Acórdão nº 02354/17.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução06 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; 1.

A..., Lda., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 7 de março de 2023, que julgou totalmente improcedente impugnação judicial ( “contra o despacho de deferimento parcial do pedido de reembolso de direitos aduaneiros e direitos anti-dumping proferida pela Alfândega de Leixões, no montante global de € 13.215,26”.).

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: « a. Na sentença recorrida, o tribunal a quo cometeu diversos erros de julgamento.

  1. Como se viu, o tribunal recorrido consentiu na violação do disposto nos arts. 26.º, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º, 34.º e 35.º do TFUE.

  2. Da mesma forma, optou por não observar o previsto nos arts. 201.º, n.º 1, al. a), 215.º, n.º 1, e 236.º, do CAC.

  3. O tribunal recorrido entendeu, em flagrante contradição com as normas legais acima invocadas, que a decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso apresentado pela Recorrente junto da Alfândega de Leixões (assim como o ato de liquidação por esta praticado) seriam legítimos, mesmo tratando-se, como se trata nos autos, de mercadorias que já estavam desalfandegadas e introduzidas no consumo e em livre prática no território aduaneiro da União Europeia.

  4. Ao decidir dessa forma, o tribunal recorrido ignorou o espírito e a razão de ser do mercado interno instituído pelos tratados comunitários, bem como evidenciou desconhecer o alcance do princípio basilar da livre circulação de mercadorias.

  5. De igual modo, o tribunal demonstrou não compreender o sentido do conceito de União Aduaneira, que implica a abolição e a proibição, no comércio entre os Estados-Membros da União, de direitos aduaneiros de importação e encargos de efeito equivalente.

  6. Tudo isto constitui, efetivamente, uma grosseira inobservância por um conjunto de acórdãos que o TJUE vem proferindo ao longo das últimas seis décadas.

  7. No caso dos autos, estão em causa mercadorias importadas de um país terceiro, que cumpriram na Alfândega de Roterdão (na Holanda) as formalidades alfandegárias tendentes ao seu desalfandegamento e à sua introdução em livre prática e no consumo (incluindo o pagamento dos direitos e imposições).

  8. A partir do momento em que tais mercadorias importadas pela Recorrente obtiveram autorização de saída na Alfândega de Roterdão (na Holanda), adquiriram o estatuto de mercadorias comunitárias, pelo gozavam de liberdade de circulação no território aduaneiro da União, como se de produtos originários de um Estado-Membro se tratasse.

  9. Essa é, indiscutivelmente, uma manifestação direta do facto de a União Europeia consubstanciar uma União Aduaneira.

  10. A partir do momento em que as mercadorias importadas alcançaram aquele estatuto não poderiam ser sujeitas a qualquer outro obstáculo alfandegário noutro Estado-Membro (nomeadamente mediante o cumprimento de outras formalidades ou a cobrança de imposições ou tributos).

  11. A Recorrente não desconhece o facto de as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros poderem levar a cabo controlos a posteriori relativamente a mercadorias que circulam no território aduaneiro da União.

  12. Contudo, desses controlos ou inspeções não pode decorrer para o importador a obrigação de cumprir novas formalidades aduaneiras ou, pior ainda, pagar novamente direitos de importação.

  13. Lamentavelmente, o tribunal recorrido entendeu que o ato de liquidação, cujo montante foi pago indevidamente pela Recorrente e objeto, posteriormente, de um pedido de reembolso, seria legítimo.

  14. O tribunal recorrido não determinou – como deveria – que aquela liquidação, bem como a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, constituía um entrave, uma perturbação séria à livre circulação de mercadorias já desalfandegadas e introduzidas no consumo e em livre prática no espaço da União.

  15. E que afrontam, salvo melhor entendimento, o projeto de integração europeia que tem vindo a ser construído ao longo das passadas décadas.

  16. Por outro lado, dúvidas também não restam de que as irregularidades detetadas no controlo efetuado pela Alfândega de Leixões (as quais, em tese, poderiam justificar uma liquidação de direitos a posteriori) deveriam ter sido comunicadas à Alfândega de Roterdão pois que foi nessa estância aduaneira que ocorreu o facto que deu origem à constituição da dívida aduaneira.

  17. Sendo certo que o facto constitutivo da dívida aduaneira é, conforme decorre expressamente do CAC, a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.

  18. Ora, foi em Roterdão que se deu a importação e a introdução em livre prática e no consumo da mercadoria adquirida pela aqui Recorrente.

  19. E, se assim foi, só aquela Alfândega é que teria competência para liquidar a posteriori os direitos de importação que fossem devidos (caso entendesse proceder dessa forma e se ainda tivesse em tempo para o fazer).

  20. Nunca, em circunstância alguma, poderia a Alfândega de Leixões substituir-se à Alfândega de Roterdão nessa tarefa.

  21. Tendo-o feito, o ato de liquidação praticado pela Alfândega de Leixões padece de manifesto vício de violação de lei, e o despacho de indeferimento do pedido de reembolso também.

  22. Com efeito, uma vez chegadas a Leixões, as mercadorias estavam já desalfandegadas, ou seja, tinham sido libertadas da esfera fiscalizadora das autoridades aduaneiras.

  23. As mercadorias estavam, pois, introduzidas em livre prática e no consumo.

  24. E é neste ponto que reside o principal erro de julgamento do tribunal recorrido, para quem tal facto (o de as mercadorias já estarem desalfandegadas) seria absolutamente irrelevante.

  25. Mas não é! aa. As mercadorias importadas pela Recorrente possuíam já um estatuto que lhes permitia movimentar no território aduaneiro da União como se fossem mercadorias comunitárias.

bb. Mais uma vez se diga: a Alfândega de Leixões não podia ter liquidado novamente direitos aduaneiros de importação sobre as mercadorias em apreço.

cc. O direito de efetuar controlos e inspeções a posteriori não pode ser confundido com um eventual direito de praticar novos atos de liquidação ou impor ao importador o cumprimento de outras formalidades alfandegárias, sob pena de violação flagrante de liberdades e princípios fundamentais de direito da União Europeia.

dd. Por fim, acresce dizer que no caso dos autos estão integralmente preenchidos os pressupostos de que dependia o deferimento do pedido de reembolso apresentado pela Recorrente e que se encontram vertidos no art. 236.º do CAC.

ee. Por um lado, o montante liquidado pela Alfândega de Leixões não era legalmente devido.

ff. Por outro, não existiu, por parte do importador (a aqui Recorrente) qualquer artifício.

gg. O reembolso peticionado deveria ter sido deferido, e o montante pago indevidamente pela Recorrente integralmente devolvido, acrescido dos juros indemnizatórios correspondentes.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e determinando-se a anulação do despacho de indeferimento parcial do pedido de reembolso apresentado, bem como a anulação do ato de liquidação que lhe subjaz, com as demais consequências legais (designadamente a devolução dos montantes pagos indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios).

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

SE ASSIM NÃO ENTENDER, Requer-se, subsidiariamente, a submissão, por parte deste Supremo Tribunal Administrativo, da questão abaixo transcrita, ao Tribunal de Justiça da União Europeia, através do sistema de reenvio prejudicial de interpretação, previsto no artigo 267.º do TFUE: A exigência das autoridades aduaneiras portuguesas de submeter ao regime de introdução em livre prática mercadorias anteriormente já declaradas para aquele regime num outro Estado-membro (na Holanda, neste caso concreto), implicando o pagamento duplicado dos direitos aduaneiros de importação, mostra-se compatível com os conceitos de livre circulação de mercadorias e de união aduaneira a que se reportam os artigos 28º a 31º do Tratado sobre o Funcionamento da União Aduaneira (TFUE)? » * A autoridade tributária e aduaneira (AT) contra-alegou e concluiu: « I. O objeto do presente recurso é a Sentença de 06.03.2023, proferida nos autos em epígrafe, que julgou a impugnação totalmente improcedente; II. Alega a recorrente que a sentença ao decidir nos termos em que decidiu fez errada interpretação da lei; III. Que o tribunal recorrido consentiu na violação do disposto nos art.s. s 26º, 28º, nº 1 e 2, 29º, 34º e 35º do TFUE; IV. Que, da mesma forma, optou por não observar o previsto nos art.s 201º, nº 1 alínea a), 215º, nº 1 e 236º do CAC; V. Acontece que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura; VI. Com efeito, no capítulo V da douta sentença recorrida encontra-se vertida toda a fundamentação de direito da decisão proferida pelo Tribunal recorrido; VII. Neste capítulo encontra-se sistematizada toda a matéria de facto e de direito, bem como a interpretação que o julgador dela faz; VIII. Para concluir que não se mostram violados os art.s. 28º, nº 1 e 2, 29º, 34º, e 35º do TFUE e que, uma vez verificado pela AT que ocorria erro de classificação pautal, os direitos de importação, no momento do seu pagamento, eram legalmente devidos; IX. Sendo inelutável que a Alfândega de Leixões é competente para liquidar adicionalmente os direitos aduaneiros de importação em falta por via do erro ocorrido na classificação pautal na estância aduaneira holandesa; X. Ainda nos precisos termos da sentença recorrida, o facto de a introdução das mercadorias em livre prática das mercadorias em causa não se ter dado em Portugal, mas na Alfândega de Roterdão, não retira competência às autoridades aduaneiras nacionais de fiscalização, gestão, liquidação e cobrança dos direitos aduaneiros.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e em consequência ser confirmada a...

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