Acórdão nº 1319/21.2T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução12 de Julho de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo nº 1319/21.2T9STR, perante tribunal singular, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Competência Genérica ..., foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, p.p., pelo Artº 172 da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, na redacção dada pela Lei Orgânica nº 5-A/2001, de 26 de Novembro, em conjugação com os Artsº 39 e 41 nº1 desse diploma, com a agravação prevista no Artº 162 al. f) em conjugação com o Artº 202 e punido, caso a sua gravidade o justifique, com a pena acessória prevista no Artº 164, todos deste diploma, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), o que perfaz o montante de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros) e na pena acessória de suspensão do direito de acesso a cargo público pelo período de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo as suas motivações da seguinte forma (transcrição): 1º.

Salvo o devido respeito e com toda a consideração o Tribunal a quo estribou a condenação do arguido nos presentes autos num erro manifesto de julgamento ao dar como provados os factos 7 a 10 e 12 e 13 dos factos provados; 2º.

Tal erro assentou, essencialmente, no errado julgamento da matéria de facto nos presentes autos ao dar como provados grande parte dos factos que constam da matéria de facto dada como provada; 3º.

Ao fazê-lo o Tribunal não apreciou de forma crítica, e de acordo com as regras da experiência comum a prova constante dos autos BB (inquirida na sessão de julgamento do dia 13 de dezembro de 2022, e cujas declarações estão gravadas no respetivo sistema informático de 11:39:45 a 12:16:32), CC (inquirida na sessão de julgamento do dia 13 de dezembro de 2022, e cujas declarações estão gravadas no respetivo sistema informático de 11:17:30 a 12:32:20) e DD (inquirida na sessão de julgamento do dia 13 de dezembro de 2022, e cujas declarações estão gravadas no respetivo sistema informático de 12:32:42 a 13:06:48); 4º.

Testemunhas que depuseram de forma isenta e objetiva e que mantêm ainda hoje as mesmas funções que detinham em 16 de agosto de ... (respetivamente Chefe de Gabinete, Secretária e técnica superior com a responsabilidade de coordenar o serviço de imagem de comunicação da Câmara Municipal) são cargos de confiança pessoal do Presidente da Câmara; 5º.

Resulta dos seus depoimentos que: - O procedimento quanto a Nota informativa que foi objeto de apreciação nos autos foi o mesmo que sempre foi usado; - O conteúdo da Nota Informativa, era, como o nome indica e resulta da sua leitura, meramente informativo e vinha no seguimento de outras notas informativas que davam nota dos contactos entre o Arguido, na sua qualidade de Presidente da Câmara ..., e a Ministra da Saúde, com vista aos objetivos que estão plasmados na própria Nota Informativa, e que já constavam, nomeadamente de uma outra junta pelo Arguido aquando da sua inquirição e que constará do processo depois de fls 97; - Esta Nota não surge do “nada”, antes sendo o culminar de uma série de pedidos de reunião todos eles devidamente tornados públicos pelo mesmo meio, pelo que não foi um ato de propaganda, mas antes a manutenção do que era o normal funcionamento do Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal ...; - A própria Câmara Municipal, por iniciativa do Arguido tinha deixado de ter boletins informativos, apenas utilizando estas notas quando existem temas de relevância para o os Munícipes; - Sendo que o tema em causa tinha que ver com a situação pandémica relativa ao Covid, muito longe de estar resolvida em agosto de 2021 e que era, e se manteve, como uma matéria de prioridade máxima, e de máximo interesse para todos os Portugueses, dentro e fora do ...; - Confirmou-se a normalidade da emissão destas notas sempre que havia reuniões; - Sendo que se refere a uma reunião há muito solicitada pela Câmara Municipal e que ocorreu na data em causa fruto de reagendamentos sucessivos por parte do Ministério da Saúde; - O procedimento para a redação das notas informativas era sempre idêntico, independentemente de se estar ou não em Campanha Eleitoral, pois as notas eram meramente informativas e não havia qualquer contacto entre os Serviços Camarários para a área da comunicação e a campanha de qualquer dos candidatos; - O tema da nota era algo que vinha sendo falado e referido em outras notas há meses, e que o Arguido apenas centrou a sua preocupação na verificação da veracidade do compromisso do Ministério da Saúde, exigindo para tal que o seu conteúdo fosse validado pelo referido Ministério, fato que comprovadamente se verificou; - O impacto da publicação destas notas informativas era sempre muito reduzido.

6º.

Bem como desvalorizou para além do que imporiam as regras de experiência comum, parte dos documentos juntos aos autos e que demonstram o que acima se refere; 7º.

Porquanto a conjugação destes meios de prova, numa análise segundo as regras de experiência comum imporia um diferente julgamento da matéria de facto dada como provada, impondo que fossem dados como não provados os factos 7 a 10 e 12 e 13; 8º.

O cotejo destes meios de prova, analisados segundo as regras de experiência comum imporia, numa primeira linha a verificação da inexistência do crime pelo qual o arguido acabou condenado; 9º.

E, numa segunda linha, ainda que, erradamente, se considerasse ter sido praticado o crime, o que se alega sem conceder, a medida da pena acessória que lhe foi imposta foi-o em violação dos mais elementares princípios que determinam a determinação dessa medida, nomeadamente os do artigo 71.º do CP; 10º.

A decisão em crise, apreciou a prova produzida, nomeadamente os meios de prova referidos acima de uma forma contrária às regras de experiência comum, assim violando o artigo 127.ºdo CPP, que impõe um critério muito claro para a livre apreciação da prova, que tem em vista afastar decisões arbitrárias; 11º.

Sendo manifesto que tais meios de prova impunham decisão diversa quer no que respeita à verificação do crime, quer no que respeita á medida da pena acessória aplicada; 12º.

A mesma conclusão impõe uma análise isenta e objetiva do texto da nota informativa, mormente nas passagens que constam da própria sentença em crise, porquanto não pode tal texto ser qualificado como um texto de propaganda, porquanto: - Em momento algum se enaltece a Câmara Municipal do ou o seu Presidente de então, o arguido, pois que se anuncia uma intenção do Ministério da Saúde; - Houve o cuidado de realçar que investimento aí referido era resultante do Plano de Recuperação e Resiliência sob alçada e gestão autónoma do Ministério da Saúde; - A decisão que se refere era do Governo e não do Arguido; - Apenas foram referidos os temas em discussão, sem que fosse referida qualquer decisão quanto a qualquer dos temas.

13º.

A própria afirmação do Arguido de que o resultado da reunião teria sido uma boa noticia é proferida refere-se à saúde da população em agosto de 2021, época em que a pandemia de Covid 19 estava longe de ter terminada; 14º.

Neste contexto, que a decisão em crise ignorou totalmente, não é possível afirmar-se, que a Saúde não fosse d capital importância para a população do ...; 15º.

Sendo que também os resultados eleitorais afastam a tipificação da conduta em análise como um crime, na medida em que a conduta em causa ocorre menos de um mês e meio antes de umas eleições em que o arguido é derrotado por uma diferença de 17% dos votos, diferença já conhecida pelas sondagens nessa data, e de impossível recuperação no tempo de campanha que restava, 16º.

Factos que o tribunal a quo ignorou igualmente, e por si só suficientes para afastar o dolo, seja em que forma for, da conduta do Arguido; 17º.

A meritíssima Juiz a quo, com todo o respeito, violou com a sentença em crise, para lá dos critérios dos artigos 15.º do CP e 127.º do CPP, dos artigos 172.º, 39.º 41.º, 164.º e 202º da LEOAL com uma a interpretação extensiva dos mesmos, muito para lá da letra e do espírito da Lei, que que imporia, se vingasse, um entendimento que impediria qualquer autarca em exercício de se recandidatar; 18º.

Ou o forçaria a, fazendo-o suspender, as suas funções em período eleitoral; 19º.

Bem como bloquearia a comunicação das Câmaras Municipais de todo o País com os seus Munícipes em tempo de campanha eleitoral; 20º.

Sem conceder, andou mal igualmente a sentença em crise no que respeita aa determinação da medida da pena acessória, que foi determinada tendo em conta não a gravidade objetiva da conduta erradamente imputada ao Arguido, mas sim o facto de este ser que é; 21º.

Isto porque, após considerar que as exigências de prevenção especial eram reduzidas, a meritíssima Juiz pretendeu fazer do arguido um exemplo, em violação clara dos princípios contidos no artigo 71.º do CP (frontalmente violado), aplicando-lhe uma pena acessória acima de metade do máximo legal, com o confessado intuito de impedir o Arguido de se candidatar à presidência da Câmara Municipal ... em 2025; 22º.

Resulta do próprio texto da sentença em crise que a medida da pena foi determinada tendo conta o tempo que o processo demorou a ser decidido, de forma a impedir que o Arguido se candidatasse à Câmara Municipal ..., ou a qualquer outra em 2025; 23º.

Tivesse o processo demorado mais ou menos a ser tramitado e a medida da pena seria outra, o que viola frontalmente todos os critérios legais para determinação das medidas das penas (acessórias ou não).

Termos em que, revogando A Sentença, absolvendo o Arguido do crime que lhe é, erradamente, imputado, se respeitará o Direito, fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA! C – Resposta ao Recurso O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): 1...

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