Acórdão nº 00114/23.9BEALM de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos presentes autos em que é Autora [SCom01...] Unipessoal, Lda., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., e Réu o Centro Hospitalar ..., NIPC ..., com sede na Avenida ..., ..., foi proferida, pelo TAF de Mirandela, a seguinte decisão: Impõe-se apreciar liminarmente (art. 102.º, n.º 2 do CPTA).
Nos termos do art. 102.º, n.º 3 do CPTA constitui fundamento de indeferimento liminar a manifesta falta de fundamento das pretensões formuladas.
Como decorre do artigo 100.º, n.º 1 do CPTA o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos, além do mais, como no caso dos autos, de aquisição de bens regulado nos arts. 437.º e ss. do CCP. Assim sendo o objeto das ações de contencioso pré-contratual corresponde à anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos (art. 50.º, n.º 1 do CPTA ex vi art. 100.º, n.º 1 do CPTA) praticados no âmbito dos procedimentos de formação de contratos referenciados no art. 100.º, n.º 1 do CPTA e/ou à condenação da entidade demandada à prática dos atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados no âmbito desses mesmos procedimentos pré-contratuais (art. 66.º, n.º 1 do CPTA ex vi art. 100.º, n.º 1 do CPTA).
O contencioso pré-contratual é, portanto, uma ação de natureza principal dirigida a regular de modo definitivo a relação jurídica, isto é, destina-se a uma tutela definitiva, que não meramente provisória como é o caso da tutela cautelar (art. 113.º, n.º 1 do CPTA), que tem por objeto regular provisoriamente a relação jurídica na pendência da ação (principal) de que o processo cautelar é dependente.
Ora, o pedido formulado nos autos não se reconduz à remoção jurídica, por via da sua anulação ou declaração de nulidade, do ato de adjudicação do Concurso Público n.º 1110008/2023 – Aquisição de bens para o período de 2023 a 2025 – Gases Medicinais, nem tão pouco à condenação da entidade demandada à prática do ato administrativo ilegalmente recusado (a adjudicação do procedimento concursal à proposta apresentada pela aqui A.), mas sim à mera suspensão dos efeitos desse ato de adjudicação.
Sucede que essa pretensão não se coaduna com a tutela definitiva que é concedida pela ação de contencioso pré-contratual.
Recorda-se que no âmbito do contencioso pré-contratual urgente mostra-se previsto, no art. 103º-A o designado efeito suspensivo automático do qual decorre as “ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no n.° 3 do artigo 95.° ou na alínea a) do n.° 1 do artigo 104.° do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.” e, no art. 103.º-B, o incidente de adoção de medidas provisórias de acordo com o qual, “Nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário.” Refira-se que, como notam Mário Aroso de Almeida e Carlos (in Comentário ao CPTA, p. 847 e ss.) o “efeito suspensivo automático tem um verdadeiro alcance cautelar embora se trate de um mecanismo de tutela cautelar ex lege, na medida que desempenha a função própria da tutela cautelar, que é a de assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito da ação de impugnação, assumindo, nessa perspetiva, uma função instrumental relativamente ao pedido deduzido no processo declarativo. [...] o efeito suspensivo automático e as medidas provisórias são mecanismos processuais exclusivos do contencioso pré-contratual urgente, o que impede, como também resulta do disposto no artigo 132.°, que a este tipo de processos sejam aplicáveis as providências cautelares do regime geral e exclui a aplicação a litigios respeitantes a atos praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos não abrangidos pelo artigo 100.° a aplicação dos regimes dos artigos 103.°-A e 103.°-B”.
Mas este regime de suspensão automática da impugnação do ato de adjudicação, previsto no artigo 103.º-A, e o regime próprio de adoção de medidas provisórias no âmbito do próprio processo declarativo que consta do artigo 103.º-B, não se confunde com o próprio processo declarativo principal – de impugnação de ato administrativo e/ou condenação à prática de ato administrativo - que cumpre ao autor instaurar para, no seu seio, obter a suspensão dos efeitos do ato de adjudicação.
Ora, no âmbito da ação de contencioso pré-contratual apenas poderia haver à suspensão dos efeitos do ato de adjudicação se, primariamente, a pretensão da A. se dirigisse à anulação ou declaração de nulidade do ato de adjudicação, cumulada com a pretensão de condenação à prática de ato de adjudicação à sua proposta. Sendo que, nesse caso, a suspensão dos efeitos do ato de adjudicação seria obtido, consoante o caso, por via do efeito suspensivo automático a que se reporta o art. 103.º-A n.º 1 do CPTA ou da dedução pela autora do incidente de adoção de medidas provisórias regulado no art. 103.º-B do CPTA.
Mas não foi isso que a A. fez, nem é isso o que pretende. Na realidade, o que a autora pretende é obter, apenas e só, a suspensão de eficácia do ato de adjudicação, mas a esse efeito não se destina a ação de contencioso pré-contratual - mas sim à anulação ou declaração de nulidade do ato de adjudicação e à condenação à prática de ato de adjudicação à sua proposta -, o que determina que seja manifesta a falta de fundamento da sua pretensão.
Note-se que nesta situação não pode sequer o Tribunal convocar o...
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