Acórdão nº 00585/22.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO [SCom01...], S.A. instaurou ACÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL, contra o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS, IP, indicando como contra-interessada [SCom02...], LDA., formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de direito, deverá a presente Impugnação Judicial ser julgada procedente, por provada e, em consequência: a) A proposta apresentada pela concorrente [SCom02...] no procedimento concursal ora posto em crise ser excluída, nos termos conjugados dos artigos 146.º, n.º 2, o), e 70.º, n.º 2, b), ambos do CCP, por violação do Programa de Procedimento (cfr. parágrafo 7.) e do Caderno de Encargos (cfr. alínea b) do n.º 1 da Cláusula 12ª); b) Caso assim não se considere – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, ainda que sem conceder –, a proposta apresentada pela Concorrente [SCom02...] ser –por força do não cumprimento do disposto no número 1 do artigo 361.º do CCP – excluída, nos termos previstos nos artigos 146.º, n.º 2, d) e o), 57.º, n.º 2, b), e 70.º, n.º 2, f), todos do CCP; c) Ser, em consequência do exposto em a) e/ou b), anulada a decisão de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente [SCom02...]; e, d) Em consequência de tal exclusão, a Proposta apresentada pela ora Autora no âmbito do Procedimento de Concurso Público – “Empreitada para Construção e Instalação de Paliçadas, Vedações e Passadiços Sobreelevados no Parque Natural do Litoral Norte, Financiado pelo Projecto ...15...– 000152_Restlitoral” – ser ordenada em primeiro lugar; e) Caso se entenda como não procedente o exposto em a) e/ou b) supra – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, ainda que sem conceder –, ser declarada a caducidade da adjudicação por força da não apresentação, por parte da adjudicatária [SCom02...], dos documentos de habilitação no prazo fixado pelo programa do procedimento (cfr. artigo 86.º do CCP), em função da insuficiência e irrelevância das razões aduzidas pela adjudicatária [SCom02...], e, em respeito pelo disposto no artigo no número 4 do artigo 86.º do CCP, ser adjudicada a proposta ordenada em lugar subsequente, ou seja, a proposta apresentada pela Autora; Requer-se, assim e nos termos e com os fundamentos supra expostos, que o Réu seja condenado a elaborar novo Relatório Final modificando teor e as conclusões do Relatório Preliminar posto em crise, aí concluindo pela exclusão da proposta da concorrente [SCom02...], nos termos e com os fundamentos supra apontados, concluindo-se, a final, pela proposta de adjudicação da Proposta apresentada pela ora Autora.

Caso assim não se entenda – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, ainda que sem conceder –, requer-se que o Réu seja condenado a declarar a caducidade da adjudicação ora posta em crise, nos termos e com os fundamentos supra apontados, concluindo-se, a final, pela adjudicação da proposta ordenada em lugar subsequente, ou seja, a proposta apresentada pela Autora.

Para tal devem o Réu e a contra-interessada ser citados, para contestarem, querendo, sendo o Réu também notificado para remeter a tribunal o processo administrativo relativo ao procedimento em causa, de acordo com os artigos 81.º, 84.º e 102.º do CPTA, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

O processo administrativo deverá consistir, também na transcrição impressa de todos os actos praticados no procedimento, designadamente dos inseridos e registados na plataforma digital.

Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi decidido assim: julgo procedente a presente acção e, em consequência: i. Reconheço o bem fundado da pretensão da Autora quando à caducidade da adjudicação; ii. A existência de circunstância que obsta a emissão da pronúncia no sentido de ser a Entidade Demandada condenada a declarar a caducidade de adjudicação à Contra-Interessada e a condenação da Entidade Demandada em adjudicar a proposta da Autora, em substituição da proposta da contra-interessada; iii. Reconheço o direito da Autora em ser indemnizada por esse facto; iv. Convido as partes (Autora e Entidade Demandada) a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias.

Desta vem interposto recurso pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: A. A decisão recorrida encontra-se ferida pela violação das regras legais de determinação da competência territorial, designadamente por força da errada aplicação do disposto no artigo 16º e da preterição das regras especiais consagradas nos artigos 19.º ou 17º (forum rei sitae), ambos do CPTA, por não levar na devida consideração o objecto mediato da presente acção, a saber: uma empreitada situada na União de freguesias ... e ..., impondo-se, por essa via, a sua revogação e substituição por outra que determine o conhecimento do mérito dos autos pelo TAF de Braga.

Não obstante, admitindo entendimento diverso, B. O saneador-Sentença de que se recorre surge no âmbito da impugnação judicial pela entidade ordenada em segundo lugar em procedimento de contratação pública, no qual se reconheceu bem fundada a pretensão formulada, todavia, erradamente.

C. Fez uma errada interpretação da factualidade na medida em que, contrariamente ao que refere, resulta evidente os elementos junto aos autos que o ICNF considerou e considera que, em sede de audiência prévia, a [SCom02...] efectivamente evitou a caducidade da adjudicação, por invocar um facto que não lhe é imputável relativamente à não apresentação atempada dos documentos de habilitação. Divergindo então as partes não apenas quanto às consequências da apresentação tardia (como referido na Decisão recorrida), mas fundamentalmente quanto à validade/mérito da aceitação da justificação dada em audiência prévia pela [SCom02...].

D. Resultando ainda evidente na Decisão do tribunal a quo a desconsideração infundada de diversos factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, a data de produção e conformidade dos documentos de habilitação entregues tardiamente, sendo que apenas o registo criminal da Dona «AA» (sócia da [SCom02...] que viajou para o estrangeiro durante aquele período para o envio da documentação) é o dia 12/12/2022, estando os restantes já na posse na entidade adjudicatária em data útil – o que prova terem esperado que esta pudesse obter o seu. Ademais, apesar de a [SCom02...] se obrigar apenas pela assinatura do único gerente, foi-lhe solicitado o envio dos registos criminais de todos os titulares dos órgãos sociais, pelo que é o próprio ICNF, I.P. que parece ter induzido a [SCom02...] em erro, tendo esta entendido que deveria remeter aquela documentação relativamente a todos os sócios, como efectivamente enviou.

E. Nesta medida, por ambos os motivos, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento por errada apreciação dos factos, devendo por esse motivo ser revogada e (dada a suficiência da prova existente nos autos) substituída por outra que indefira na plenitude o peticionado pela A. e, consequentemente, absolvendo a entidade demandada e contra-interessada do pedido.

F. Do mesmo modo, também quanto à interpretação de direito inexiste razão à decisão recorrida.

G. O raciocínio de aferição da validade da justificação dada para efeitos de cumprimento do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 86º do CCP é da reserva da função administrativa do ICNF, I.P., devendo o poder de fiscalização judicial recair apenas no domínio da esfera da legalidade administrativa, excluindo o mérito da atuação administrativa – sob pena de se substituir à entidade adjudicante na sua função administrativa.

H. Assim, ao exercer controlo sob o mérito da decisão referida, o tribunal a quo violou o disposto no princípio constitucional da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.

I. De qualquer modo houve também errada interpretação do disposto no artigo 86.º do CCP. Considerou que a decisão da entidade adjudicante foi errada pela única razão de entender que o argumento utilizado não era atendível pois tendo sido causa do atraso a devido a um documento de alguém que, não sendo membro da gerência, não era necessário, em razão do que a falta de apresentação dos documentos de habilitação é imputável à [SCom02...], assim se dando automaticamente a caducidade da adjudicação.

J. No entanto, como vimos, a justificação para o atraso não foi imputável à adjudicatária, mas ao ICNF, I.P. ou à sócia D. «AA».

K. De qualquer modo, nenhum princípio consagrado no CCP ou no CPA se vê prejudicado com a decisão tomada de aceitação justificação dada.

L. Sendo que caso se considere ter existido vício gerador de anulabilidade naquela comunicação do ICNF, I.P. sempre estão preenchidos os requisitos para o aproveitamento do acto administrativo nos termos do nº5 do artigo 163.º do CPA.

M. Ainda que não se siga este entendimento, é de elementar razoabilidade e justiça a interpretação que o tribunal a quo transcreve na decisão recorrida relativa à anotação ao artigo 86º do Código dos Contratos Públicos defendida por Gonçalo Guerra Tavares.

N. Assim, ao mesmo tempo, e ainda que por motivos distintos, o saneador-sentença de que se recorre incorreu então, em erro de julgamento por errada aplicação do direito – por violação do principio de separação de poderes (administrativo e judicial), pela errada interpretação da culpa (imputação do atraso à adjudicatária) e ainda na medida em que faz uma interpretação literal do disposto no artigo 86.º do CPTA desconsiderando vários princípios estruturais ínsitos no artigo 1.º-A daquele diploma, bem como a solução consagrada no artigo 132.º do mesmo –, e ainda em erro de julgamento por errada apreciação dos factos – no caso, ao decidir não ouvir os envolvidos e ao desconsiderar por completo as particularidades da factualidade descrita que prova o acerto na admissibilidade da documentação entregue naquele...

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