Acórdão nº 01941/22.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A..., UNIPESSOAL, Lda.” intentou, contra o “MUNICÍPIO DA MAIA”, indicando como Contrainteressada ”B..., S.A.”, ação de contencioso pré-contratual, pedindo (cfr. p.i. a fls. 5 e segs. SITAF): «

  1. A anulação da decisão final do procedimento, adotada por despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal da Maia em 26.09.2022, que compreende, em homologação do Relatório Final, a exclusão da proposta da Autora e o ato de adjudicação do objeto do procedimento do concurso público urgente n.º ..., para “Aquisição e Instalação de Quiosque Sustentável de Apoio à designada Praceta ...”, sendo adjudicatária a contrainteressada B…..

  2. A anulação do contrato público que, entretanto, tenha sido celebrado no seguimento daquela decisão de adjudicação, entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada B… e, bem assim, dos efeitos de tal eventual contrato; C) A condenação da Entidade Demandada no proferimento de decisão que admita a proposta da ora Autora e no consequente proferimento de decisão de adjudicação a favor da mesma, por ser aquela que apresenta o mais baixo preço».

    1. Por sentença do TAF do Porto - Juízo de Contratos Públicos (TAF/Porto/JCP) de 16/12/2022 (cfr. fls. 594 e segs. SITAF) foi a ação julgada totalmente improcedente.

    2. Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), o qual, por Acórdão de 10/3/2023 (cfr. fls. 724 e segs. SITAF), negando provimento ao recurso, confirmou a decisão de 1ª instância então recorrida.

    3. Mantendo-se inconformada com este julgamento do TCAN, veio a Autora interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 771 e segs. SITAF): «1.ª Rogando o douto suprimento desse Colendo Supremo Tribunal, a Recorrente entende, pelas razões acima expendidas (cfr. Capítulo II das presentes alegações), que as questões suscitadas no presente recurso de revista se revestem de relevância jurídica fundamental ou implicam a necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, cumprindo, portanto, os requisitos de admissão previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.

    1. Tendo em conta os factos dados como provados e os aspetos de direito apreciados na decisão em crise, temos que as questões essenciais a dirimir no presente recurso são as que se seguem: Primeira: Saber se o caderno de encargos pode estabelecer exigências no que concerne aos documentos que devem obrigatoriamente constar das propostas, mais precisamente no que concerne a termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência aos quais a entidade adjudicante pretenda que os concorrentes se vinculem.

      Segunda: Saber, em qualquer caso, se as peças procedimentais podem mesmo dispensar a indicação expressa de que tais documentos devem constar das propostas quanto estão em causa termos ou condições não submetidos à concorrência que sejam considerados essenciais ou nucleares face ao objeto do contrato a celebrar.

    2. In casu, está em causa a correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea c), artigos 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, no que se reporta à exigência de que constem da proposta documentos ou aspetos que apenas são mencionados no caderno de encargos do procedimento concursal (e não no respetivo regulamento, ergo, no respetivo programa do procedimento).

    3. Para além de, no entender da Recorrente, não se afigurar correta face ao direito aplicável, a resposta dada pelo Tribunal recorrido a estas questões afigura-se controversa, colidindo, desde logo, com o entendimento que vem sendo sustentado pelo Tribunal Central Administrativo Sul.

    4. Para o Tribunal recorrido, o caderno de encargos pode exigir que os concorrentes se vinculem especificamente a determinados aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência (sem necessidade de constar do programa do procedimento – ou no convite – qualquer norma regulamentar que exija a apresentação do documento).

    5. Logo, para a decisão recorrida, a não apresentação de tais documentos constituirá uma omissão suscetível de conduzir à exclusão da proposta com fundamento no artigo 70.º, n.º 2, alínea a) do CCP.

    6. Tal entendimento, no entanto – não constituindo, ademais, jurisprudência uniforme – não está consolidado e, como tal, não tem sido seguido uniformemente pelas instâncias.

    7. O próprio Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 01-03-2019, proferido no âmbito do Processo n.º 02178/18.8BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, veio preconizar que “Só é caso de exclusão da proposta aquela que seja omissa quanto aos “atributos ou algum dos termos ou condições” que devem constar dos documentos exigidos pelo “programa do procedimento” (ou convite)”.

    8. Mais recentemente, o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu douto Acórdão de 23-03-2023, proferido no âmbito do Processo n.º 085/22.5BELSB (como documentado) veio preconizar um entendimento contrário ao que se sustenta no Acórdão recorrido.

    9. Com efeito, sustenta-se naquele aresto do Tribunal Central Administrativo Sul que o programa do procedimento é peça processual aplicável à fase de formação do contrato (cfr. artigo 41.º do CCP), e que caderno de encargos “não é a peça do procedimento adequada para definir o conteúdo de documentos que integram propostas a apresentar”, pelo que, para que a omissão de documentos relativos a termos e condições possa constituir uma causa de exclusão da proposta, o dever de apresentação de tais documentos tem de constar obrigatoriamente do programa do procedimento, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, alínea c) do CCP.

    10. O entendimento sustentado pelo Tribunal recorrido no douto Acórdão recorrido, conflitua, portanto, com o entendimento sustentado, desde logo, no Acórdão Tribunal Central Administrativo Sul de 23-03-2023, proferido no âmbito do Processo n.º 085/22.5BELSB.

    11. No caso sub judice, está assente que não consta do disposto no artigo 11.º do Programa do Procedimento qualquer exigência formal de instrução da proposta contendo um documento no qual se proceda à indicação dos aspetos que constam da Cláusula 4.ª do Caderno de Encargos, tal seja, a indicação da composição da equipa a afetar à execução do objeto contratual.

    12. Cabe, pois, determinar se (como a Recorrente aqui preconiza) apenas releva, como causa de exclusão, o deficit de instrução documental da proposta quanto a documentos exigidos pelo programa do procedimento (ou convite) e não pelo caderno de encargos.

    13. A solução para as questões colocadas implica indagações interpretativas complexas que não se bastam com a pura e simples análise da letra da lei, havendo que dar adequado enquadramento jurídico, face aos factos dados como provados, às questões essenciais acima elencadas.

    14. Sendo trivial a inclusão em cadernos de encargos de cláusulas que se ambicionam dirigidas à fase de formação do contrato, mas sem respaldo no regulamento do procedimento (programa ou convite), estão em causa questões que poderão colocar-se em futuros procedimentos, sobre as quais não existe ainda um entendimento firme e uniforme.

    15. Aliás, a segunda questão (relativa a exclusão por omissão de termos ou condições essenciais ou nucleares) afigura-se claramente inovadora ou inédita, sem que exista qualquer entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo sobre a mesma, pese embora se afigure igualmente ser de importância fundamental.

    16. O entendimento sustentado pelo Tribunal recorrido introduz um novo conceito de termos ou condições essenciais ou nucleares que, no entender daquele, dispensa mesmo exigências formais (v.g. previsão expressa no regulamento do procedimento ou mesmo no caderno de encargos), pelo que implica indagações interpretativas complexas, tendo, desde logo, de ser confrontado com o risco de incerteza e insegurança sobre o conteúdo da proposta a apresentar, avesso aos princípios da legalidade, da concorrência, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança plasmados, inter alia, no artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP.

    17. No que concerne às questões a decidir, a Recorrente entende que o Tribunal recorrido errou ao preconizar que a proposta daquela foi licitamente excluída ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea a) do CCP, isto é, por omissão de termos e condições relativas a aspetos não submetidos à concorrência.

    18. Ao contrário do que se preconiza na decisão recorrida, a Recorrente não estava obrigada a fazer constar da sua proposta um documento (composição da equipa a afetar à execução do contrato) que não se encontra previsto no programa do procedimento.

    19. Só pode configurar-se uma situação de exclusão da proposta quando a mesma seja omissa quanto a algum dos termos ou condições que devem constar dos documentos exigidos pelo programa do procedimento (ou convite).

    20. Não sendo exigida pelo artigo 11.º do Programa do Procedimento a apresentação de qualquer documento indicando a composição da equipa a afetar à fase de execução do contrato a celebrar, não podia – por força da aplicação conjugada das normas contidas nos artigos 57.º, n.º 1, alínea c), 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP – ter sido determinada a exclusão da proposta da Recorrente.

    21. Diversamente do que se sustenta no Acórdão recorrido, o disposto na Cláusula 4.ª do Caderno de Encargos do procedimento sub judice é apenas aplicável à fase de execução do contrato a celebrar.

    22. À fase de formação do contrato é aplicável o programa do concurso que, como o artigo 41.º do CCP define, corresponde ao “regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração”.

    23. O disposto na Cláusula 4.ª do Caderno de Encargos em apreço é apenas dirigido ao adjudicatário, não podendo aceitar-se – muito menos como fundamento de...

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