Acórdão nº 83/15.9PJLRS-O.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CRAMO SILVA DIAS
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

O arguido/condenado AA (também indicado nos autos, quanto ao último apelido, como BB), veio nos termos do artigo 449.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão de 21.06.2019, proferida no processo comum (tribunal coletivo) n.º 83/15.9PJLRS, do Juízo Central Criminal ..., juiz 4, comarca de Lisboa, confirmado por ac. do TRL de 23.12.2019 (tendo sido julgada improcedente a arguida nulidade por omissão de pronúncia por ac. do TRL de 30.01.2020 e rejeitado o recurso para o STJ, por acórdão de 25.06.2020), encontrando-se transitado em julgado desde 28.10.2020, sendo condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência à Tabela anexa I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.

  1. Para tanto, o recorrente apresentou as seguintes conclusões no seu recurso:

    1. O ora Recorrente funda a sua pretensão no presente recurso extraordinário de revisão de sentença na alínea f) do n° 1 do artigo 449°, uma vez que a revisão de sentença transitada será admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento á condenação.

    2. Trata-se, neste caso como nos previstos nas demais alíneas do n° 1 do citado artigo 449°, da consagração na lei ordinária da garantia constitucional prevista no artigo 29°, n° 6 da Constituição da República Portuguesa segundo o qual «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença.

    3. O presente recurso extraordinário de revisão aspira a obter o equilíbrio entre a imutabilidade do caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça), D) O Recorrente foi condenado por acórdão transitado em julgado a 28.10.2020 na pena de 5 anos e nove meses de prisão efetiva pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21 n°l do DL n° 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-B anexa, no Tribunal de Primeira Instância, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, e, E) Vem interpor o presente recurso extraordinário de revisão de sentença atento ao disposto no artigo 449 n° 1 alínea f) do CPP, porquanto foi proferido pelo Tribunal Constitucional, a 19.04.2022, o acórdão n° 268/2022.

    4. O acórdão constitucional n° 268/2022 decidiu: a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma do artigo 4º da Lei 32/2008 de 17.07, conjugada com o artigo 6º da mesma lei, por violação do disposto nos n°s 1 e 4 do artigo 35 e do n° 1 do artigo 26, em conjugação com o artigo 28°, todos da Constituição, e declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9º da Lei 32/2007 de 27.07, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para a investigação, detenção e de crimes graves, na parte em que não prevê a notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos por autoridades de investigação criminal a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n° 1 do artigo 35° e do n° 1 do artigo 20°, em conjugação com o n° 2 do art. 18°, todos da Constituição.

    5. Encontram-se manifestamente reunidos os requisitos dos pressupostos formais quanto ao presente recurso extraordinário de revisão de sentença, designadamente que o acórdão condenatório ora recorrido transitou em julgado (28.10.2020), bem como a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral das normas constantes dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei 32/2008, proferida pelo Tribunal Constitucional no acórdão 268/2022 de 19 de abril.

    6. Porquanto, a condenação sofrida pelo Recorrente enferma de inconstitucionalidade, nos termos em que, os factos apreciados e dados como provados em sede de julgamento, confirmados pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça foram obtidos mediante o uso de métodos proibido de prova "por via dos meios utilizados serem ilegais, cfr. o referido ac. n°268/2022 do Tribunal Constitucional.

    7. Decorre do acórdão condenatório que os presentes autos tiveram início na informação policial a fls 3 a 5, na qual se dá notícia de que, no decurso da investigação levada a cabo no processo n° 36/15.7..., se ter obtido informação quanto ao envolvimento dos suspeitos CC, DD, EE e FF em atividades referentes ao tráfico de estupefacientes, propondo uma investigação autónoma da atividade pelos mesmos levada a cabo.

    8. Nessa sequência, o Ministério Público requereu nos autos do processo n° 36/15.7... certidão de várias peças processuais respeitantes às interceções telefónicas ali autorizadas quanto aos supra referidos suspeitos, requerendo posteriormente a admissão nesses autos da dita certidão para ser valorada como prova já obtida.

    9. Ao momento em que foi autorizado o recurso às interceções telefónicas constavam dos autos os seguintes elementos: a fls 13 a 71 consta a já mencionada certidão extraída do inquérito 36/15.7... na sequência do despacho judicial de fls. 15 que, aproveitando a promoção de fls. 15 verso a 16, autorizou a extração de certidão nos termos do artigo 187° n° 7 e n° 8 do C.P.P.

    10. A este respeito verificou-se a fls. 17 a 71 constam as informações de serviço, relatórios policiais, autos de interceções telefónicas e todos os despachos judiciais que foram proferidos, desde a autorização inicial de sujeição às interceções de cada um dos suspeitos supra referidos.

    11. A 02.11.2015, a fls. 78 a 81, o Ministério Público requereu a validação da decisão dos autos a segredo de justiça, a admissão nesses autos para efeitos probatórios da certidão judicial para recolha de prova mediante captação de som e imagem, bem como para realização de interceções telefónicas.

    12. Por despacho proferido nesses autos a fls 84 e 85 foi validada a decisão de aplicação do segredo de justiça, admitida nos presentes autos a fim de ser valorada para efeitos probatórios a mencionada certidão, bem como cópia dos suportes referentes às interceções telefónicas que visaram os arguidos CC, EE e DD, nos termos do art. 187 n° 1 alínea b) e n° 7 do C.P.P., autorizada a recolha de prova mediante som e imagem, bem como a realização de novas interceções telefónicas aos cartões usados pelos referidos arguidos e o arguido FF.

    13. Acresce que na informação / relatório policiais de fls. 3 a 11 o órgão de polícia criminal faz a descrição das conclusões a que chegou em face de todas as diligências probatórias levadas a cabo até então, resultantes das interceções em curso no inquérito n° 36/15.7..., quer dos conhecimentos que lhes advieram de outras investigações, como o processo 90/14.9..., no sentido de enquadrar o tipo de atividade a investigar e a identificar o papel de cada um dos suspeitos.

    14. Sucede que o despacho judicial de autorização para realização das interceções telefónicas apenas foi proferido na sequência da admissão nestes autos da certidão e suportes magnéticos extraídos do inquérito n° 36/15.7... A referida admissão teve lugar à luz do disposto no art. 187° n° 7 do C.P.P. consignando-se a possibilidade de valoração das interceções telefónicas efetuadas naqueles autos para efeitos probatórios nos presentes autos.

    15. Da análise da referida certidão extrai-se que estando um suspeito de nome GG a ser investigado no âmbito do outro inquérito pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, foram captadas conversações telefónicas indiciadoras que o utilizador do cartão telefónico com o n° 96....47 (arguido CC) teria abastecido de estupefaciente o suspeito de nome GG no dia 20.07.2015, levando a crer que seria um dos fornecedores do suspeito em investigação naqueles autos.

    16. Perante tais elementos indiciários, e por se crer na participação deste novo suspeito na atividade em investigação - suspeito de que se sabia unicamente ser presumivelmente titular daquele cartão telefónico - foi requerida autorização para sujeição do mesmo a interceção telefónica, o que veio a ser autorizado nos termos e com os fundamentos que constam do despacho a fls. 20.

    17. Resulta dos autos que os cuidados tidos pelos arguidos denotavam um grau de alerta relativamente ao eventual acompanhamento da atividade pelas autoridades policiais, o que faz com que seja vertida a conclusão no despacho judicial a fls. 85 a 88 no sentido que "as investigações em curso não poderão mais desenvolver-se por forma a apurar a real dimensão, contornos e eventual contributo de terceiros para a atividade que os suspeitos desenvolvem que não seja através dado recurso a escutas telefónicas, pois estas conjugadas com as vigilâncias permitirão saber as concretas transações ilícitas efetuadas, desde a sua aquisição até à venda a um universo de consumidores de estupefacientes que aso suspeitos recorrem e locais em que tal ocorre o que por recurso a outro meio probatório seria de difícil ou impossível apuramento".

    18. De referir e com relevância para o presente recurso o despacho judicial (ref3126013/07) a autorizar interceções telefónicas aos n°s 96...07 e 96...59 (FF), 96...25 (EE), 92...56 (DD) e 96...84 (CC), bem como aos respetivos imei's e quaisquer outros cartões, incluindo localização celular e faturação detalhada desde o dia em que se inicie a interceção e gravação, registos de chamadas recebidas, trace-back, efetuadas e de mensagens.

    19. No dia 03.12.2015 foi proferido despacho judicial (ref ...344) a autorizar a interceção e gravação das comunicações efetuadas de e para o número 96...60 (pertencente ao Recorrente), bem como a identificação e interceção do último/atual Imei associado àquele número, gravação das comunicações efetuadas com cartões que...

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