Acórdão nº 1159/18.6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução10 de Julho de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.1. AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, BB, BB, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, CC, NN e OO, pedindo que se reconheça a qualidade de herdeira da Autora nas heranças por óbito de PP, CC e QQ, bem como o reconhecimento de que os vinhos identificados no item 1º da petição inicial pertencem a tais heranças e devem ser confiados ao respetivo cabeça de casal, para que os guarde e administre até à partilha dos mesmos, nos termos do artigo 2079º do Código Civil.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que existe um conjunto de vinhos generosos que se encontram inscritos no IVDP em nome de BB e outros, que se encontram depositados em 4 cubas seladas pelo IVDP, depositadas na Quinta ...; o direito de propriedade sobre tais vinhos, ou sobre uma parte determinada de tais vinhos, já foi discutido em várias ações judiciais, sendo que em processo de inventário foram os interessados remetidos para os meios comuns quanto a saber se as quotas indivisas de vinho aí relacionadas/reclamadas faziam parte do património dos inventariados à data do seu decesso; são antecessores da Autora e de todos os Réus, PP, falecido em .../.../2000, CC, falecido em .../.../1976 e QQ, falecido em .../.../1979, os quais eram irmãos, sendo os três os donos, em comum e em partes iguais, dos vinhos em causa; estes vinhos, em 1975, encontravam-se distribuídos por vasilhame existente na denominada Quinta ..., situada no Concelho ..., dentro da região demarcada de Vinho do Porto, quinta que pertencia aos três referidos irmãos, que ainda eram vivos; PP faleceu intestado em .../.../2000, no estado de viúvo e sem filhos nem ascendentes sobrevivos; CC faleceu intestado em .../.../1976, no estado de solteiro e sem filhos nem ascendentes sobrevivos, e QQ faleceu intestado, em .../.../1979, no estado de viúvo de RR e do seu casamento nasceram os filhos (seis) BB (1ª Ré), CC, BB, CC, NN (17ª Ré) e PP; os vinhos identificados no item 1º da petição são o que resta atualmente dos vinhos que os mesmos possuíam em 1975, posto que o remanescente, ou foi alienado no decurso do tempo, ou foi alvo de evaporação natural; tais vinhos nunca foram partilhados pelos herdeiros dos três referidos irmãos PP, CC e QQ, pelo que são pertença, em comum e sem determinação de parte ou direito, dos herdeiros dos mesmos, tendo permanecido ininterruptamente guardados na Quinta ....

*Citados todos os Réus, apenas a Ré BB apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pela Autora, e alegando, por sua vez, que o vinho em causa se mostra inscrito em conta corrente na Casa do ..., sendo propriedade de quatro irmãos, filhos de QQ, a saber, BB (tia da A.), BB (tia da A.), CC (pai da A.) e CC (tio da A.), por lhes ter sido doado pelos três primitivos donos, em comum e partes iguais; uma quarta parte da litragem do vinho em causa foi relacionada no inventário por óbito do pai da Autora, e adjudicada à contestante, mãe da Autora, e a três irmãos da Autora, tendo esta recebido as tornas respetivas.

Terminou deduzindo reconvenção, pedindo que a Autora seja condenada a reconhecer que da herança aberta por óbito de seu pai, CC, fez parte um quarto da litragem inscrita em quatro contas correntes de vinhos emitidas pela Casa do ... e constantes do seu arquivo, todas tituladas, em comum e partes iguais, pelo referido seu Pai e por BB, BB e CC, no total de 49.795 litros de vinho generoso, sendo 24.302 litros de VV (vinho velho), 19.782 litros de vinho da colheita de 1970, 5.631 da colheita de 1972 e 80 litros da colheita de 1974, bem como que a Autora seja também condenada como litigante de má-fé a pagar multa e as despesas da Ré com os honorários que terá que pagar ao Advogado.

No prazo para a contestação, os Réus NN e OO constituíram Mandatário e apresentaram rol de testemunhas.

*Na pendência da ação faleceram as Rés BB e NN e, tendo sido promovida a habilitação dos respetivos sucessores, foram habilitados como tal os seus filhos, já réus nesta ação.

*1.2.

A reconvenção não foi admitida, tendo-se proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença com o seguinte dispositivo: «Por tudo o exposto, e na procedência da matéria excecional alegada: 1º Julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:

  1. Declaro reconhecida a qualidade de herdeira da autora nas heranças por óbito de PP, CC e QQ.

    b) Julgo improcedente o demais peticionado, absolvendo os réus dessa parte do pedido.

    1. Condeno a autora como litigante de má-fé, em multa que fixo em 5 (cinco) UC, e em indemnização a favor da ré contestante, que por equidade se fixa em € 3.000,00 (três mil euros).

    »*1.3.

    Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «i. No decurso da segunda sessão de julgamento, violando todas as regras processuais, o Tribunal desatou a ouvir, em narrativas do tipo das declarações de parte, todos os réus que aí se apresentaram para prestar depoimento de parte, mesmo não tendo estes contestado, nada tendo alegado, e não tendo sido indicada a matéria sobre a qual iriam ser ouvidos.

    ii. A final, o Tribunal estribou a sua convicção nessas insólitas, inusitadas e ilegalmente permitidas “declarações de parte”, produzidas sobre factos que nem sequer podem considerar-se factos pessoais dos respetivos declarantes, violando desta forma as regras processuais de aquisição da prova.

    iii. Ainda assim, nem por essa via se logrou provar a controversa doação, contrariamente ao que a Mmª Juiz a quo ajuizou.

    Com efeito, iv. No início da 2ª sessão de julgamento deu-se um imbróglio jurídico que inquina de forma determinante toda a prova produzida e a subsequente marcha do processo, porquanto houve uma troca de palavras entre a Mmª Juiz e os mandatários forenses, relativa ao conteúdo dos depoimentos de parte e à forma como deveriam ser prestados, na sequência da qual o Ilustre Advogado Dr. SS pretendeu que alguns dos réus fossem ouvidos em declarações de parte, já que estavam a ser convocados para prestar depoimentos de parte.

    v. Não consta da gravação da sobredita audiência o requerimento para a prestação das declarações de parte (nem a delimitação destas), o consequente contraditório, nem mesmo o despacho judicial e, de igual modo, na ata não foi consignado nenhum requerimento, nem qualquer oposição ou mesmo despacho judicial.

    vi. Como tal, foi valorada prova que não foi legalmente admitida.

    vii. Além disso, foi manifestamente violado o artº 466º do CPC (e ainda o artº 452º nº 2 do CPC), porquanto foi requerida a prestação de declarações de parte de réus, por mandatário forense que não os representava.

    viii. Acresce que não foram cumpridos requisitos legais a que o requerimento de produção de prova por declarações de parte deve obedecer, nomeadamente, o dever indicar no requerimento os factos pessoais a que pretende depor.

    ix. Ademais, a parte pode requerer a produção do meio de prova “declarações de parte” quando pretenda produzir prova sobre factos por si alegados, ou por si impugnados, em que tenha intervindo pessoalmente, ou de que tenha conhecimento direto, prova por declarações de parte que carece de ser admitida por despacho judicial, no qual se fixe o âmbito dessas declarações, ou seja, se determine quais são os factos pessoais a que a parte vai depor – o que não sucedeu no caso dos autos, não tendo incidido sobre este meio de prova qualquer despacho judicial.

    x. Na verdade, a Mmª Juiz limitou-se a, desse momento em diante, admitir que os Il. Mandatários dos réus interrogassem as partes, que se aprestavam a prestar depoimento de parte a determinados factos previamente indicados e admitidos, as quais passaram a partir daí a depor com toda a amplitude a tudo o que lhes foi perguntado pelos Il. Mandatários que os patrocinavam, bem como pelos demais que patrocinavam as compartes.

    xi. Tendo erroneamente sido validadas tais declarações, servindo de fundamento à decisão do Tribunal sobre a matéria de facto precisamente a conjugação destes supostos “depoimentos de parte”.

    xii. Constitui doutrina e jurisprudência dominantes que o depoimento de parte é um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte, na qual se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo (art. 352º do Código Civil), pelo que, nesta medida, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente.

    xiii. Acresce que, consoante estatui o artº 454º nº 1 do CPC, o depoimento só pode ter por objeto factos pessoais, ou de que o depoente deva ter conhecimento, posto que, nos termos do artº 466º nº 1 do CPC, as partes podem requerer (...) a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.

    xiv. Porém, nada disto nunca sucedeu, em momento algum, e com depoimento nenhum, ao longo de todo este julgamento, em que as partes falaram sempre de factos passados na sua infância ou juventude, de que seriam intervenientes os seus pais e avós, ou seus tios avós, os quais supostamente lhes terão sido narrados em conversas de família, e que, por conseguinte, se revelaram invariavelmente serem comunicações de “ouvir dizer”.

    xv. Ora, está vedado ao julgador conferir às declarações de parte um âmbito que extravase o mero conhecimento pessoal, ou valorar depoimentos em que a parte narra aquilo a que não assistiu, mas que assinala por ter ouvido dizer, numa declaração que se limita a sustentar, repetindo, a tese já constante dos seus articulados.

    xvi. No caso concreto dos autos ainda a situação é mais grave, na medida em que as declarações de parte foram todas prestadas por réus que nem sequer contestaram a ação e que, nessa...

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