Acórdão nº 00777/16.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução14 de Julho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Caixa Geral de Aposentações veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., de 30.11.2020 pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa que lhe moveu «AA» para: I. a condenação da Ré a recalcular o grau de desvalorização atribuído ao Autor, após aplicação do factor de 1,5 previsto na alínea a) do número 5 das instruções gerais, no Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades de Trabalho e Doenças Profissionais, e, em consequência, II) a condenação da Ré a pagar àquele novo montante indemnizatório, apurado em face do novo grau de desvalorização, III) a condenação da Ré no pagamento ao Autor de uma pensão anual e vitalícia, nos termos do artigo 48.º, n.º3, alínea b) da Lei n.º 98/2009, bem como, IV) a condenação da Ré a indemnizar o Autor por todas as perdas e danos sofridos pelo mesmo ao longo da sua vida activa, em consequência do acidente que o vitimou, e que quantifica em 29.631 euros.

Invocou para tanto, em síntese, que ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 34. °, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, e artigos 23. °, 47° e 48. ° da Lei n.º 98/2009, de 04.09.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A – A aplicação do fator de bonificação de 1,5 a que se referem as instruções gerais da tabela nacional de incapacidades, aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, depende antes de mais da aplicação de critérios jurídicos, nem sempre claros e coerentes (como é o caso de aplicar o fator de bonificação a todos os sinistrados afetados de IPATH ou de IPA, por não se saber muito bem o que é reconversão profissional), e não de critérios médicos.

B - O conceito de erro grosseiro imputável a autos de juntas médicas encontra-se definido na jurisprudência do STA como sendo aquele "assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo" (Acórdão do STA de 31/5/2001, processo n.º 47.029).

C - O que não é claramente o caso dos autos.

D - A aplicação do fator previsto no n.º 5 das instruções gerais da TNI depende de dois requisitos alternativos: 1 - A idade do sinistrado à data do acidente (50 anos e desde que não tenha beneficiado da bonificação) – Requisito puramento objetivo; ou 2 - Não ser o mesmo reconvertível relativamente ao posto de trabalho – Amplamente discutido na doutrina e em alguma jurisprudência quanto à sua aplicabilidade.

E - A solução de aplicar o fator sempre que o sinistrado esteja afetado de uma incapacidade absoluta (geral ou para o trabalho habitual) esvazia, por completo, a aplicação do conceito de reconversão profissional.

F - O Recorrido não se aposentou por incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções – antes foi reconvertido profissionalmente mantendo-se a exercer funções na mesma entidade empregadora pública.

G - Razão pela qual não lhe deve ser aplicado o fator de 1,5.

H - As lesões que sobrevieram do acidente ao recorrido determinaram-lhe uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de 23,1% (artigo 19.º, al. b) da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro), e uma capacidade residual para função compatível de 100%, decorrente de uma junta médica, realizada em 21 de janeiro de 2019, em sede de agravamento.

I - Por esta incapacidade entendeu o Tribunal a quo ser de atribuir cumulativa e autonomamente duas pensões: uma pela IPATH e outra pela IPP, de acordo com uma fórmula que não resulta da lei (nem da sua letra, nem do seu espírito).

J - No atual regime, mantém-se a doutrina, que conjuga o disposto na alínea b) do artigo 23.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, com o artigo 47.º do mesmo diploma.

K - A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente destinam-se a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho (cfr. artigo 48.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009), sendo que, se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: d) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição; e) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; f) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º.

L – Donde decorre, meridianamente, claro que existe uma gradação da incapacidade – que é sempre global - que determina quer o direito à prestação a reconhecer, quer a forma de fixar o seu montante, sendo que as duas primeiras correspondem a uma incapacidade para o trabalho e as restantes a uma incapacidade de ganho normal.

M - O mesmo facto decorrente do mesmo dano não dá origem a duas pensões vitalícias, mas a uma única pensão.

N - A diferente gradação das incapacidades implica que as mais graves consumam as mais leves a IPP está contida na IPATH e esta na IPA – o que se encontra espelhado nas diferentes fórmulas de cálculo acima descritas.

Assim: Para uma IPA temos uma pensão anual vitalícia de 80% da retribuição do sinistrado; Para uma IPATH, uma pensão anual e vitalícia entre 50% e 70% da retribuição, consoante capacidade funcional restante para função compatível; Para uma IPP, temos uma pensão correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade de ganho.

O - Recorrendo, aos ensinamentos de Carlos Alegre, in ob. cit., pág. 94, «Para efetuar o cálculo das prestações de uma pensão ou de uma indemnização, de acordo com os parâmetros do artigo 17.º (da Lei n.º 100/97, leia-se) é necessário ter apurado previamente os seguintes elementos:

  1. A natureza da incapacidade, que há-de corresponder a uma das seis espécies previstas nas seis alíneas do n.º 1 do referido artigo 17.º e que é fornecida pelo resultado do exame médico; (...); b) O montante da retribuição (...)» P - No caso concreto, encontra-se provado que ao sinistrado, ora Recorrido, foi verificada uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual, pelo que o mesmo tem direito à pensão anual vitalícia a que se refere o artigo 48.º n.º 3, al. b), da Lei n.º 98/100, de 04 de setembro, mas não ao capital de remição correspondente a uma mera IPP – esta está integrada nas incapacidades absolutas, seja a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho, seja a incapacidade absoluta para o trabalho habitual.

    Q - Questão diferente e muito controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência é a confluência que deve ter aquela IPP na pensão a atribuir pela IPATH.

    R - Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-03-2007 Processo 23/2007: “Se do acidente resultar redução da capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações: (...) b)- Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade;”, “O modo como se procede ao cálculo da pensão nos termos deste preceito tem suscitado divergências na doutrina e na jurisprudência.

    Começando pela jurisprudência, há que referir que o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 14.12.84 (BMJ, nº 342, pág. 275) e, mais recentemente, no Ac. de 30.10.2002 (CJ/STJ, Ano X, T. III, pág. 263) entendeu que, face ao citado preceito legal, claro é que ao juiz compete graduar a pensão entre os fixados limites mínimo e máximo de harmonia com as circunstâncias em concreto de cada sinistrado, atendendo, designadamente, à natureza e gravidade das lesões sofridas, à idade do sinistrado, às suas habilitações e qualificação profissional, ao seu estado geral e às condições do mercado de trabalho.

    O mesmo critério já havia sido seguido no Ac. RE de 3.04.79 (BMJ n° 289, pág. 394) e é também nesta mesma orientação que se insere o Ac. desta Relação de 18.02.93 (CJ, Ano XVIII, 1993, T. I, pág. 189).

    Este entendimento jurisprudencial é o perfilhado, na doutrina, por Vítor Ribeiro (“Acidentes de Trabalho - Reflexões e Notas Práticas”, 1984, págs. 317 a 319).

    Porém, o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 26.04.99 (www.dgsi.pt) considerou que resulta da alínea b) do n° 1 da Base XVI da Lei n° 2127 que, nos casos em que à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual se associa diminuição da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, a pensão deve ser graduada entre os limites aí apontados, procedendo-se ao respectivo cálculo de forma objectiva, de modo que quanto menor for a capacidade residual maior será a pensão com tendência a mais se aproximar dos 2/3. Este entendimento e fórmula subjacente foram sufragados nos Acs. da RP de 19.11.2001 (CJ Ano XXVI, Tomo V, págs. 246 a 248) e de 12.12.2005 (www.dgsi.pt) e da RC de 31.03.2005 (www.dgsi.pt).

    Em todos estes arestos se fez apelo, de modo directo ou indirecto, à crítica que à posição defendida por Vítor Ribeiro fora feita por Carlos Alegre (“Acidentes de Trabalho”, Coimbra, 1995, págs. 81 e 82) - basicamente por a mesma pretensamente não ter suporte na letra da lei.

    Porém, este último autor, em anotação à correspondente norma do artigo 17°, n° 1...

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