Acórdão nº 067/09.6BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução06 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A..., S.A., NIPC ..., com sede no Edifício ..., Av. ... – ....03 – ....º A, ... Lisboa, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial «do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão dos actos de liquidação e de cobrança pelo INAC – Instituto Nacional de Aviação Civil, da Taxa de Segurança, relativa aos meses de Abril de 2004 a Setembro de 2007».

Com a interposição do recurso apresentou alegações, resumidas nas seguintes conclusões: «(...) 1. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (“TTL”), com data de 06 de março de 2021, que julgou a impugnação totalmente improcedente e encontra fundamento em dois erros de base que inquinam irremediavelmente a decisão proferida: (a) os sujeitos passivos da taxa de segurança não são os passageiros como a sentença considerou (mas sim as companhias aéreas) e (b) o reembolso à Impugnante do valor que lhe foi cobrado a mais pelo então INAC não constitui uma situação de enriquecimento sem causa que seja impeditiva do reembolso à Impugnante, ora Recorrente, dos montantes ilegalmente cobrados pelo INAC.

  1. A decisão do TTL sobre o julgamento da matéria de facto não merece censura, sendo pacífico, reconhecido e aceite por todos os intervenientes (TTL, INAC e Recorrente) que houve “um erro e a cobrança indevida da taxa de segurança neste processo” (cfr. sentença fls. 6).

  2. No que concerne ao primeiro erro – incorrecta qualificação do sujeito passivo da relação jurídica tributária – o mesmo resulta de uma leitura porventura menos atenta do disposto nos números 3 e 4 do artigo 18º da LGT e no art. 2º do DL nº 102/90.

  3. O artigo 18º n.º 3 da LGT distingue três tipos ou situações de sujeito passivo: o contribuinte directo, o substituto e o responsável. O contribuinte directo é aquele que pratica, ou relativamente a quem se verifica o facto gerador do tributo. O artigo 18º n.º 4 exclui o terceiro repercutido do âmbito da noção de sujeito passivo.

  4. O TTL erra na qualificação do sujeito passivo da taxa de segurança, que é a companhia aérea e não o passageiro, já que, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 18 da LGT, o contribuinte direto da taxa de segurança é a companhia aérea, pois é esta quem pratica o facto gerador do tributo (é a companhia quem presta o serviço de transporte aéreo, emitindo para o efeito o título de passagem que constitui o facto que dá causa à obrigação de imposto).

  5. Os sujeitos passivos da taxa de segurança são as companhias aéreas, porque é sobre elas que impende o dever de cumprimento da prestação tributária (18.º nº 3 da LGT), suportando os passageiros o encargo económico do valor do tributo por via da repercussão legal (o que significa que, de acordo com o art. 18º nº 4 da LGT não são sujeitos passivos da taxa por serem estranhos à relação jurídico tributária, por não serem devedores do sujeito activo).

  6. A relação jurídica tributária, in casu, estabelece-se entre o sujeito ativo INAC que lança, liquida e cobra a taxa e o sujeito passivo companhia aérea, que recebe a liquidação e é devedor da mesma, e que, em caso de mora ou incumprimento, se sujeita à execução coerciva para cobrança do valor omitido ou atrasado. Todo o feixe legal de interações em que se desenvolve a relação jurídica tributária, nos diversos momentos, envolve apenas estes dois sujeitos: INAC e companhia aérea.

  7. Por último, importa notar que se a companhia aérea transportadora não fosse o sujeito passivo da taxa de segurança, nem sequer poderia ter apresentado impugnação judicial para discussão da legalidade da taxa por falta de legitimidade, possibilidade que o Tribunal a quo não põe em causa e expressamente reconhece existir quando aprecia os pressupostos processuais.

  8. Se tivesse qualificado corretamente a companhia aérea A... como sujeito passivo do imposto, a sentença objeto de recurso não poderia ter-lhe negado a restituição dos montantes que ilegalmente lhe foram exigidos em excesso pelo INAC, com fundamento no seu suposto enriquecimento sem causa, improcedendo logo por essa razão o fundamento para tal negação da restituição à A... do que ilegalmente lhe foi cobrado, como resulta da matéria de facto provada.

  9. A sentença recorrida fundamenta-se num alegado enriquecimento sem causa da A... ainda que sem grande fundamentação que não seja a que está, direta e imediatamente, ligada à errada qualificação do sujeito passivo da taxa, porquanto tivesse a sentença recorrida concluído que o sujeito passivo da taxa era a companhia aérea, como deveria, e já não haveria qualquer enriquecimento “sem causa justificativa”..

  10. O instituto do enriquecimento sem causa não encontra correspondência no direito tributário, onde também não é objecto de reconhecimento ou de disciplina específica, e, mesmo no direito privado, é de aplicação subsidiária, não podendo ser invocado quando a lei faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído (art. 474.º do Código Civil).

  11. No direito fiscal, o art. 30º nº 1 c) da LGT inclui na relação jurídica tributária o direito à restituição dos montantes de tributos ilegalmente cobrados, pelo que a restituição dos montantes da taxa de segurança ilegalmente liquidados e cobrados não tem lugar com fundamento e na medida prevista para o instituto do enriquecimento sem causa, antes devendo ser restituído tudo aquilo que tiver sido ilegalmente cobrado e recebido nos termos do art. 43º da LGT (dada a manifesta incongruência e incompatibilidade entre o regime tributário da cobrança e restituição de tributos ilegalmente cobrados com o regime subsidiário de restituição próprio do enriquecimento sem causa vertido nos arts. 479º nº 2 e 480 do CC).

  12. Só a companhia aérea é parte numa relação jurídica com os passageiros em questão, e só ela (e não o INAC) fica diretamente obrigada perante os passageiros, nos termos do contrato que a liga a estes, à devolução do que estes potencialmente terão pago a mais.

  13. A admitir a aplicação do regime do enriquecimento sem causa e a improcedência da impugnação verificar-se-ia, aí sim, um enriquecimento sem causa, mas do INAC, que ficaria a dispor de importâncias a que não tem direito, por as ter cobrado ilegalmente (sendo certo que esse enriquecimento seria definitivo porquanto, não tendo qualquer relação direta com os passageiros, nem sequer terá meio de os identificar e contactar).

  14. Caso se admitisse a interpretação feita na sentença recorrida e o consequente enriquecimento ilegítimo da ANAC, tal significaria que liquidações de tributos manifestamente ilegais produzissem efeitos na esfera jurídica da ora Recorrente constituindo assim uma forma de confisco e implicando uma interpretação inconstitucional da norma prevista no art. 473º do Código Civil, por violação dos princípios da Legalidade, da justiça, da boa-fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica, enquanto princípios constitucionais orientadores da atuação da Administração Pública, previstos no art. 2º e 266º nº 2 CRP.

  15. Caso a A..., como se impõe em face do regime jurídico da relação tributária entre a sociedade e o INAC, venha a obter a restituição das quantias indevidamente liquidadas, deverá então refletir contabilisticamente, numa conta de provisões ou outros passivos, a responsabilidade futura pelo ressarcimento dos seus clientes, que poderão até exigir desta a restituição nos termos da relação de direito privado que os liga à companhia aérea.

  16. Assim, o instituto de...

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