes.

E-Também o quadro legal em que assentaram as decisões proferidas na Decisão Recorrida e na Decisão Fundamento é o mesmo.

F-Na verdade, em ambos os casos está em causa a tributação de dois fundos alemães idênticos, domiciliados na mesma exata morada, geridos pela mesma entidade gestora, com investidores com o mesmo exato perfil, ambos sujeitos à mesma legislação alemã, que foram objeto da mesma tributação em Portugal, e solicitaram a mesma declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte que sofreram.

G-E, em ambos os casos, os sujeitos passivos peticionaram pela anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2016, ao abrigo do disposto nas mesmas disposições legais, a saber, os artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, com fundamento na sua desconformidade com o Direito da UE, concretamente com o artigo 63.º do TFUE.

H-Ora, estando em causa atos de retenção na fonte relativos ao mesmo ano, a redação das normas relevantes aplicáveis é também ipsis verbis a mesma.

I-Adicionalmente, refira-se que a questão decidenda que foi objeto de apreciação em ambos os casos é exatamente a mesma.

J-Para efeitos de averiguar a conformidade da legislação interna em causa com o Direito da UE, o Tribunal Arbitral foi, em ambos os casos, colocado perante a questão essencial de saber se a comparabilidade da tributação de OIC residentes e de OIC não residentes deve ser aferida apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento ou se, pelo contrário, deve ser considerada a situação fiscal dos detentores de participações.

K-E é precisamente no critério para a determinação da comparabilidade entre OIC residentes e não residentes que reside a oposição direta entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento.

L-Por um lado, a Decisão Recorrida defendeu que a discriminação resultante de um tratamento diferenciado poderia ser neutralizada pelos mecanismos previstos nas Convenções, sendo, para esse efeito, essencial à decisão da causa verificar se os participantes dos fundos poderiam beneficiar do crédito de imposto ao abrigo do ADT entre Portugal e a Alemanha, posição que, como vimos, é frontalmente contrária à jurisprudência consolidada do TJUE.

M-Pelo contrário, a Decisão Fundamento considerou não ser relevante aferir da “situação fiscal dos investidores individualmente considerados” para efeitos da determinação da comparabilidade dos fundos residentes e não residentes em Portugal.

N-De tudo o exposto resulta que, perante uma situação fáctica idêntica e um idêntico quadro legislativo, as duas decisões são opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.

O-Termos em que deverá decidir-se pela existência da oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, com todas as demais e inevitáveis consequências, mormente a anulação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que decida a questão controvertida nos moldes pugnados na Decisão Fundamento, anulando-se os atos de retenção na fonte impugnados.

P-Decidindo-se pela existência da contradição acima identificada, tal como é forçoso concluir, deve este Alto Tribunal anular a Decisão Recorrida e decidir a questão controvertida.

Q-A questão decidenda consiste em determinar a conformidade dos normativos internos em vigor à data dos factos tributários – mais concretamente o CIRC e o EBF – relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC com os princípios estabelecidos no Direito da UE, em particular com o artigo 63.º do TFUE.

R-Estando em causa a apreciação da conformidade de normas internas com o Direito da UE, cumpre referir que, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, o TJUE é exclusivamente competente para apreciar, a título prejudicial, qualquer questão sobre a validade e interpretação dos atos das instituições da UE e sobre o TFUE.

S-Não obstante a Recorrente ter a convicção que a decisão do presente caso apenas poderá ser no sentido da Decisão Fundamento, o princípio da colaboração impõe que a Recorrente informe este Alto Tribunal que o Tribunal Arbitral, em sede de outro processo em que estava em causa a mesma matéria de facto e a mesma questão de Direito ora em análise decidiu proceder ao reenvio prejudicial das questões prejudiciais que lhe foram colocadas nesse processo e de que depende também a decisão do presente caso.

T-Assim, estando neste momento a correr o prazo para apresentação de observações escritas naquela instância comunitária e tendo já sido atribuído ao processo o n.º C-545/19, entende a Recorrente que este Alto Tribunal deverá aguardar que o TJUE dirima as questões em causa e profira decisão em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito daquele outro processo arbitral.

U-Tal prudência é particularmente avisada, se considerarmos que a questão da relevância do enquadramento fiscal dos detentores de unidades de participação nos OIC foi uma das questões prejudiciais suscitadas perante o TJUE no processo C-545/19, pendente de decisão, e constitui o ponto fraturante da oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento.

V-Caso assim não se entenda – o que se equaciona por dever de patrocínio, mas sem conceder –, entende a Recorrente que deverá este Alto Tribunal forçosamente concluir pela incompatibilidade da legislação nacional em análise com o Direito da UE, em particular com o princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE, pelas razões acima expostas.

XFoi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da entidade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.125 do processo físico).

XA entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.131 a 155 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo: I-São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a existência de contradição entre um acórdão arbitral e outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; b) o trânsito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; II-Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respetivos pressupostos de facto e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

III-O recurso apresentado cumpre estes pressupostos.

IV-Recorrente e Recorrida puseram à consideração de ambos os Tribunais (decisão recorrida, decisão fundamento e ao Alto Tribunal) a possibilidade de reenvio prejudicial para o TJUE.

V-O Tribunal na decisão recorrida entendeu que “não se suscita qualquer dúvida ao presente Tribunal Arbitral sobre a interpretação das normas a aplicar ao caso em concreto, considerando-se suficientemente esclarecido pela jurisprudência emanada do TJUE e dos Tribunais superiores portugueses, pelo que, encontrando-se em posição para decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual dos presentes autos, entende ser de recusar o reenvio prejudicial”.

VI-Conforme decidiu quanto ao reenvio assim julgou, i.e., perante a verificação do facto de a Recorrente ser uma entidade transparente conclui que “94. Caso o direito ao crédito do imposto não possa ser exercido, por os participantes não estarem sujeitos ou, estando sujeitos, estarem isentos de imposto sobre o rendimento… cabia a estes - e não aos fundos transparentes-, em sede de reclamação ou impugnação, invocar e provar os pressupostos de violação do princípio da não discriminação, nomeadamente a impossibilidade da dedução do imposto na República Federal da Alemanha, por exemplo, através de declaração passada...

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