Acórdão nº 0890/19.3BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃOX RELATÓRIO X"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artº.284, do C.P.P.T., dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o acórdão proferido pelo T.C.A.Norte-2ª.Secção, no pretérito dia 15/12/2022 (cfr.fls.239 a 291-verso do processo físico - II volume), o qual, além do mais, negou provimento à apelação deduzida pela sociedade ora recorrente, mais confirmando a sentença apelada, oriunda do T.A.F. de Aveiro, que julgou parcialmente improcedente a impugnação intentada pela ora apelante, tendo por objecto liquidações adicionais de I.V.A., relativas ao ano fiscal de 2013 e no valor total de € 252.850,31.

O recorrente invoca oposição entre o acórdão recorrido, proferido pelo T.C.A. Norte neste processo, e o aresto da Secção de Contencioso Tributário, do T.C.A. Sul, proferido no proc.6525/13, datado de 14/04/2015 e já transitado em julgado (cfr.cópia junta a fls.308 a 312-verso do processo físico - II volume).

XPara sustentar a oposição entre o acórdão recorrido e o aresto fundamento, a sociedade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.301 a 304 do processo físico - II volume), formulando as seguintes Conclusões: 1-O Recurso foi interposto com fundamento em contradição de Acórdãos, servindo de Acórdão Fundamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2° Juízo, datado de 14-04-2015, Processo N°06525/13, Acto tributário e facto tributário. Noção. IVA. Mecanismo de dedução do IVA, artigo 19°, n° 4 do CIVA - Princípio do direito a dedução do IVA, publicado em www.dgsi.pt.

2-A contradição de Acórdãos resulta da existência de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre IVA, ónus da prova e faturas falsas.

3-Enquanto no Acórdão recorrido considerou-se que era a impugnante, ora recorrente, quem tinha de provar que as faturas em causa não eram falsas e que à Autoridade Tributaria e Aduaneira basta alegar indícios.

4-No Acórdão fundamento, pelo contrário, é afirmado que a Autoridade Tributaria e Aduaneira tem de fazer a prova cabal e absoluta de que o recorrente, ou seja, “o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao IVA.”.

5-Contudo, no Acórdão recorrido considerou-se que: “Hoje em dia, atentos os termos dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 2 a) da LGT, a AT não tem de provar cabalmente o acordo simulatório subjacente as facturas que entenda dever desconsiderar, por falsas, seja para efeitos de IRC ou IRS seja para os de IVA. Basta-lhe invocar e provar os factos de que decorram fundados indícios dessa desconformidade da contabilidade, designadamente dessas facturas, com a realidade, sendo, então e outrossim, do contribuinte o ónus de, contra a forte aparência de falsidade obtida pela AT, provar a veracidade da operação objecto das facturas desconsideradas com fundamento naquela aparência. Sendo assim, é errada a conclusão de que, não tendo provado a falta de correspondência entre o teor da contabilidade da Impugnante, aqui recorrente, e a realidade das aquisições no exercício de 2013, a AT não desincumbiu do seu ónus probatório relativamente aos pressupostos da legalidade da desconsideração das facturas ora sub judices (as emitidas por AA). “(Página 102 e 103 do Acórdão recorrido).

6-Ora, segundo o Acórdão Fundamento, o art°.19, n°4, do C.I.V.A., exige que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto.

7-Mais, o princípio da neutralidade do I.V.A. impõe a salvaguarda do direito a dedução quando inexistam elementos objectivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A., matéria cujo ónus da prova compete à A. Fiscal (cfr.art°.74, n°1, da L.G.T.).

8-E segundo o Acórdão fundamento, “O TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Directiva I.V.A. recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao I.V.A.” 9-Pelo que, no Acórdão recorrido, é patente a insuficiência de fundamentação no que se refere ao alegado conhecimento, por parte do sujeito passivo, da falta de estrutura empresarial dos seus fornecedores, vicio que equivale a falta de fundamentação, pelo que deverão ser anulados os actos tributários objecto do presente processo, as Liquidações adicionais de IVA 2014.

10-Reiterando o acórdão fundamento: “Era a A. Fiscal que tinha o ónus da prova dos pressupostos das correcções em sede de regime de dedução de I.V.A. por si propostas e que fundamentaram as liquidações objecto do presente processo (cfr. art.º 74º, nº1, da L.G.T.) assim não abalando a presunção de verdade e boa fé das declarações periódicas apresentadas pelo impugnante (cfr. art.º 75, nº1, da L.G.T.)” 11-Por último, sempre se dirá que o Acórdão recorrido efectuou uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 19, nº.3 e 4, do C.I.V.A. e artigo 74º, 75º e 77º da L.G.T.

12-Em suma, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento afirma-se a existência da identidade da questão de Direito e da situação de facto e nas duas decisões judiciais em apreço, tais decisões são expressamente opostas sobre a mesma questão fundamental.

XFoi exarado despacho a admitir o recurso e a ordenar a notificação da entidade recorrida de todo o conteúdo das alegações produzidas pelo recorrente e para produzir contra-alegações (cfr.despacho e ofício de notificação constantes a fls.319 e 320 do processo físico - II volume).

XNão foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

XO Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.324 e seg. do processo físico - II volume) no qual conclui pelo não conhecimento do mérito do presente recurso, dado não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para o efeito.

XColhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.

X FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO XDo acórdão recorrido, estruturado no âmbito dos presentes autos, consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.251 a 283-verso do processo físico - II volume): A-A Impugnante é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste no comércio por grosso de cortiça e encontra-se enquadrada no regime normal de tributação em sede de IVA, de periodicidade mensal [cfr. resulta da posição das partes nos presentes autos e emerge do relatório inspectivo constante dos autos [peça do SITAF n.º 0048'6131].

B-No ano de 2015 foi instaurado o Processo de Inquérito Criminal n° 296/15.... (apenso AX ao inquérito n.° 342/16...., no âmbito do qual foi deduzida acusação contra a Impugnante nos seguintes termos: 1463. Em data anterior a Abril de 2013, BB e CC, em comunhão de esforços, meios e intenções, e com repartição de tarefas entre si, decidiram inscrever na contabilidade da sociedade A..., Lda. as facturas abaixo identificadas, que não tinham correspondência com qualquer transacção real realizada com os respectivos emitentes, com o objectivo de, através da contabilização de tais facturas, obterem vantagens fiscais indevidas, nomeadamente em sede de IVA através da respectiva dedução indevida e obtenção de reembolso desses valores junto da administração tributária, operada pela isenção de imposto nas transacções intracomunitárias efectuadas pela sociedade, o que o fizeram nos anos de 2013,2014 e 2015.

  1. Para tanto, abordaram os arguidos abaixo identificados, a quem deram a conhecer o objectivo criminoso, solicitando-lhes a necessária colaboração na emissão de facturas que pretendiam inscrever na contabilidade daquela sociedade, a fim de justificar os fornecimentos e vendas efectuadas, o que os mesmos aceitaram em o fazer, nos termos do acordo e com o propósito supra descrita.

    (...) b. DD, em representação da sociedade B..., Unipessoal, Lda.; (...) 1465. Abordaram ainda EE, a quem deram a conhecer o seu objectivo criminoso, solicitando-lhe a necessária colaboração na emissão de facturas que pretendiam inscrever na contabilidade da A..., Lda., o que este anuiu, prontificando-se a dar-lhes a necessária colaboração para o efeito.

  2. Para o efeito, EE contou com a colaboração de AA, em nome individual, e de FF, em nome individual e em representação da sociedade C... Unipessoal, Lda., nos termos do acordo e com o propósito supra descrito (…)[IMAGEM] 1468. Tais facturas são falsas, pois que não correspondem a transacções reais efectuadas entre os arguidos.

  3. Na posse de tais facturas, BB e CC integraram-nas na contabilidade da sociedade arguida A..., Lda., contabilizando-as nos respectivos períodos e apresentando as declarações fiscais de IVA com base nas mesmas.

  4. Dessa utilização, obtiveram vantagens patrimoniais ilegítimas em sede de IVA com a dedução indevida e respectivo reembolso nas respectivas declarações nos seguintes valores Ano de 2013 Abril de 2013 - €15.373,90 Maio de 2013 - €16.287,18 Junho de 2013- €15.809,71 Julho de 2013- €2a019,88 Setembro de 2013 - € 22.056,83 Outubro de 2013-€40.866,75 Novembro de 2013 - € 40.011,58 Dezembro de 2013 - € 29.771,02 (…) [cfr. emerge do despacho de acusação constante do processo de Inquérito n.° 342/16...., que constitui as peças do SITAF n.° 005016227 e 005016231 conjugado com o teor do relatório inspectivo no que tange à data de instauração].

    C-A Impugnante foi alvo de procedimento inspectivo a coberto das ordens de serviço ...82 (exercícios de 2012, 2013 e 2014/01), OI201801803 (exercício de 2014/02 a 2014/12) e OI201801804 (exercício de 2015).

    [cfr. emerge do relatório inspectivo integrante da peça do SITAF n° 004806131 - ponto II.1 e do cotejo das notas de diligência constantes da peça do SITAF n°...

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