Acórdão nº 01435/12.1BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução07 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – AA e BB, pais da falecida CC, de nacionalidade espanhola, e DD e EE, pais do falecido FF, também de nacionalidade espanhola, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado português e o Instituto da Água (INAG), entretanto substituído, por sucessão legal, pela Agência Portuguesa do Ambiente, IP (APA), todos com os sinais nos autos, tendo formulado o seguinte pedido: «[…] Nestes termos, e nos demais de direito que Vossa Excelência doutamente suprir, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenados os demandados a) a pagar aos primeiros autores, AA e mulher, BB, uma indemnização em montante equivalente a 175.000,00 euros, a título de dano morte, pelo falecimento de sua filha CC; b) a pagar aos segundos autores, DD e mulher, EE, uma indemnização em montante equivalente a 175.000,00 euros, a título de dano morte, pelo falecimento de seu filho FF.

  1. a pagar a cada um dos autores (AA, BB, DD, EE) uma indemnização em montante equivalente a 75.000,00 euros, a título danos não patrimoniais, pelo desgosto, consternação e tristeza provocados pelo falecimento dos respectivos filhos, CC e FF.

[…]».

2 – Por sentença de 10.12.2018 foi a acção julgada parcialmente procedente e os Réus, solidariamente, condenados a pagar: a. €100 000 aos autores AA e mulher, BB, sendo: i. € 40 000 pelo dano morte de CC; ii. € 60 000 (€ 30 000 a cada um) a título de danos não patrimoniais decorrentes do desgosto próprio da perda da filha; b. €100.000 aos autores DD e mulher, EE, sendo: i. € 40 000, pelo dano morte de FF; ii. € 60 000 (€ 30 000 a cada um) a título de danos não patrimoniais decorrentes do desgosto próprio da perda do filho.

3 – Inconformados, os AA., a Entidade Demandada e o Estado recorreram para o TCA Sul, que, por acórdão de 09.02.2023, negou provimento aos Recursos dos Demandados e concedeu parcial provimento ao recurso dos AA., fixando a repartição de culpas em 30% para os lesados e 70% para as Demandadas, e condenou os RR. no pagamento de: - €140.000 aos autores AA e mulher, BB: - €140.000 aos autores DD e mulher, EE.

4 – Desta última decisão, os AA. e o Estado interpuseram recurso de revista; recursos que foram admitidos por acórdão deste STA de 01.06.2023.

5 – Os AA. e aqui Recorrentes formularam alegações que concluíram da seguinte forma: «[…] 1. Dispõe o n.º 1 do artigo 150.º do C.P.T.A. que “Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” 2. Ora, o caso objecto de recurso nos presentes autos teve ampla repercussão mediática, em virtude da morte dos dois jovens espanhóis na ..., sem sinalização, ter sido divulgada amplamente por diversos órgãos de comunicação social, inclusive as decisões judiciais já proferidas.

  1. Acresce que, os Recorrentes, entendem que não se verificou qualquer acto qualificável como ilícito por parte dos lesados, o que resulta na impossibilidade de subsunção do comportamento dos mesmos na norma do artigo 570.º do Código Civil e exclui a respetiva conculpabilidade, razão pela qual incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento de direito, o que urge esclarecer.

  2. A sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 10.12.2018, julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou os Réus a pagar, solidariamente, as seguintes quantias: A) 100.000,00 € aos Autores AA e BB, sendo: a. 40.000,00 € pelo dano morte de CC; b. 60.000,00 € (30.000,00 € a cada um) a título de danos não patrimoniais decorrentes do desgosto próprio da perda da filha; B) 100.000,00 € aos Autores DD e EE, sendo: a. 40.000,00 € pelo dano morte de FF; b. 60.000,00 € (30.000,00 € a cada um) a título de danos não patrimoniais decorrentes do desgosto próprio da perda do filho; C) Tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

  3. Entendem, os ora Recorrentes, notificados do Acórdão proferido em 09.02.2023, com todo o respeito pela instância jurisdicional, que o douto Tribunal Recorrido, ao julgar que não merece censura a decisão adoptada em primeira instância, salvo no que respeita à percentagem relativa à repartição de culpas, relativamente à qual, acordaram, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do douto Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao Recurso dos Autores, fixando-se a repartição de culpas em 30% para os lesados e 70% para as demandadas, assim fixados e repartidos: € 140.000 aos autores AA e mulher, BB, e, € 140.000 aos autores DD e mulher, EE, julgou indevidamente as questões suscitadas na presente acção.

  4. Com o devido respeito, o Tribunal recorrido ao decidir nos termos em que concluiu a sentença da primeira instância, alterando apenas a fixação da concorrência de culpa dos lesados, fixando a repartição de culpas, depois de decisão sobre o recurso apresentado, em 30% para os lesados e 70% para as demandadas, incorreu em manifesto erro de julgamento de direito, devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, que julgue a acção procedente na totalidade, isto é, com atribuição de culpa de 100% para os Réus, ora Recorridos.

  5. Nesse sentido, avaliando minuciosamente a prova produzida na íntegra e até a própria apreciação crítica realizada pelos Venerandos Juízes Desembargadores, não é compreensível como é fixável, ainda, uma conculpabilidade de 30% dos lesados para a produção do dano.

  6. Ora, não se percebe como o Acórdão recorrido considera que se verificou uma “clara e grave violação das regras técnicas e das regras de prudência comum que deviam ser observadas, visto que isso os iria expor a sérios e desnecessários perigos”, por parte dos Réus e fixa a repartição de culpas em 30% para os lesados e 70% para as Demandadas.

  7. Razões pelas quais se afigura que, o Tribunal a quo não andou bem, tendo entrado em manifesta contradição, ao julgar que a sentença proferida em primeira instância não merece censura, face aos factos que considerou provados e com a subsunção dos factos ao direito, por um lado, e ao classificar de grave a violação dos deveres de cuidado que impendiam sobre os Réus, que não foram cumpridos, tudo concorrendo para a fixação de grau de culpa superior destes e, consequentemente, fixação do quantum indemnizatório em montante superior.

  8. O Acórdão, proferido em 09.02.2023, não procedeu à indagação da existência de um comportamento ilícito e culposo dos lesados que consubstancia, em concreto, causa adequada do evento ocorrido, e que se afigura essencial para a determinação da grau de conculpabilidade e sem a qual não é possível ao Acórdão recorrido proceder à fixação em 30% para lesados e 70% para os Réus, sob pena da uma arbitrária imputação de culpas, que, salvo o devido respeito e melhor opinião, sucedeu, de novo, ainda que proceda agora a uma imputação de culpa superior às Demandadas e inferior aos Lesados.

  9. Entende-se, portanto, que o Acórdão recorrido incorreu numa manifesta omissão de subsunção dos factos ao direito, o que concorre, nessa medida, para a injustificação ou incorrecta apreciação jurídica e consequente falta de fundamentação do Acórdão, no que à fixação da conculpabilidade dos lesados e determinação do quantum indemnizatório respeita.

  10. O Acórdão recorrido procede à qualificação do comportamento dos Réus como consubstanciando violação por omissão, na modalidade de negligência, das normas de vigilância e cuidado que lhe eram atribuídas por Lei.

  11. Contudo, renovam-se as perguntas já antes formuladas: Qual foi o comportamento ilícito dos lesados? Quais foram os deveres de cuidado que os lesados violaram? Qual o grau de culpa que lhes pode ser assacado? 14. Ora, de toda a matéria de facto dada como provada e subsunção ao direito, não se vislumbra que normas os lesados tenham violado, já que em nenhum comportamento ilícito incorreram.

  12. A praia não se encontrava interditada, interdição essa que somente veio a ocorrer após o fatídico acidente.

  13. Encontra-se provada a inexistência de placas sinalizadoras à data do fatídico acidente.

  14. Portanto, exclui-se qualquer violação ou desrespeito por sinalização ou aviso de perigo, pelos lesados, vítimas mortais, que tenha contribuído para a ocorrência do desmoronamento de terras da arriba na praia em questão.

  15. Está provado nos autos que, entre 2003 e 2005 os Réus não fiscalizaram nem sequer se certificaram da manutenção de sinalização de perigo das arribas, na zona em que se integra a ..., não se tendo provado que este fosse um evento imprevisível, muito pelo contrário.

  16. Acidente análogo ocorreu anos antes, sendo, pois, incontornável e inexplicável, a inexistência de avisos no local, e que permite imputar, em exclusivo, culpa aos Réus, que se tivessem cumprido os seus deveres, teriam evitado a ocorrência do acidente.

  17. Ao desconsiderar estes elementos na respetiva análise, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na conculpabilização dos lesados, pelo que necessariamente a fixação da mesma deverá ser excluída e a quantia indemnizatória atribuída na totalidade aos Recorrentes.

  18. Se após o acidente em discussão nos presentes autos, foi possível tomar medidas para prevenir novos acidentes, é patente que se impunha que, idênticas medidas teriam que ter sido adoptadas anteriormente.

  19. Os Réus não asseguraram, como lhes cabia, a vigilância, monitorização do estado da arriba e sinalização da praia.

  20. Os Réus não cumpriram os deveres de cuidado, zelo e diligência, na vertente de criação e colocação de...

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