Acórdão nº 01165/23.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório [SCom01...], Associação, portadora do NIPC n.º ..., com sede na Rua ..., ... ... – ..., e [SCom02...], UNIPESSOAL, LDA, pessoa colectiva portadora do NIPC n.º ..., com sede na referida Rua ..., ... ... – ..., instauraram processo cautelar contra o Município ....

Pediram a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal ... datada de 09.05.2023 no sentido da resolução sancionatória do contrato de comodato celebrado com o [SCom01...] em 19.05.2005, com os fundamentos elencados no relatório de vistoria e nos termos consignados nas alíneas a) e c) da cláusula terceira do contrato, bem como da tomada imediata de posse administrativa do Campo de Tiro de ..., tendo sido designado, para o efeito, o dia 16.05.2023.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido do pedido o Requerido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Requerentes formularam as seguintes conclusões: 1. Para aferir da existência do fumus boni iuris, requisito que considerou não preenchido e levou ao indeferimento da providência cautelar requerida, o Tribunal a quo analisou os vícios apontados pelos Requerentes/Recorrentes à deliberação suspendenda: i) a violação do direito de audiência prévia; ii) a inexistência de processo, a falta de cooperação procedimental, a violação do princípio da boa-fé, a falta de notificação do início do procedimento; iii) o erro nos pressupostos de facto que determinaram a resolução do contrato de comodato.

  1. Na sentença recorrida foi reproduzido no probatório o relatório de vistoria e, apesar de todo o seu conteúdo ter sido impugnado pelos Requerentes, que ponto por ponto, contraditaram o que nele constava, aduzindo factos demonstrativos da realidade bem diferente da que nele consta, ou contextualizando-os, retirando-lhes a carga “negativa” aparente, o Tribunal a quo, limitou-se a dar como provados apenas os factos relativamente aos quais havia acordo, considerando irrelevantes todos os demais alegados pelos Requerentes que contrariavam o relatório de vistoria ou os contextualizavam.

  2. O Tribunal a quo errou esse julgamento porquanto os demais factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes, e controvertidos (porque estão em oposição com os que constam do Relatório de Vistoria) são manifestamente relevantes para a decisão a proferir e conduzem indiscutivelmente para decisão oposta à que foi adotada na sentença recorrida.

  3. E mesmo relativamente aos factos em que há acordo, e que assim foram levados ao probatório, foram alegados outros pelos Requerentes/Recorrentes que os contextualizam e permitem concluir de forma diferente do Tribunal a quo.

  4. O Tribunal a quo não fundamentou porque é que tais factos, que não são conclusivos, nem direito, não são relevantes para a decisão, limitando-se a afirmar que “não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.” 6. Ficando os Requerentes/Recorrentes sem saber porque é que o Tribunal a quo assim entendeu.

  5. Designadamente se entendeu que os factos eram relevantes, mas não estavam provados indiciariamente, 8. Ou se, os demais factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes eram simplesmente irrelevantes.

  6. É certo que no âmbito dos processos cautelares, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem de adequar-se às caraterísticas de celeridade e perfunctoriedade.

  7. Contudo, tal celeridade e perfuntoriedade não pode significar omissão ou insuficiência da fundamentação, que não permite a apreensão dos motivos pelos quais o Tribunal entendeu tal factualidade irrelevante.

  8. Nem tal celeridade e perfuntoriedade justifica que o Tribunal tenha de decidir apenas com a matéria relativamente à que há acordo entre as partes, como aconteceu, desobrigando-o de produzir a prova indicada pelos Requerentes relativamente à matéria controvertida.

  9. Os Requerentes aduziram factualidade respeitante ao periculum in mora, que o Tribunal a quo também julgou, erradamente, irrelevante.

  10. O Tribunal a quo deveria ter efetuado o julgamento, realizando os atos instrutórios requeridos (inquirição de testemunhas) relativamente aos factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes, e ponderando os documentos juntos, factos que ficaram reproduzidos no ponto I das Alegações de recurso, para onde se remete.

  11. O Tribunal a quo, para além de não ter fundamentado o julgamento da matéria de facto não provada, errou o julgamento ao não ter considerado como relevantes e/ou provados os factos referidos no ponto I das alegações de Recurso.

  12. Entendeu o Tribunal a quo que no caso está a resolução unilateral do contrato de comodato celebrado entre o 1.º Requerente/Recorrente e o Município Requerido, e que assim não eram aplicáveis as regras do artigo 121.º do CPA, uma vez que «a resolução do contrato de comodato por parte da entidade requerida consubstancia uma mera declaração negocial, e não um ato administrativo» e que «Para além disso resulta da cláusula terceira do contrato de comodato que o mesmo pode ser resolvido a todo o tempo e sem dependência de aviso prévio nos casos em que esteja em causa, nomeadamente, incumprimento de obrigações constantes do mesmo...».

  13. O Tribunal a quo não teve em conta o facto de a deliberação suspendenda conter, como aliás reconhece a Requerida na sua Oposição (artigo 12.º) duas decisões, distintas, autónomas: - a primeira, a de “resolver sancionatóriamente o Contrato de Comodato...”; - a segunda, a de “tomar de imediato posse administrativa do Campo de Tiro de ..., para o que se designa desde já o próximo dia 16 do corrente mês de maio, pelas 10.00 horas...».

  14. Ora, O Tribunal a quo decidiu como se o Município requerido tivesse unicamente resolvido o contrato de comodato, em deliberação de Câmara, sem a prática de qualquer outro ato preparatório dessa deliberação e estivesse em causa nesta providência cautelar tão-só a suspensão da deliberação de resolver o contrato do comodato. O que não corresponde à realidade.

  15. Como resulta da matéria de facto provada (factos provados A, O, P, Q,) a deliberação impugnada culminou um procedimento que foi iniciado com “base numa alegada denúncia por parte da [SCom03...]” (facto provado O), que deu lugar a um despacho da presidência n.º 5/GR/2023 que determinou a vistoria ao Campo ... (facto provado O), na execução da qual foi efetuada uma visita ao local (facto provado P), tendo sido elaborado um relatório de vistoria (facto provado Q), que sustentou a deliberação.

  16. Assim, como defendido no Requerimento Inicial (artigos 45.º a 76.º), as decisões (duas) foram adotadas num âmbito de um procedimento administrativo (artigo 1.º do CPA), que correu sem que tivesse sido dado conhecimento aos Requerentes, e sem que os Requerentes tivessem sido ouvidos antes da prolação das (duas) decisões finais.

  17. Assim tendo sido violado o direito de audição prévia previsto no artigo 121.º do CPA.

  18. O Tribunal a quo errou o julgamento ao entender que não havia lugar à audiência prévia.

  19. É que mesmo que se entendesse que a resolução do contrato não está sujeita à audiência prévia, sempre estaria, sem margem para qualquer dúvida, a decisão de tomada imediata de posse administrativa do Campo de Tiro, que é uma decisão diferente e autónoma daquela, e está para além do contrato do comodato.

  20. É que a decisão de tomada de posse administrativa de imediato, sem ter sido precedida de qualquer ato administrativo anterior, prévio, (apenas contemporâneo da decisão de resolver o contrato de comodato), proferida sem que antes os Requeridos tivessem conhecimento da resolução do contrato, e sem que tivesse sido fixado, pelo Município, um prazo para a entrega voluntária do Campo ..., como seria de boa-fé, culmina um procedimento administrativo que teve início, como se referiu, com a denúncia por parte da [SCom03...], seguido do despacho da presidência n.º 5/GR/2023, e da vistoria ao Campo ... realizada em 02/02/2023 (factos provados O e P).

  21. De cujo relatório os Requerentes/Recorrentes não tiveram, antes da decisão, conhecimento, o que nem sequer é contestado pelo Requerido, não tendo a decisão final sido precedida de audiência prévia de ambos os Requerentes – artigo 121.º do CPA.

  22. Audiência Prévia do primeiro Requerente, uma vez que desenvolve a sua atividade no Campo de Tiro em razão do contrato de comodato; 26. Audiência Prévia do segundo Requerido, porque não sendo parte naquele contrato de comodato, tem as suas instalações no Campo de Tiro, aí exercendo a sua atividade a convite do Clube, desde 2012, com o conhecimento e autorização expressa, e sobretudo, reconhecimento por parte do Município Requerido – do então Presidente da Câmara Municipal e dos vários executivos Municipais, em especial do atual Presidente da Câmara e de todo o Executivo Municipal, como foi alegado nos artigos 14.º e 15.º do Requerimento Inicial, tendo o Tribunal a quo entendido que tal factualidade era irrelevante para a decisão, julgamento que também errou, em face da manifesta relevância da factualidade para a decisão da causa.

  23. E por isso, só com muita má-fé o Município pode dizer que a tomada de posse administrativa tinha unicamente por objeto o Campo de Tiro.

  24. E só com uma visão muito limitada, deficiente, da factualidade em causa, devidamente alegada, se pode dizer que estamos apenas perante uma resolução de um contrato de comodato e que tudo se resume, a meras declarações negociais.

  25. O que fica demonstrado por toda a factualidade desconsiderada, ou considerada irrelevante pelo Tribunal a quo, como acima dissemos.

  26. Como melhor à frente se demonstrará, estamos perante um procedimento administrativo, o qual incluiu a resolução do contrato de comodato, mas não se esgota nele, uma vez que, sem mais, foi decidida uma posse administrativa do Campo ....

  27. E, ainda que tivesse valia a tese defendida pelo Tribunal a quo, relativamente à resolução do contrato, sempre haveria que ouvir...

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