Acórdão nº 39/20.0PEFIG.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LATAS
Data da Resolução07 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

39/20.0PEFIG.C1.S1 Acordam os juízes na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça I relatório 1. No Juízo Central Criminal ..., J... ., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra foram julgados em processo comum com intervenção do tribunal coletivo: - AA, solteiro, nascido a ... de ... de 1991, que foi condenado pela prática, em autoria material singular, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea c), do Dec.-lei nº 15/93, de 22.01, (abreviadamente, DL 15/93) por referência às tabelas I-B, I-C, II-A anexas ao mesmo diploma e portaria 154/2013 de 17.04, na pena de oito anos e seis meses de prisão efetiva; - BB, solteiro, nascido a ... de ... de 1993, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, alínea a), do DL nº 15/93, de 22.01 (por referência à tabela I-C anexa ao mesmo DL), na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, mediante regime de prova e sob a condição de o mesmo realizar tratamento/acompanhamento aos problemas relacionados com o consumo de produtos estupefacientes; - CC, solteira, nascida a ... de ... de 1992, que foi absolvida da prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas II-A e I-C anexas ao mesmo diploma, que lhe fora imputada pelo MP.

2 .O arguido AA recorreu do acórdão do tribunal coletivo diretamente para o STJ, nos termos do art. 432º nº 1 c) CPP, e o MP para o Tribunal da Relação de Coimbra.

2.1.

O arguido AA extrai da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem integralmente (ipsis verbis): - « Diferente qualificação Jurídico-penal 1- Entende o recorrente, não estarem preenchidos os requisitos para o preenchimento da agravante da alínea c) do artigo 24 do D.L 15/93 de 22-01.

2- Sustenta a sua pretensão nas razões aduzidas nos ponto 1 a 11 do itemA, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3- Em súmula, entende o recorrente que pese embora as quantidades de estupefacientes apreendidas se apresentem de algum relevo, ainda assim haveria que atender aos seguintes factores: 3.1- A droga que se apurou ter sido efectivamente transacionada foi haxixe. Droga cujos efeitos nefastos para quem consome são muito inferiores aqueles que são provocados pelas chamadas drogas “duras” 3.2- Os lucros obtidos na venda desse tipo de substância são incomensuravelmente menores aos obtidos com a drogas “duras”.

3.3- Pese embora ao arguido fosse apreendido cocaína e LSD, não se apuraram vendas desse tipo de substância.

3.4- O arguido era também consumidor de produtos estupefacientes.

3.5- No período de 7 meses em que desenvolveu a actividade delituosa, apenas nos 3 últimos meses, (agosto/ setembro/ outubro) se apuraram transações cujas quantidades, entre 1 a 2 quilogramas, que permitem concluir serem destinadas à revenda 3.6- Releva o facto do tribunal ter subsumido a conduta de um desses adquirentes, o arguido BB, ao disposto no artigo 25 do D.L 15/93 de 22-01. O que inculca a ideia de que se a venda a retalho no caso concreto não permitiu a tipificação no dispositivo do artigo 21 do mesmo diploma legal, muito menos quem vende a retalho, auferindo um valor inferior, pode ir além do tipo base.

3.7- No período de 7 meses que o tribunal deu como provado a actividade ilícita, esta ocorreu numa zona geográfica delimitada, a cidade da ..., não se tendo apurado um número elevado de vendas, cfr pontos 4, 5, 6, 7, 8 a10, 11 a 14, 15 a 17 e 18.

3.8- A quantia de 3.685 euros apreendida ao recorrente e dada como provada ser proveniente da actividade ilícita, não se integra na ordem de grandeza que a agravante da al c) do artigo 24 do DL 15/93 de 22-01, pretende abarcar.

3.9- Pese embora a quantidade de haxixe, apreendida e vendida nos presentes autos possa ter algum relevo, não será de concluir pela obtenção de lucros verdadeiramente excepcionais e com ordem de grandeza que não caiba no padrão do tráfico matricial, já de si abarcando situações de grande tráfico.

Prova disso é precisamente o Ac do STJ, datado de 15-09-22, proferido no âmbito do Proc 5553/19.7T8LSB.l1.S1, referido no acórdão recorrido, no qual os factos dados como provados estão longe da grandeza daqueles a que se reportam o douto aresto.

4- Pelo que, poderemos concluir que, “in casu” está afastada a agravante da alínea c) do art. 24 do D.L 15/93 de 22-01 5- Violou-se o disposto no art 24 al c) do D.L 15/93 de 22-01.

Medida da pena 6- Pugna o recorrente pela diminuição da pena que lhe foi aplicada, sustentando a sua pretensão, por força da alteração da qualificação jurídica, pelas razões aduzidas nos pontos 1 a 11 do Item A, da motivação de recurso, o que determinaria que a pena a aplicar ao arguido fosse de 4 a 12 anos de prisão.

Ainda que assim não se entenda, em face dos critérios estabelecidos nos arts 70 e 71 do C.P, a mesma ser excessiva.

7- Sustenta a sua afirmação nas razões aduzidas no item B- Medida da Pena - pontos 4 a 18, que aqui se dão por reproduzidas.

8- No que concerne ao grau de ilicitude dos factos, a atividade ocorreu de março a outubro de 2021. No período de 7 meses, o tribunal deu como apurado vendas entre Maio e Outubro de 2021, sendo que apenas entre agosto e outubro, estas vendas pela quantidade transacionada, entre 1 a 2 quilogramas, nos permite concluir estarmos perante uma venda para revenda. Ainda assim, longe dos tráficos de grande envergadura, envolvendo quantidades como aquelas a que se reporta o aresto do STJ, já mencionado.

A natureza das substâncias estupefacientes cujas vendas se apurou, ser haxixe.

A quantidade cocaína e LSD apreendida, não ser elevada e não se ter apurado vendas ou identificado adquirentes desse tipo de substâncias.

O grosso do estupefaciente, e em concreto a cocaína, não ter sido disseminado em face da apreensão pelo OPC.

O arguido ser consumidor ocasional de drogas.

O modo de execução do crime não se apresentar estruturado ou complexo, estando circunscrito à zona da ... e aos contactos estabelecidos via telemóvel.

9- Nessa medida, as consequências da conduta do arguido, ainda que gravosas estão mitigadas, por um lado, pelo facto das vendas apuradas serem de haxixe, por outro lado, pelo facto do grosso da droga apreendida não ter sido disseminada face à sua apreensão.

A actividade ilícita ter decorrido num período de tempo não superior a um ano, numa zona geográfica delimitada e sem suporte organizativo.

10- O arguido atuou com dolo direto e, por isso, intenso, embora sem se afastar da média comum ao tipo em apreço.

11- Os motivos que estão na génese da prática do crime de tráfico reconduzem-se, essencialmente, à procura de obtenção de rendimentos monetários, tendo sido apreendidos 3.685 euros provenientes dessa mesma actividade.

Ainda que de forma recreativa, o arguido era consumidor de estupefacientes, constituindo tal circunstância um factor potenciador para prática deste tipo de ilícitos, em face do meio onde estava inserido por força desses consumos.

12- A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.

13- Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.

14- No caso concreto, entende o recorrente que o tribunal não ponderou de forma relevante, o seu comportamento posterior aos factos, as suas condições pessoais, incluindo a situação familiar, profissional, económica, o seu percurso de vida.

Na verdade, pese embora os mesmos correspondam aos descritos na factualidade provada, cfr pontos 55 a 71, que aqui se dão por reproduzidos, a sua ponderação ficou aquém do que era expectável, não tendo nessa medida tidos reflexos na pena que lhe veio a ser aplicada.

Assim, 15- Quanto à conduta anterior releva, essencialmente, a ausência de antecedentes criminais e adopção de hábitos de trabalho.

Na conduta posterior aos factos, assume particular importância a admissão da prática dos factos e arrependimento manifestado, bem como o bom comportamento registado no E.P, concretizado pelo empenho laboral e a procura de valorização pessoal ao nível escolar.

Não menos importante, o apoio familiar que dispunha mas que se solidificou, após a sua reclusão, em concreto com a companheira, dispondo ambos de um projecto comum de família, alicerçado por um lado na actividade profissional regular desta e por outro nas capacidades que o recorrente demonstra na procura da sua valorização pessoal com vista a sua futura reintegração social.

16- Em suma, as exigências de prevenção especial estão mitigadas, em face da ausência de antecedentes criminais, mas sobretudo pelo comportamento posterior aos factos, que conjugado com os hábitos consistentes e regulares de trabalho que registou ao longo do seu percurso de vida, habilitações e competências profissionais que dispõe, permitem dizer que não estão comprometidas as expectativas da sua inserção no mercado de trabalho aquando da sua restituição à liberdade.

Tanto mais que, o arguido dispõe de apoio familiar estruturado, factor decisivo para que se opere essa mesma ressocialização.

17-Assim, pese embora as exigências de prevenção geral positiva ou de integração serem bastantes elevadas no caso dos crimes de tráfico de estupefacientes, pela perturbação e alarme social que provocam, sobretudo pelos danos que produzem em bens e valores fundamentais como a saúde física dos consumidores e das famílias e para a sociedade em geral, estas não podem sobrepor-se ás exigências de...

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