Acórdão nº 0390/06.1BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Data28 Setembro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Veio, A..., SGPS, S.A.

, melhor sinalizada nos autos, interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo, da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida no Processo n.º 390/06.1BESNT, em 22-02-2020, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, revogando a sentença recorrida, na parte correspondente à correcção relativa a custos classificados como de despesas de representação e julgando a impugnação procedente, neste segmento, por alegada oposição com o douto Acórdão do TCA Sul proferido em 10 de Março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08, formulando as seguintes conclusões: “1. O presente recurso jurisdicional por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão proferido nos presentes autos, em 22 de fevereiro de 2020, por estar, na ótica da ora Recorrente, em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 10 de março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08.

  1. Em ambos os arestos está em causa a aferição da legalidade de liquidações de IRC, emitidas com base na correção à matéria coletável das ali impugnantes decorrente da desconsideração de custos relacionados com o fretamento de aeronaves com base na não aceitação da sua indispensabilidade à luz do artigo 23.º do CIRC, tendo, no entanto, o tribunal adotado, em cada um dos casos, soluções jurídicas diametralmente opostas.

  2. Julga a Recorrente que a análise jurídica efetuada pelo TCAS, no acórdão proferido em 10 de março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08 é a que se mostra conforme ao espírito e letra da lei, devendo, por conseguinte, prevalecer.

  3. Assim sendo, deve o acórdão recorrido ser revogado, com todas as consequências legais.

  4. Dos autos resultou demonstrada a necessidade e imprescindibilidade dos custos de deslocação e representação suportados pela Recorrente, atenta a natureza da atividade por ela prosseguida e o contexto empresarial em que a mesma se insere e, consequentemente, a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da empresa.

  5. Ficou ainda provado que o recurso ao aluguer de aeronaves - em detrimento da compra de lugares em aviões que cumprem as rotas comerciais delineadas pelas companhias aéreas - constitui uma vantagem efetiva para as empresas e, bem assim, que os custos implicados se afiguram racionais, proporcionais e normais atento o volume dos proveitos que proporcionam à Recorrente.

  6. O tribunal a quo não é alheio à prova efetuada, muito pelo contrário: o tribunal mostra-se sensível à necessidade de uma empresa da dimensão da Recorrente de incorrer em custos desta natureza para o exercício da sua atividade.

  7. Todavia, as consequências jurídicas que daí retira é que não se mostram corretas: o tribunal recorrido erra na interpretação e aplicação da norma do nº 1 do artigo23º do CIRC, a única mobilizável no caso concreto – designadamente na interpretação do requisito da indispensabilidade e da relação com os ganhos ínsito naquela norma –, e, concomitantemente, incorre num inegável vício de violação do princípio constitucional da tributação de acordo com o seu lucro real e do princípio fundamental da liberdade de gestão e da autonomia privada.

  8. Com efeito, o tribunal a quo nem por um único momento considerou a vigência, no nosso ordenamento jurídico, de um princípio constitucional que nunca poderia ter ignorado - o princípio segundo o qual as empresas devem ser fundamentalmente tributadas de acordo com o seu lucro real – nem, tão-pouco, teve em conta a regra segundo a qual têm relevância fiscal todos os encargos suportados pelas sociedades na prossecução dos seus objetivos estatutários.

  9. Ora, de acordo com a formulação do artigo 23º do CIRC, a regra - bem ao invés do que pretende a Administração fiscal e, na sentença da qual ora se recorre, o tribunal a quo - é a de que todos os custos efetivamente incorridos pelas sociedades na prossecução dos seus objetivos estatutários são custos fiscalmente dedutíveis – muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado: não lhe assiste qualquer margem de livre apreciação, nem lhe cabe formular juízos de oportunidade.

  10. O artigo 23º do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade consoante a correspondente rentabilidade dos atos de gestão das empresas: num ordenamento jurídico que reconheça expressamente a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode ser sindicada pela Administração, a menos que sobre elas recaia a suspeita de que são ilegais.

  11. Por outro lado, a indispensabilidade do custo não pode aferir-se nem em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa: basta, aliás, ter em conta que muitos dos exemplos de custos fiscalmente aceites fornecidos pelo legislador não determinam a obtenção direta de proveito algum, nem se podem considerar vitais para a manutenção da fonte produtora.

  12. Na verdade, o corpo do n.º 1 daquele artigo 23º apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, isto é, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a atividade da sociedade, como os encargos com despesas privadas dos sócios ou com terceiros, estranhos à empresa.

  13. Assim, a sua aplicação para desconsiderar fiscalmente um custo efetivamente suportado está, portanto, circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiro.

  14. A regra é a de que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais: o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador tendo em vista, para lá de não permitir a intromissão da Administração fiscal na gestão da empresa, impedir a consideração fiscal de gastos que, embora contabilizados como custos, não são suscetíveis de se subsumirem ao âmbito da atividade da empresa.

  15. Sempre que ocorra a verificação de um determinado evento que comporte um encargo a suportar por determinada sociedade na prossecução dos seus fins estatutários, a conexão empresarial desse encargo está assegurada, já que se verificou efetivamente uma diminuição patrimonial.

  16. Por outras palavras, uma perda como a que foi apurada pela ora Recorrente, não está sequer sujeita ao teste da indispensabilidade, já que corresponde a uma perda efetivamente sofrida com a aquisição de um serviço utilizado na prossecução dos seus fins estatutários.

  17. Aceitando que os negócios se praticaram a valores adequados – e outra coisa não é admissível na ausência de correções aos preços praticados –, aceitando, ainda, que o recurso aos serviços adquiridos é matéria da inviolável esfera de autonomia privada daquele que a eles recorre e admitindo – dado nunca ter sido questionado – a finalidade empresarial a que o serviço adquirido se destina - proporcionar a célere deslocação dos trabalhadores da empresa para participação em reuniões de negócios nas instalações da casa-mãe, a A..., SGPS, e bem assim nas instalações de fornecedores e clientes da sociedade, em diversos pontos do território nacional e internacional -, o encargo suportado com a aquisição deste serviço utilizado na atividade operacional da empresa como um elemento potenciador e maximizador da fonte produtora resulta necessariamente numa perda que não pode deixar de ser tida em conta na determinação da matéria coletável.

  18. Neste sentido, retirar à Recorrente a possibilidade de relevar fiscalmente o custo experimentado com o aluguer de aeronaves utilizadas nas deslocações dos seus trabalhadores no interesse da sociedade constituiria uma segunda desvantagem, que se viria adicionar à que resultou realmente da verificação do encargo.

  19. Ora, assumindo que a dedutibilidade fiscal dos custos deve depender apenas de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa – e já não, como talvez defenda o tribunal a quo, de uma relação de causalidade direta e adequada à formação dos proveitos ou de um juízo de mérito ou oportunidade do custo tendo em vista a sua contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora –, não há dúvida de que, no caso dos presentes autos, o custo experimentado com o aluguer de aeronaves equivale a um encargo contraído no interesse da empresa e a uma opção/ato de gestão abstratamente subsumível no perfil lucrativo da empresa.

  20. Termos em que deverá entender-se que a decisão recorrida, que julga improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente, assenta em erro de julgamento em matéria de direito, consubstanciado na deficiente interpretação e aplicação do direito – concretamente, do disposto no nº 1 do artigo 23º do CIRC e dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da liberdade de gestão e da autonomia privada.

  21. Para além do mais, e tal como referido, entende a ora Recorrente que o acórdão recorrido se encontra em oposição com o proferido pelo TCAS em 10 de março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08: confrontados os Acórdãos e não obstante assentarem os mesmos em factualidades bastante similares, resulta evidente que, quanto ao pressuposto decisório comum, o mesmo Tribunal chega a decisões jurídicas absolutamente antagónicas.

  22. Estamos perante duas decisões do mesmo Tribunal que, partindo de uma mesma factualidade e de uma mesma premissa jurídica - a de que a indispensabilidade do custo se basta com a causalidade económica, i.e., que a sua realização seja efetuada no interesse da empresa -, todavia, estabelecem graus de exigência probatória inteiramente distintos para a demonstração da mesma causalidade...

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