Acórdão nº 653/22.9T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO AA, BB, CC e DD intentaram ação declarativa condenatória, sob a forma comum, contra EE formulando os seguintes pedidos[1]:

  1. Condenação da Ré a reconhecer que os Autores são os únicos e universais herdeiros de FF; B) Ser declarada a anulação do testamento lavrado de fls. cinquenta e sete verso a folhas cinquenta e oito do Livro de Notas para Testamentos Públicos número quinze do Cartório Notarial de …, em Silves, por o testador se encontrar em estado de incapacidade acidental aquando da sua outorga; C) Subsidiariamente, ser declarada nula a deixa testamentária a favor da Ré por a mesma não versar sobre bens ou direitos determinados ou determináveis por interpretação e integração da vontade do testador, tudo com as legais consequências.

Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram, em síntese, que a primeira Autora é a viúva e os restantes Autores são filhos de FF, falecido em 21-03-2021.

Que o de cujus deixou testamento lavrado em Cartório Notarial no dia 18-03-2021, constando do mesmo que «lega a quota disponível dos seus bens a EE.» Porém, na data da outorga do testamento encontrava-se doente, sofrendo de várias patologias, que mencionam, e sob o efeito de medicação que lhe afetava o estado de consciência e a capacidade de decisão ou de vontade, pelo que é de presumir que se encontrava impossibilitado de expressar e entender o sentido e o alcance do que declarou.

O que determina a anulação do testamento.

Subsidiariamente, alegam que a deixa testamentária é nula por instituir um legado de uma quota-alíquota e não de bens concretos.

Contestou a Ré por impugnação, defendendo a improcedência dos pedidos, porquanto o falecido, apesar das doenças e medicação que tomava, não padecia de demência ou incapacidade cognitiva, bem sabendo o que queria, tendo expressado essa vontade no testamento de forma livre e consciente.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.

Inconformados, apelaram os Autores, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1. Os recorrentes consideram que o tribunal não fez a melhor aplicação da norma do artigo 607º do CPC face à prova produzida nos presentes autos.

  1. Merece reparo o facto provado sob o ponto 15, pois o que se deu como provado foi apenas o envio no dia 17 de março de 2021 de uma mensagem por telemóvel da autoria da ré para o terceiro autor, seguido de uma síntese do conteúdo do SMS, quando na realidade se trata de uma troca de mensagens entre a ré e o terceiro autor; 3. As mensagens ou SMS foram enviadas via WhatsApp e não contêm qualquer referência a caráter confidencial, pelo que não se distinguem para efeitos probatórios de comunicações escritas que tivessem sido enviadas, por exemplo, através de correio.

  2. Os SMS são considerados documentos eletrónicos com força probatória e não contendo assinatura digital certificada devem ser apreciados de acordo com as regras gerais da prova documental – cf. art. 362º e seguintes do Código Civil.

  3. Trata-se de um meio de prova constituído por um documento particular elaborado pela ré e pelo terceiro autor, contemporâneo dos factos que envolvem a assinatura do testamento, dirigidos à parte contrária; 6. O documento foi aceite pela ré na audiência de discussão e julgamento, confirmando o seu envio no âmbito das declarações de parte/depoimento de parte – suporte digital 20230124141145 do minuto 00:12:58 ao minuto 00:31:56.

  4. Trata-se de factos de que a ré teve conhecimento direto, tendo tido neles intervenção.

  5. Assim, o documento em causa faz prova da materialidade das declarações da ré dele constantes e, ainda, da realidade dos factos afirmados, ou seja, dos factos compreendidos nessas declarações, na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; 9. Das referidas mensagens enviadas pela ré não resultam quaisquer outros factos tendentes a infirmar os primeiros, pelo que nos termos das disposições combinadas dos artigos 376º 1 e 2 e 360º do Código Civil verifica-se uma situação de força probatória plena.

  6. Deste modo e com o fundamento supra descrito, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: - No dia 17 de março de 2021, pelas 5:56H, sem se ter alimentado previamente, FF, tomou medicamentos para limpar os intestinos e depois uma dose extra de medicação constituída por 1 e ½ comprimido para a ansiedade e 1 para a depressão, pelo que a ré o forçou a ingerir um yogurte, um bocado de bolo e um bocado de pão com chouriço; - Passado algum tempo não concretamente apurado, FF foi dormir, tendo a ré saído de casa para pagar algumas contas dele perto do local onde viviam; - Quando a ré regressou FF encontrava-se caído no chão, ressacado por efeito da medicação tomada, só queria dormir, tendo feito as suas necessidades fisiológicas na roupa, pelo que a ré o deixou a dormir deitado no chão; - FF acordou por volta das 16:10, mas não estava completamente em si, pelo que a ré teve de chamar um seu amigo que chegou em cerca de dez minutos e o colocou no sofá; - A sonolência que ainda apresentava impedia a ré de o levar para a casa de banho para o limpar; - Por volta das 23:00H a ré acordou à força FF, limpou-o, deu-lhe banho e alimentou-o.

  7. Na redação do Tribunal não era possível sequer perceber que, naquele dia, os factos se iniciaram por volta das 5:56H da manhã e que só terminaram já perto das 23:00H.

  8. Em segundo lugar, o desacordo dos recorrentes incide sobre a não atribuição de qualquer relevo probatório às duas cadernetas prediais juntas com a p.i. segundo as quais as frações autónomas a que se reportam estão inscritas em propriedade plena a favor da ré e da herança de FF na proporção de 1/6 e 5/6 respetivamente.

  9. Trata-se de documentos aceites pela ré que alegou mesmo em sede de contestação concordar com o seu conteúdo, documentos esses com interesse para a boa decisão da causa.

  10. Pelo que deverá ser acrescentado à matéria provada o seguinte facto: - “Na sequência do testamento as matrizes prediais urbanas das frações autónomas foram inscritas em propriedade plena a favor da ré e da herança aberta por morte de FF na proporção de 1/6 para a primeira e 5/6 para a segunda.” 15. Em terceiro lugar, os recorrentes consideram terem sido produzidas provas que no seu conjunto alteram ou infirmam a matéria de facto constante do ponto 12 e permitem concluir pela prova das alíneas b), c) d), f), h), e i) da matéria tida por não provada.

  11. A importância desta prova para a decisão da causa assenta na afirmação em sede de sentença que a única hipótese do discernimento de FF se encontrar afetado no momento da realização do testamento teria de decorrer do consumo em excesso de benzodiazepinas.

  12. As provas em causa resultam quer do registo clínico quer das declarações de parte/depoimento de parte da ré quer dos depoimentos das testemunhas GG, médico que assistiu FF e HH, médica que reviu o processo clínico após o falecimento deste.

  13. O registo clínico relativo a FF faz prova plena que os aí intervenientes nele registaram os factos que dele constam, pelo que o que o médico assistente/testemunha GG mencionou no registo acerca da medicação habitual de FF deve ser considerado provado, porquanto se trata de um documento particular que faz prova plena do que nele se encontra escrito.

  14. Pois não foi alegada a respectiva falsidade, vindo o seu conteúdo a ser aceite pela ré em sede de audiência de discussão e julgamento.

  15. Em sede de declarações de parte/depoimento de parte a ré confirmou que lhe foi solicitada a entrega no hospital dessa medicação o que ela fez através do Serviço de Urgência – cf. suporte digital 20230124141145 do minuto 00:29:58 (declarações de parte) ao minuto 00:31:56 e suporte digital 20230124160031 do minuto 00:11:28 a 00:12:02 (depoimento testemunha GG) 21. A inserção daquela informação por parte do médico assistente no registo clínico do doente não pode ser classificada como uma mera indicação, como também o não será a identificação da ré como cuidadora, a anotação do seu primeiro nome (EE) e até o seu telemóvel de contacto, o que mostra a existência de contacto e de comunicação entre aquele e esta.

  16. E também não pode ser classificada como uma mera indicação, porquanto os dados clínicos constantes daquele registo e para os quais a ré em nada contribuiu mostram precisamente o contrário do decidido.

  17. Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2020 proferido no Processo 1765/12.2TVLSB.L1-1 o registo clínico é “(…) a prova essencial do ocorrido num episódio de urgência num hospital (…), vislumbrando-se muito pouca probabilidade de sucesso na demonstração de factos que não constem de tais registos ou sejam contrários ao seu conteúdo.” 24. De uma leitura atenta do registo clínico podemos concluir que a FF foi diagnosticada uma insuficiência respiratória, respiração lenta, quando da entrada no serviço de urgência.

  18. O primeiro médico de clínica geral que o atendeu medicou-o e solicitou exames complementares, no caso, análises clínicas, raio x torácico e, eletrocardiograma.

  19. Tudo aconteceu por volta das 21:00, mas pelas 22:56 o clínico optou por transferir a responsabilidade pelo tratamento do doente para um médico diferenciado, de medicina interna, no caso, GG.

  20. Perante os dados constantes do registo clínico e as informações dadas pela ré este médico colocou várias hipóteses de diagnóstico, sendo que em duas delas figurava a suspeita da presença no organismo de FF de excesso de benzodiazepinas – cf. suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.

  21. Por causa dessas informações, a sua única opção terapêutica foi fazer o designado “washout” de benzodiazepinas através da administração a FF de um antagonista do efeito das benzodiazepinas no organismo humano e, em consequência, melhorar a função respiratória do doente – suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.

  22. Para tanto, ordenou a administração...

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