Acórdão nº 00413/22.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução14 de Julho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, com sede na Av. ..., ... ..., instaurou acção administrativa contra «AA», com última residência conhecida no Conjunto Habitacional da ... Bloco A 2 ..., ... ..., peticionando que seja: - decretada a cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre (que identifica na petição inicial) e devoluto de pessoas e bens; - condenada a Ré no pagamento das rendas vencidas no valor de €1 236,95 e vincendas, acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e entrega efectiva do indicado imóvel; Subsidiariamente: - caso a Ré até ao fim do prazo para a contestação venha a pagar o depósito liberatório nos termos do artigo 1041.º do Código Civil acrescido da indemnização de 30%, mas só relativamente às últimas 12 rendas, fazendo assim caducar o direito de resolução por falta de pagamento das rendas nos termos do artigo 1048.º do Código Civil, deve ainda ser a Ré não só condenada no pagamento das rendas em atraso, mas também em 30% do valor em dívida.

Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e absolvida a Ré da instância.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões: A) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo; B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.9 1 do art.29, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa; C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.9 1 do artigo 2.9, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).

D) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 d e19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.

E) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.

Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que: F) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa; G) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.

H) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.

I) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.

J) Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada.

Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).

K) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ordenando-se o prosseguimento da ação instaurada para decretamento da resolução do contrato de arrendamento e pagamento da dívida.

Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: A) Em 01.02.2009, o Autor celebrou com a Ré um contrato de arrendamento para fim habitacional em regime de renda apoiada, nos termos da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, tendo como objecto o prédio urbano sito no conjunto habitacional da Ponte ... ... ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...97 e inscrito na matriz sob o artigo ...83, freguesia ... e ..., correspondente à fracção designada pela letra “F” (cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial); B) Em 12.08.2020, o Autor enviou uma carta à Ré, da qual se extrai o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)...

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