Acórdão nº 02227/16.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2023

Data06 Julho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO AA, residente na Avª ..., ... - ..., intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), contra o ESTADO PORTUGUÊS, acção administrativa, peticionando a condenação deste no pagamento de indemnização no valor global de 820.000,00€ acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação.

*Em 27 de Novembro de 2022, o TAC de Lisboa, proferiu sentença que declarou parcialmente prescrito o direito de indemnização do A, e, no mais, julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R./Estado Português a pagar ao A. a quantia de 16.800,00€, acrescida de juros de mora, contados desde a citação.

*Notificado desta decisão, veio o Autor/recorrente interpôr recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal Administrativo, por entender que estão preenchidos os pressupostos que permitem a interposição deste recurso, apontando à decisão recorrida erro de julgamento de direito, no segmento que julga prescrito o direito de indemnização do A. na parte em que o mesmo se funda nos factos ilícitos e nos danos relacionados com a causa penal, que deu origem ao processo-crime nº ....LSB.

*Para tanto, o A./Recorrente, na respectiva alegação, formulou as seguintes conclusões: «

  1. Como decorre dos factos dados como provados, designadamente, os factos nºs 5, 6, 10, 24 e 45, bem como dos documentos juntos aos autos, particularmente a decisão instrutória do processo-crime (doc. ... junto à contestação), a p. i. e a sentença da ação cível, dadas por reproduzidas nos factos provados nºs 24 e 45, é incontroverso que, no essencial e ora relevante, era idêntica a factualidade imputada ao ora Recorrente quer na acusação crime, quer na ação cível.

  2. Como consta da sentença, se nos reportarmos às causas penal e cível de forma isolada, e contando o dies a quo do prazo de prescrição do direito de indemnização fundado em atraso na justiça a partir do trânsito em julgado da respetiva ação judicial, teríamos de considerar, quanto à causa penal, o dia 22 de Abril de 2004, e quanto à causa civil, o dia 25 de Março de 2015 – cfr. factos provados n.ºs 23 e 47.

  3. Porém, a sentença recorrida julgou (e bem) que, estando a factualidade das duas ações entrelaçada – tendo designadamente em conta que os fundamentos da ação cível são idênticos aos do pedido cível enxertado no processo-crime –, deve atender-se, relativamente à questão da pendência da ação cível, ao período de tempo em que o pedido cível também esteve pendente na ação penal.

  4. A divergência reside na circunstância de o tribunal ter julgado prescrito o direito de indemnização do A. na parte em que o mesmo se funda nos factos ilícitos e nos danos relacionados com a causa penal que deu azo ao processo-crime, aí se incluindo todos os danos patrimoniais invocados (uma vez que estes são resultantes dos factos ilícitos atinentes à causa penal).

  5. É que a extinção dos autos criminais por prescrição, continuando a responsabilidade do Recorrente, pelos mesmos factos, a ser apreciada no âmbito cível, prolongou a ação da justiça contra ele por causa da mesma factualidade, ou seja, por causa das supostas condutas enganadoras e dos supostos artifícios fraudulentos através dos quais teria lesado o Estado.

  6. O labéu manteve-se. Tal situação só cessou com o juízo de absolvição que veio a ser decretado na ação cível, pelo qual o tribunal verificou “não ter o Autor provado que os Réus tivessem formado qualquer desígnio específico de não prestar os serviços contratados ao demandante, e/ou mesmo que os não tenham prestado, antes resultando dos factos assente que parte dos serviços foram efetivamente prestados e que as campanhas em curso foram suspensas a pedido do próprio Estado”.

  7. Não se aceita, por isso, que seja possível cindir o conjunto constituído pela causa penal e pela causa civil, uma vez que, quanto aos factos da causa penal (que são os mesmos da causa civil), o ora Recorrente só teve “direito à paz” quando foi absolvido no processo cível, uma vez que no processo penal apenas se equacionara a prescrição do procedimento criminal.

  8. Ou seja, o ora Recorrente teve de esperar até ao termo da ação cível (24 anos), pelo cabal esclarecimento da factualidade que lhe era imputada, tendo-se, a final, emitido um juízo no sentido da sua absolvição.

  9. É por isso que se entende que a ponderação do atraso da justiça – que constitui o elemento nuclear da causa de pedir – deve abranger os danos que foram provocados ao ora Recorrente, quer pela demora da causa penal, quer pela demora da causa civil, porque ambos decorrem da mesma causa materialmente relevante, muito embora pelo decurso de dois processos distintos.

  10. Em conformidade com esta posição, não sendo possível cindir a causa penal da causa civil, para os efeitos ora em pauta, o dies a quo para o exercício do direito à indemnização que vem reclamada deve ser o do trânsito em julgado do julgamento da causa civil, ou seja, 25 de Março de 2015, o qual, assim, não prescreveu.

  11. Pelo exposto, e ressalvado o devido respeito, julgamos que o tribunal aplicou erroneamente à situação dos autos, na parte em que julgou prescrito o direito do ora Recorrente aos danos relacionados com a causa penal, o instituto da prescrição e o regime previsto no art. 5º do RRCEE e do art. 498º, nº 1 do CC.

  12. Julgada improcedente a exceção da prescrição em apreço, devem os autos baixar à 1ª instância, a fim de que seja proferida sentença relativamente ao segmento do direito reclamado pelo Recorrente que não chegou a ser apreciado, com fundamento na prescrição».

    *O recorrido contra-alegou, concluindo: «

  13. O recorrente assevera que o tribunal aplicou erroneamente o instituto da prescrição e o regime previsto no art.º 5º do RRCEE e do art.º 498º/1 do Código Civil à situação dos autos, na parte em que julgou prescrito o seu direito aos danos relacionados com a causa penal.

  14. Pugnou, assim, pela improcedência da exceção da prescrição em apreço e por nova sentença relativamente ao segmento do direito que reclamou e que não chegou a ser apreciado, com fundamento na prescrição.

  15. Não tem razão, pelos fundamentos que o R. aduziu na Contestação (em 27-01-2017) e bem assim nas Alegações de direito (em 03-10-2019), reiterando-se aqui a verificação da "exceptio" ao direito do autor, resultante da prescrição.

  16. O A. não forneceu argumento válido para obstar à preclusão do seu direito à Justiça em prazo razoável, arquivado que foi o processo-crime em 25-03-2004, ou seja, há mais de 12 anos antes de entrada a presente petição em juízo (06-10-2016).

  17. A sua evocação de jurisprudência do TEDH foi sempre desacompanhada da mínima concretização, também na fase recursiva. Restando inconcebível a subjacente diminuição de Portugal enquanto República soberana, cujos Tribunais têm legitimidade (e o dever) para julgar com independência relativamente a qualquer outra entidade - incluindo o TEDH (artigos 202º/1 e 203º da Constituição da República Portuguesa).

  18. O art.º 498º/1 do Código Civil estabelece a indicação do termo inicial do prazo de prescrição por referência ao momento do “conhecimento do direito que lhe compete”, reportando-se assim “ao conhecimento naturalístico do direito, ou seja, o conhecimento de que o direito à decisão em tempo razoável está violado de facto, e não a um qualquer trânsito final de uma decisão judicial de uma qualquer ação acessória ou paralela ao núcleo de factos que fundam o direito, efeitos e regras que conduzem à inapelável prescrição de todo o direito de indemnização por responsabilidade civil do Estado a que o autor pudesse aspirar relacionado com o processo NUIPC ....LSB.

  19. A argumentação da sentença é mais criteriosa que a do recorrente na aplicação do direito, à luz dos factos firmados, podendo constatar-se que justificou com clara e assertiva fundamentação o segmento da verificação da criticada prescrição, elucidando quanto ao fundamento específico de orientação no tocante à fixação do dies a quo da prescrição, devidamente respaldada em exemplar fundamentação assumida pelo STJ (no citado Acórdão de 22-09-2016).

  20. Em sede de prescrição, o direito de indemnização por atraso na justiça deve ser aferido face a uma ação judicial em concreto e não à globalidade das relações jurídico-processuais que se possam suscitar em torno de um determinado evento ou de uma determinada factualidade.

  21. No caso, aplicando tal raciocínio à luz de abundantes referências a jurisprudência recente dos tribunais superiores (Ac. do STA, de 19-11-2020, no processo 0506/16.0BELSB-A, Ac. do TCA Sul, de 10-12-2020, no processo 995/19.0BESNT-S1, ou Ac. do TCA Norte, de 30-10-2020, no processo 00662/19.5BEAVR), a sentença fixou o dies a quo do prazo de prescrição do direito de indemnização fundado em atraso na justiça contado a partir do termo, ou seja, do trânsito em julgado, da respetiva ação judicial.

  22. Operando a correspondente distinção entre factos ilícitos distintos consubstanciando o direito de indemnização peticionado pelo Autor, assertivamente, no limite acatou a fixação do termo da prescrição em 23-04-2007, após o decurso de 3 anos sobre a data (de 22-04-2004) do trânsito em julgado da extinção do processo – crime ....LSB. Ou, para além disso ainda, em considerando a interrupção desse prazo de prescrição por via da propositura da ação cível 1974/07.6TVLSB, no limite dos limites, reconhecendo a inexorável prescrição em 26-07-2010, após o decurso de 3 anos sobre o trânsito em julgado (em 25-07-2007) da decisão dessa ação 1974/07.6TVLSB.

  23. O tribunal a quo explanou fundamentadamente o raciocínio subjacente à declaração da prescrição do direito do A., sabendo que os factos provados são reveladores de que o A. tem perfeito conhecimento de que as causas penal e civil seguiriam a sua própria lógica, sendo inteiramente distintos, só isso podendo explicar que logo no dia 27 de outubro de 2004 - isto é, em momento em que ainda desconhecia o desfecho da pretensão indemnizatória que o Estado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT