Acórdão nº 0995/18.8BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1.

A...– Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... ..., concelho ..., tendo sido notificada do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17 de fevereiro de 2023, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 28 de junho de 2022 que, por sua vez, tinha julgado improcedente a impugnação das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação mensal de 01/2015 a 12/2015, no valor global de € 212.730,69 e parcialmente improcedente a impugnação de liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2015 e 2016, no valor de € 873.971,43, e dos correspondentes juros compensatórios, dele veio interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, invocando contradição entre aquele acórdão e o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/04/2015, tirado no processo n.º 06525/13.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) 1) O Recurso foi interposto com fundamento em contradição de Acórdãos, servindo de Acórdão Fundamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2º Juízo, datado de 14-04-2015, Processo Nº 06525/13, Acto tributário e facto tributário. Noção. IVA. Mecanismo de dedução do IVA, artigo 19º, nº 4 do CIVA – Princípio do direito à dedução do IVA, publicado em www.dg[s]i.pt.

2) A contradição de Acórdãos resulta da existência de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre IVA, ónus de prova e faturas falsas.

3) Enquanto no Acórdão recorrido considerou-se que era à impugnante, ora recorrente, quem tinha que provar que as faturas em causa não eram falsas e que à Autoridade Tributária e Aduaneira basta alegar indícios.

4) No Acórdão fundamento, pelo contrário, é afirmado que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de fazer a prova cabal e absoluta de que o recorrente, ou seja, “o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A.”.

5) Ora, segundo o Acórdão Fundamento, o art.º 19, nº 4, do C.I.V.A., exige que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto.

6) Mais, o princípio da neutralidade do I.V.A. impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objectivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou deva saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A., matéria cujo ónus da prova compete à A. Fiscal (cfr. art.º 74, nº.1, da L.G.T.).

7) E segundo o acórdão fundamento, “O TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Directiva I.V.A. recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao I.V.A.” 8) Pelo que, no Acórdão recorrido, é patente a insuficiência de fundamentação no que se refere ao alegado conhecimento, por parte do sujeito passivo, da falta de estrutura empresarial dos seus fornecedores, vício que equivale a falta de fundamentação, pelo que deverão ser anulados os actos tributários objecto do presente processo, as Liquidações adicionais de IVA.

9) Reiterando o Acórdão fundamento: “Era a A. Fiscal que tinha o ónus da prova dos pressupostos das correcções em sede de regime de dedução de I.V.A. por si propostas e que fundamentaram as liquidações objecto do presente processo (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.)” 10) Por último, sempre se dirá que o Acórdão recorrido efectuou uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 19, nº.3 e 4, do C.I.V.A. e artigo 74º, 75º e 77º da L.G.T.

11) Em suma, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento afirma-se a existência de identidade da questão de Direito e da situação de facto e nas duas decisões judiciais em apreço, tais decisões são manifestamente opostas sobre a mesma questão fundamental.

Nestes termos, nos melhores de Direito, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos, que deverá ser superiormente decidida, a bem da JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, o qual lavrou douto parecer, concluindo que não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência supra enunciados, motivo pelo qual se impõe não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, dada a evidente simplicidade da causa e atento o estipulado na parte final do n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.

◇◇◇ 2.

Dos fundamentos de facto 2.1. No acórdão recorrido foram relevados os seguintes factos, que tinham sido dados como assentes em primeira instância (e de que não transcrevemos os quadros insertos nos pontos 2, 3, 8 e 9 e o relatório de inspeção tributária parcialmente reproduzido no ponto 24 dos factos provados): «(...) 1) A Impugnante é uma sociedade unipessoal por quotas, com o CAE 16294 – indústria transformadora da cortiça, com actividade, desde 28/05/2009, de fabricação de rolhas de cortiça, sede na Rua ..., ..., ... ..., onde exerce a sua actividade, estando enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal com periodicidade mensal e para efeitos de IRC, no regime geral, tendo cessado a actividade em IVA com efeitos a 10/03/2016 (relatório de inspecção tributária a fls. 144 do SITAF do processo principal).

2) Durante os anos de 2015 e 2016, a sociedade “B..., Ld.ª”, com morada na Rua ..., ... ... emitiu, em nome da Impugnante, as seguintes facturas, com a descrição comum de cortiça; o local de carga de Rua ..., ... ...; o local de descarga na Rua ..., ..., ... ... e a informação seguinte (facturas e guias de transporte de fls. 252, 256 a 259, 268 a 276, 278, 279, 304, 306, 322, 323, 325, 326, 344 a 353, 356, 357, 373, 374, 378, 379, 381, 382, 405 a 411, 421 a 424, 426 a 429, 445 a 448, 451 a 453, 455, 456, 466 a 469 e 471 a 474 do SITAF do processo principal): […] 3) Durante os anos de 2015 e 2016, a sociedade “B..., Ld.ª”, emitiu ainda, em nome da Impugnante, as seguintes facturas, com a descrição comum de rolhas; o local de carga de Rua ..., ... ...; o local de descarga na Rua ..., ..., ... ... e a informação seguinte (facturas e guias de transporte de fls. 281, 282, 301 a 303, 305, 307, 320, 321, 324, 354, 355, 358, 359, 371, 372, 380, 383, 384, 385, 386, 403, 404, 412, 420, 425, 444, 449, 450, 454, 470 e 485 a 488 do SITAF do processo principal): […] 4) No ano de 2015, a Impugnante declarou ter feito compras à sociedade “B..., Ld.ª” no valor total de 722.352,07€ (extracto de conta de cliente de fls. 247 a 251 do SITAF do processo principal).

5) Por referência às facturas referidas em 2) e 3), a Impugnante declarou ter realizado pagamentos, no ano de 2015, por cheque e transferência bancária, no valor total de 675.618,21€ (cheques, comprovativos de homebanking, avisos de lançamento, autorizações de débito, extractos de movimentos de conta bancária e recibos de fls. 253 a 255, 260 a 262, 265 a 267, 277, 280, 283 a 300, 308 a 319, 327 a 334, 337 a 343, 360 a 370, 375 a 377, 387 a 398, 401, 402, 413 a 419, 430 a 443 e 457 a 462 do SITAF do processo principal).

6) No ano de 2016, a Impugnante declarou ter feito compras à sociedade “B..., Ld.ª no valor total de 104.123,07€ (extracto de conta de cliente de fls. 465 do SITAF do processo principal).

7) Por referência às facturas referidas em 2) e 3), a Impugnante declarou ter realizado pagamentos, no ano de 2016, por cheque e transferência bancária, no valor total de 165.891,28€ (cheques, comprovativos de homebanking, avisos de lançamento, autorizações de débito, extractos de movimentos de conta bancária e recibos de fls. 475 a 484 e 489 a 496 do SITAF do processo principal).

8) Durante os anos de 2015 e 2016, a sociedade “C..., Ld."', com morada no Edifício ..., ..., ... ... emitiu, em nome da Impugnante, as seguintes facturas, com a descrição comum de cortiça; o local de carga em ... ou ...; o local de descarga em ... ou ... e a informação seguinte (facturas e guias de remessa de fls. 500 a 503, 514 a 516, 519 a 523, 538 a 543, 556 a 560, 573 a 579, 589 a 592 e 603 a 606 do SITAF do processo principal): […] 9) Durante os anos de 2015 e 2016, a sociedade “C..., Ld.ª”, com morada no Edifício ..., ..., ... ... emitiu ainda, em nome da Impugnante, as seguintes facturas, com a descrição comum de rolhas; o local de carga em ..., ... – ... e local de descarga em ... e a informação seguinte (facturas e guias de remessa de fls. 504 a 507 do SITAF do processo principal): […] 10) No ano de 2015, a Impugnante declarou ter feito compras à sociedade “C..., Ld.ª” no valor total de 246.887,40€ (extracto de conta de cliente de fls. 497 a 499 do SITAF do processo principal).

11) Por referência às facturas referidas em 8) e 9), a Impugnante declarou ter realizado pagamentos, no ano de 2015, por cheque e transferência bancária, no valor total de 346.089,90€ (cheques, comprovativos de homebanking, avisos de lançamento, autorizações de débito, extractos de movimentos de conta bancária e recibos de fls. 508 a 513, 524 a 537, 544 a 555, 561 a 572, 580 a 582, 585 a 588, 593 a 602 e 607 a 618 do SITAF do processo principal).

12) No ano de 2015, a Impugnante declarou ter feito vendas no valor total de 1.095.873,98€ (mapa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT