Acórdão nº 6099/16.0T8VIS-T.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 6099/16.0T8VIS-T.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO AA, BB, CC e DD, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra EE e FF, Na audiência prévia foi proferida decisão, transitada em julgado (cfr. apenso U), a: a) absolver as rés da instância relativamente aos pedidos formulados pelos autores BB, CC e DD, por ilegitimidade de tais autores; b) absolver a ré EE da totalidade dos pedidos formulados pelo autor AA, por força da procedência da exceção de prescrição do direito do autor.

Extinta a instância quanto aos demais autores e quanto à 1ª ré, os autos prosseguiram unicamente para apreciação dos pedidos efetuados pelo autor AA em relação à ré FF.

O autor AA pede a condenação da ré FF, nos termos seguintes: a) A reconhecer que violou as suas obrigações profissionais ao não resolver validamente o negócio de disposição do estabelecimento comercial identificado nos autos; b) A reconhecer que causou prejuízos aos credores e em particular ao autor com a omissão da prática de ato válido de resolução do negócio identificado nos autos; c) A indemnizar o autor por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que causou, nomeadamente d) a quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais; (…) h) A quantia correspondente ao montante penhorado dos salários do autor em todos os processos executivos contra ele instaurados por dívidas da insolvente e das quais é avalista, até que sejam extintos os processos executivos, a título de danos patrimoniais; l) As quantias correspondentes ao valor dos bens que eventualmente o autor venha a perder em consequências das execuções contra ele instauradas por dividas da insolvente ou causadas por delas, que não sendo possível apurar de momento deverá relegar-se o seu apuramento para liquidação em execução de sentença.

m) Nos demais encargos efetivos com o processo judicial e nas custas e procuradoria legais.

n) Valores aos quais acrescem juros compensatórios desde a penhora dos seus rendimentos até efetivo e integral reembolso, ou desde a eventual perda efetiva de património, até efetivo e integral reembolso.

Alegando, em síntese: a sociedade insolvente, A..., Lda., era dona do prédio sito no Bairro ..., em ..., onde funcionava o estabelecimento comercial de farmácia com alvará emitido pelo Infarmed; em 7 de Abril de 2016 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel e a escritura de trespasse do estabelecimento comercial, composto por uma farmácia, com alvará emitido pelo Infarmed, tendo como compradores e beneficiários do trespasse a sociedade B..., Lda., em 21-12-2016 foi declarada a insolvência da sociedade A..., Lda., tendo sido nomeada administradora da insolvência EE; após ter sido deferido o pedido de escusa foi nomeada em sua substituição a ré FF que procedeu à resolução em benefício da massa insolvente dos contratos celebrados entre aquelas duas sociedades; foram julgadas procedentes as impugnações das resoluções, a primeira por falta de fundamentação das cartas de resolução e a segunda por extemporaneidade da resolução; se tivessem sido devidamente resolvidos os negócios realizados estariam assegurados os créditos existentes sobre a insolvente, que é credor da insolvente e que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré FF apresentou Contestação: invocando a ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e os pedidos formulados e a extemporaneidade da presente ação, face ao decidido na sentença proferida no apenso de qualificação da insolvência, na qual os ex-gerentes da insolvência foram condenados a indemnizar os titulares dos créditos sobre a insolvente e por se encontrar ainda em curso o apenso P - ação instaurada contra os ex-gerentes da sociedade insolvente com base em responsabilidade civil por factos ilícitos, por dissipação do património da insolvente, pedindo a sua condenação a pagar os prejuízos sofridos pela massa insolvente; invoca ainda a prescrição, por terem decorrido mais de dois anos entre o conhecimento da resolução e a data da propositura da ação (artº 59º, nº 5 do CIRE); por último, impugna os factos alegados, requerendo a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho Saneador que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, relegando para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição em relação à ré FF, determinando a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso P.

Transitada em julgado a decisão proferida no apenso P, que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus GG, HH e II a pagarem à massa insolvente a importância de €346.000,00 (por falta de interesse em agir os réus tinham sido absolvidos do pedido de condenação no montante de €740.000,00), foi declarada cessada a suspensão da instância.

* Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em que é proferida a seguinte: 3.

Decisão: Nestes termos e pelos fundamentos expostos: 3.1. Julgo improcedente a invocada exceção perentória de prescrição, relativa ao decurso do prazo previsto no n.º 5 do artigo 59.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 3.2. Julgo a ação instaurada por AA improcedente e, em consequência, absolvo a ré FF do pedido; 3.3. Absolvo o autor AA do pedido de condenação como litigante de má-fé; 3.4. Condeno o autor AA nas custas da ação.

* Não se conformando com o Despacho Saneador proferido em 22.06.2021, no qual julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa dos autores BB, CC e DD, e com a Sentença proferida no passado dia 12.01.2023, na qual veio julgada improcedente a ação instaurada, os autores vêm dela interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: (…).

*A Ré FF apresenta contra-alegações, sustentando a inadmissibilidade do recurso por extemporâneo, bem quanto aos demais recorrentes sob pena de violação do caso julgado. Mais alega que, relativamente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não cumpriu os pressupostos e os critérios do art. 640º, do CPC, concluindo pela manutenção integral do decidido.

Pelo juiz a quo foi proferida decisão de não admissão do recurso quanto aos autores BB, JJ e DD, admitindo-o apenas quanto ao autor AA.

A Ré recorrida, FF veio arguir a nulidade do despacho de admissão do recurso.

Pelo juiz relator foi proferido despacho incidindo sobre tal requerimento, decidindo não se apreciar o mesmo com fundamento na impugnabilidade da decisão de admissão de recurso.

Mais proferiu despacho a admitir o recurso de Apelação interposto pelo autor AA.

A Ré/recorrida veio requerer que sobre a decisão singular, de admissão de recurso de apelação, recaia acórdão.

*Passamos, assim, à apreciação em conferência da questão da admissibilidade do recurso apreciada por decisão singular do aqui relator: “Tempestividade do Recurso de Apelação interposto pela Autora Encontra-se em causa a interposição de recurso da sentença proferida na ação de responsabilidade civil instaurada por um credor contra a Administradora da Insolvência, ação esta que correu por apenso ao processo de insolvência a que se reportam os atos lesivos alegadamente praticados pela A.I.

E, tendo o recurso sido instaurado no 26º dia após a notificação à autora da decisão recorrida, a decisão sobre a sua tempestividade dependerá, antes de mais, da posição que se adotar relativamente à natureza urgente, ou não urgente, do processo em questão.

Segundo o disposto no artigo 9º, nº1 do CIRE que “O processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos, tem carater urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”.

Uma apreciação literal poder-nos-ia levar a afirmar que, tendo esta ação sido processada por apenso ao processo de insolvência, logo, ao abrigo do citado artigo 9º, nº1, assumiria caracter de urgência[1].

A resposta não pode ser tão simples.

Sendo a celeridade do processo de insolvência uma das principais preocupações do CIRE, traduzida na atribuição de carater urgente igualmente a todos os seus apensos, incidentes e recursos, o legislador teve em vista não apenas o processo de insolvência propriamente dito, mas também os seus apensos que integram, formal e estruturalmente, o próprio processo, ainda que com tramitação específica[2].

São inúmeras as situações em que a lei determina que determinadas ações corram por apenso ao processo de insolvência – nomeadamente as ações de responsabilidade intentadas pelo administrador de insolvência e as ações contra este intentadas destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente (nº6 e ns. 3 a 5, do artigo 82º CIRE) –, acarretando tal apensação a atribuição de carater de urgência[3].

Ou seja, o legislador não determinou a apensação de todas as ações em que se se discute a responsabilidade do administrador de insolvência e a que se reportam os n.s. 1 a 5, do artigo 59º do CIRE, mas, única e exclusivamente, das ações referidas nos ns. 3 a 5 do art. 82º)[4].

No caso em apreço, temos uma ação declarativa sob a forma de processo comum que correu termos por apenso ao processo de insolvência e que foi por instaurada pelo recorrente/credor (não satisfeito) na insolvência, unicamente contra a administradora de insolvência, visando a sua responsabilização pelo facto de não terem sido validamente resolvidos para a massa dos contratos celebrados entre e sociedade insolvente e a sociedade B..., Lda., e condenação do A.I. a indemnizar o recorrente pelos prejuízos daí resultantes.

Tal ação em nada contende com os interesses da massa, sendo que, a ser procedente, beneficiaria, tão somente, o Apelante.

Tratando-se de uma ação em que apenas se encontram em causa interesses individuais de determinados credores, e não se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT