Acórdão nº 063/14.1BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Setembro de 2023

Data14 Setembro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A..., S.A.

, NIPC ..., com sede na Avenida ..., ... – ...

, intentou, no TAF do Funchal (TAF) contra o Município de Santa Cruz, com sede na Praça Dr. João Abel de Freitas, 9100 – Santa Cruz, acção administrativa comum, pedindo “a condenação do Réu a pagar-lhe os seguintes montantes: (i) €1.440.994,96 (um milhão, quatrocentos e quarenta mil, novecentos e noventa e quatro euros e noventa e seis cêntimos) acrescido da quantia de (ii) €264.609,05 (duzentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e nove euros e cinco cêntimos) a título de juros moratórios vencidos até ao dia 26 de Fevereiro de 2014, e ainda dos (iii) juros moratórios vincendos até integral e efectivo pagamento.

”*O TAF do Funchal, por decisão proferida em 29 de Maio de 2016, julgou a acção administrativa comum procedente e, em consequência, condenou o R. no pagamento à A. da quantia de 1.133.265,60€ (um milhão, cento e trinta e três mil, duzentos e sessenta e cinco euros, e sessenta cêntimos), correspondente ao capital em dívida por conta do fornecimento de energia eléctrica entre os anos de 2004 e 2012, acrescida de juros de mora.

*O R., Município de Santa Cruz, inconformado apelou para o TCA Sul da sentença proferida pelo TAF do Funchal e, este, por acórdão proferido a 31 de Março de 2022, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

*O Município de Santa Cruz, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.

O presente Recurso vem interposto vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no dia 31 de março de 2022, que negou provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 29 de maio de 2016 que julgou a ação procedente, condenando o Recorrente no pagamento de € 1.133.265,60 (um milhão, cento e trinta e três mil, duzentos e sessenta e cinco euros, e sessenta cêntimos), correspondente ao capital em dívida por conta do fornecimento de energia elétrica entre os anos de 2004 e 2012 (acrescida de juros de mora).

  1. Conforme estabelece o nº 1 do artigo 150º do CPTA “Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.” 3.

    Não há dúvidas que ambos os requisitos estão verificados, na presente situação.

  2. A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  3. É da maior relevância jurídica, assumindo uma dimensão aplicativa expansiva a inúmeros outros processos da jurisdição administrativa, saber qual a densificação do conceito de utente, para efeito de aplicação do regime da Lei dos Serviços Público Essenciais, desde logo porque dele depende a aplicação o prazo prescricional de seis meses nela prescrito.

  4. Uma pronúncia do STA sobre esta questão tem um potencial expansivo muito considerável, pois colocar-se-á em todos os casos em que se suscite a aplicação da referida lei, sendo que, o facto de não existirem, por ora, elementos jurisprudenciais e doutrinais que permitam fixar com a necessária precisão o âmbito e alcance das normas contidas no diploma, impõe a referida pronúncia, com ainda mais premência.

  5. Existe, ainda, um interesse prático (e não meramente teórico) nas questões objeto do recurso, que, aliadas ao expressivo valor da presente ação, tornam inequívoco que a presente revista deve ser admitida por estarem em causa questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental.

  6. O Acórdão a quo violou normas legais (substantivas e adjetivas), fazendo uma incorreta aplicação do direito aos factos provados.

  7. Sendo os erros grosseiros e patentes – como são – a admissão da presente revista é, por conseguinte, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  8. O Tribunal a quo não equalizou todas as soluções plausíveis de Direito, sendo exigível, no caso concreto, a intervenção deste Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do Direito.

  9. Não se conforma, pois, o Recorrente com o Acórdão proferido uma vez que considera ter sido mal aplicado o Direito, quer no que tange às normas processuais atinentes à fixação da matéria de facto, quer quanto ao âmbito de aplicação da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

    Assim, 12.

    No âmbito dos presentes autos, a Recorrida peticionou a condenação do Recorrente no valor de 1.133.265,60€ (um milhão, cento e trinta e três mil, duzentos e sessenta e cinco euros, e sessenta cêntimos), já após a redução do pedido, referente a faturas vencidas e não pagas pelo fornecimento de energia elétrica entre 2004 e 2012.

  10. O Recorrente invocou a prescrição de todas as faturas vencidas e não exigidas extrajudicialmente há mais de seis meses, com base no regime exposto na Lei nº 23/96, de 26 de Julho, designada Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

  11. Realizada a audiência prévia, fixaram-se como temas de prova: i) a gestão e a titularidade das infra-estruturas que compõem a rede de transporte de electricidade em BT; e ii) a conduta e a posição assumida pelo Município relativamente ao fornecimento de electricidade pela A... (para efeitos de prescrição).

  12. Foi sobre esta matéria que recaíram as preocupações de produção de prova do Recorrente, e que foram erroneamente valoradas pelo Tribunal a quo: 16.

    Quanto à primeira questão, a prova produzida, mormente a testemunhal, foi uniforme ao afirmar que existe uma diferença no sistema de gestão e fornecimento de energia elétrica entre a RAM e Portugal continental.

  13. Com efeito, em Portugal Continental, a atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão continua a ser desenvolvida ao abrigo de contratos de concessão outorgados pelos Municípios, os quais implicam o pagamento ao respetivo Município concedente de uma renda anual pela exploração da concessão.

  14. A concessão administrativa é um modo de gestão de um serviço público, pelo qual a pessoa titular de um serviço público atribui a outra pessoa o direito de esta, no seu próprio nome, organizar, explorar e gerir aquele serviço público; realidade que difere, em tudo (natureza, pressupostos, vicissitudes contratuais, etc.), do experienciado na RAM.

  15. Na prática, significa que um qualquer Município situado em Portugal Continental, enquanto titular do serviço de fornecimento de energia elétrica, pode ou não concessionar numa empresa privada a organização, exploração e gestão desse serviço (essencialmente, porque detém esse domínio, ao contrário do Recorrente).

  16. No âmbito daquela concessão, o tal Município transfere para o concessionário o exercício dos direitos e poderes do Município necessários à gestão e exploração do serviço público. Paralelamente, as redes de distribuição (físicas) e as redes de iluminação pública, são propriedade plena dos Municípios do continente (ou da B..., caso o Município tenha preferido transferir o património afeto à concessão).

  17. Ora, na RAM, mormente no Recorrente, o serviço público essencial de produção, transporte e distribuição de energia elétrica vem historicamente ligado à Recorrida, conforme decorre do texto preambular do DLR nº 2/2007/M.

  18. Temos assim um diploma legislativo que prevê a transferência da atribuição relativa à iluminação pública rural e urbana para os Municípios da RAM, mas que apenas o faz no plano formal/jurídico/legislativo.

  19. Por outro lado, convém ainda referir o artigo 3º, nº 2 da Lei nº 159/99, de 14 de setembro (lei que estabelecia, à data, o quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais), e que estabelece expressamente que essa transferência tem de ser acompanhada dos meios humanos, dos recursos financeiros e do património adequados ao desempenho da função transferida.

  20. Ora, nada disto sucedeu no caso do Município Recorrente, ao contrário do que sucedeu nos Municípios do continente (e daí a necessidade da compensação advir da cobrança da taxa de ocupação do domínio público prevista no DLR nº 2/2007/M).

  21. Juridicamente, seria forçoso concluir/reconhecer (ao contrário do que fez a sentença em apreço), que ao Recorrente incumbe a atribuição no domínio da energia e que os encargos decorrentes de tal atribuição passaram do Governo Regional para os municípios, mas, no plano dos factos, nunca houve uma transferência efetiva de tal atribuição da Recorrida para os municípios.

  22. Num cenário hipotético, se o Recorrente pretendesse, num ato de gestão, que a iluminação em determinado arruamento fosse suspensa por um qualquer motivo, não conseguiria fazê-lo. A prova testemunhal, mormente a arrolada pela Recorrida (Presidente do Conselho de Administração da Recorrida e Dr. AA, à data simultaneamente consultou do CA da Recorrida e vogal do Conselho Diretivo da Associação de Municípios da Iluminação Pública da Madeira), quando questionada acerca da questão, referiu que não sabia se seria exequível a gestão destas redes pelo Recorrente, reiterando a posição da Recorrida de monopólio. Explicaram ainda ao Tribunal que as atribuições só passaram, por lei, para as autarquias locais porque o Governo Regional já apresentava um endividamento cifrado em milhões, e, por outro lado, a Recorrida não podia fazer face aos encargos do sector. Foi então criado o mecanismo de escape para os Municípios, que traduziu um verdadeiro “cheque em branco” responsabilizador dos mesmos (por serem os únicos, à data, capazes de tal).

  23. Em suma, a gestão e a exploração da rede de distribuição de energia eléctrica em BT sempre esteve no domínio da Recorrida, não podendo o Recorrente, como também ficou provado, chamar a si a exploração de tal rede (como...

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