Acórdão nº 0533/11.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO, E.P.E., devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Autor, BB, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto que julgou improcedente a ação administrativa que este intentou com vista à efetivação da responsabilidade civil extracontratual de ambos os Réus ali demandados.

  1. O Autor BB interpôs, nos termos dos artigos 150.º do CPTA e 633.º do CPC, recurso subordinado para este STA, restrito ao quantum indemnizatório fixado no acórdão do TCAN, a título de danos não patrimoniais.

  2. Por sentença do TAF do Porto, de 1 de outubro de 2019, foi a ação julgada totalmente improcedente, sendo ambos os Réus demandados (1.º Réu, AA, médico ao serviço do 2.º Réu e o 2.º Réu, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E.) absolvidos dos pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.

  3. Inconformado com esta sentença, o Autor veio interpor recurso jurisdicional para o TCAN, o qual, por acórdão datado de 5 de novembro de 2021, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou parcialmente procedente a ação, condenando o 2.º Réu, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante total de € 22.515,13, bem como ao pagamento de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  4. O referido Réu, ora Recorrente, inconformado com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões: “73. O autor invocou vários erros de julgamento, pedindo o aditamento ao probatório, conforme supra se alegou, e por razões de economia processual nos abstemos de repetir.

  5. O invocado erro de julgamento apenas vingou, associado ao facto não provado sob a alínea d), tendo o TCA NORTE aditado ao provatório: 75. d) O A. era o único forneiro que fazia o turno da noite, sendo obrigado a andar com um telemóvel de forma a chamar outros trabalhadores, o que se tomou praticamente impossível devido à voz pouco audível.

  6. Não se consegue perceber, como é que o Tribunal Central Administrativo denegou aditar quaisquer outros factos ao probatório, designadamente que a “afetação da corda vocal direita resultou de uma atuação cirúrgica por parte do 1° R. pois, aquando da operação, tal órgão (corda vocal direita) foi afetada, em consequência da utilização duma técnica médica ou terapêutica incorreta, imperícia ou inaptidão por parte do cirurgião que fez a operação” e, 77. adita o probatório da alínea d) para depois concluir pela ilicitude da conduta do cirurgião e pela responsabilidade do Réu.

  7. A causa de pedir da atual pretensão indemnizatória do autor assenta, essencialmente, numa invocada violação dos deveres impostos pelas legis artis da medicina e das normas de boas práticas clínicas na intervenção cirúrgica dispensada pelo 1º Réu à coluna do Autor no dia 05 de fevereiro de 2007 e na sequência da qual terá ficado afetado por rouquidão permanente, fruto de paresia na corda vocal direita, sendo a causa de pedir no presente pleito é constituída por factos, manifestamente destinados a comprovar a presença de facto ilícito, culposo, danos e nexo de causalidade.

  8. O douto Acórdão, revogou a sentença de 1ª instância, fundamentando a sua decisão da seguinte forma: 80. “No caso versado, apresenta-se pacífico que os invocados danos são imputados pelo autor à atuação negligente dos Réus, mais fundamentalmente do 1º Réu, no que tange à violação das regras impostas pelas legis artis e pelos manuais da especialidade de neurocirurgia.” 81. Sustentando tal entendimento nos Relatórios de Perícia Médico-legal.

  9. Entendimento que não pode ser acolhido, por falta de sustentação nos meios probatórios e ao arrepio dos factos dados como provados e não provados em 1.ª instância, não postos em crise no acórdão.

  10. O Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre D. e Vouga aos quesitos formulados pelo Autor sob os nº.s 1º, 2º, 5º e 7º e, bem assim, das respostas dadas pelo Conselho Médico Legal aos quesitos formulados pelo Autor sob os nº.s 3º e 6º e pelo Réu sob os nº. 1º e 3º, “(…) Os elementos clínicos disponíveis permitem admitir a existência de nexo causal entre a intervenção neurocirúrgica realizada em 05.02.2007 (disecotomia e artrodese C5-C6, com abordagem cirúrgica pela região Antero-lateral direita do pescoço) e o desenvolvimento de paresia de corda vocal direita (…)”, na medida em que esta “(…) afetação da corda vocal direita teve como causa provável lesão do nervo laríngeo recorrente durante a cirurgia à hérnia discal por via anterior (…)”.

    Sublinhado nosso 84.

    Ou seja, o relatório aventa a rouquidão como causa provável lesão do nervo laríngeo recorrente durante a cirurgia à hérnia discal por via anterior, não a dá como certa..! 85. Como é sabido, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita -artigo 414º do C.P.C.

  11. Donde, não se pode concluir, como conclui o douto acórdão ora posto em crise, que resulta inequívoco das perícias efetivadas nos autos que o Autor passou a sofrer de disfonia como consequência da intervenção neurocirúrgica realizada em 05.02.2007 por razão de lesão do nervo laríngeo recorrente, deve ter-se por assente a verificação da lesão invocada nos autos e sua imputação à cirurgia visada nos autos.

  12. O acórdão vai mais longe, justificando a desconsideração que faz da prova testemunhal produzida em 1ª instância, designadamente, tendente a infirmar a causa provável da afetação da corda vocal direita do Autor e o nexo de causalidade, sustentando, que a prova testemunhal serve para demonstrar factos, não para emitir opinião especializada no domínio técnico científico, cujo desígnio se encontra reservado para a prova pericial.

  13. Acrescentando que, a prova testemunhal com o propósito de colmatar ou complementar eventuais lacunas no domínio da perícia eventualmente realizada, ou mesmo para contestar as conclusões da perícia, não é de admitir, em oposição com o disposto no artigo 163º do Código Civil sobre o valor da prova pericial.

  14. Sem prescindir do que se disse a propósito da Perícia, no que tange ao facto de apenas referir uma causa provável, da conjugação dos relatórios periciais com a prova testemunhal e documental produzida em 1ª instância pelos Réus, resulta a convicção do Exmo Juiz, de que a conduta do médico do réu, na assistência prestada ao autor, foi conforme a boa prática clínica, e em cumprimento da “legis artis”, expondo os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, seguindo um processo racional e lógico na apreciação feita das provas respeitador, no caso, das regras da experiência comum e da lógica. O Código Civil.

  15. Ao aditar factos ao probatório, nos termos concretos que fez e revogar a sentença proferida em 1ª instância, o douto Acórdão, violou os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, em oposição ao estatuído no artigo 396º do CPC.

    Por outro lado, 91.

    O Conselho Médico Legal, na perícia efetuada, que “(…) A rouquidão [disfonia] é um risco pouco frequente da cirurgia a hérnias discais por via anterior, mais provavelmente, por lesão inadvertida [habitualmente transitória por estiramento] do nervo laríngeo recorrente.

    É difícil afirmar com ou se poderia ser evitada, mas o afastamento tanto possível suave dos órgãos pré- vertebrais e a não coagulação ou o corte de nervos ao longo do acesso cirúrgico são medidas preventivas de tal acontecer. (…)”.

    Sublinhado nosso 92. O TAC NORTE, em face do aditamento que entendeu fazer ao probatório, tal como o fez, revogando a sentença, não poderia ter ignorado a questão dos riscos próprios da cirurgia em questão, para aferir da sua idoneidade ou não, como causa de exclusão da alegada ilicitude da conduta do Réu, fazendo-o, em violação do preceituado no nº 2 e 3 do artigo 149º do CPTA.

  16. Aliás, o próprio acórdão refere: “Em conformidade com o probatório coligido, verifica-se claramente que dimana do consignado nos pontos 1) e seguintes, que, a conselho médico, por sofrer de uma hérnia discal, foi o A. consultado no estabelecimento de saúde do 2° R., tendo os seus clínicos aconselhado uma intervenção cirúrgica, advertindo previamente o A. que havia uma possibilidade remota de a intervenção cirúrgica poder acarretar uma sequela, podendo da mesma intervenção, resultar uma tetraplegia.

  17. Mais dimana que, consciente desse risco, mesmo assim o A. decidiu que seria operado.

  18. O Conselho Médico Legal refere que existe risco e é difícil afirmar com ou se poderia ter sido evitado.

  19. Assim, para que exista dever de indemnizar, é necessário que o facto seja controlável, dominável pela vontade, podendo consistir tanto num ato ou ação, como também numa omissão.

  20. Não considerou ainda o douto acórdão, que o Autor, em face da não melhoria da rouquidão, foi orientado para a consulta de O.R.L. tendo-lhe sido diagnosticada paresia da corda vocal direita e recusou o tratamento por Otorrino para corrigir a rouquidão, devendo a sua conduta ser relevante na determinação da alegada responsabilidade do Réu.

  21. O ora recorrente “Centro Hospitalar” entende que não resultaram provados, factos suficientes que permitam atribuir qualquer ilicitude aos profissionais ao seu serviço, quer a título de violação das “leges artis”, na assistência médica dispensada ao Réu, pois as conclusões do relatório de Pericial não pode, sem mais, conduzir à conclusão de...

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