Acórdão nº 1711/16.4S6LSB-H.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução13 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.

A peticionante AA através do seu Advogado, requereu esta providência de Habeas Corpus (ao abrigo dos arts. 222.º e 223.º do CPP), alegando estar presa ilegalmente e, em consequência, pede a sua imediata libertação.

Para tanto, invoca, o seguinte no requerimento que apresenta: 1.º Antes de mais, a arguida invoca a presente providência de Habeas Corpus, por forma a ver tutelado o seu direito à liberdade individual ambulatória, que deve ser interpretado como um direito fundamental da pessoa e da sua própria dignidade como pessoa humana, tanto é que o referido instrumento é também proclamado em diversas legislações internacionais.

  1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura expressamente que ninguém pode ser arbitrariamente detido, razão pela qual não pode, igualmente, ser mantida a privação da liberdade com base em uma ordem de prisão ilegal, que desrespeitou o devido processo legal.

  2. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos assegura especificamente que todo o indivíduo tem direito à liberdade pessoal, pelo que segue terminantemente proibida a detenção ou prisão arbitrárias, que só poderia ser mitigado se fundamentado por lei e desde que respeitados os procedimentos legalmente estabelecidos.

  3. No mesmo sentido, é assegurado o direito a recorrer a um Tribunal a toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção, a fim de que este se pronuncie, com a maior brevidade, sobre a legalidade da sua prisão e em caso de prisão ilegal, deve ordenar a sua liberdade.

  4. A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais resguarda ainda que toda a pessoa tem direito à liberdade, pelo que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente e desde que tal prisão seja determinada de acordo com o procedimento legal.

  5. Já a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 27.º, n.º 1, reconhece e garante os direitos à liberdade individual, à liberdade física e à liberdade de movimentos e, expressamente, consagra no artigo 31.º, a providência do Habeas Corpus como sendo uma garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão arbitrária ou ilegal, a ser decidida no prazo de 8 dias.

  6. Quanto à competência para decidir sobre a providência liberatória em referência, não pairam quaisquer dúvidas de que tal incumbência recai ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme entendimento que decorre do disposto no artigo 222.º do CPP.

  7. Nesse sentido, a arguida reivindica através do presente remédio excepcional a intervenção do poder judicial para imediatamente fazer cessar as ofensas ao seu direito de liberdade, eis que a manutenção da prisão é ilegal e reveste-se de notórios abusos de autoridade, razão pela qual pretende ver restituída a sua liberdade, pois encontra-se ilegalmente privada da sua liberdade física.

  8. Portanto, através do presente Habeas Corpus, a arguida pretende discutir, em última análise, a legalidade da prisão que lhe foi imposta arbitrariamente, apreciação que deve ser confrontada à luz das normas que estabelecem o regime da admissibilidade da prisão, ressaltando que a determinação da prisão foi feita de maneira inadmissível e, consequentemente, deve ser considerada ilegal.

  9. A Arguida nunca foi notificada pessoalmente do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 24/03/2021 e não teve sequer conhecimento do alegado trânsito em julgado, certificado em 16/04/2021, situação que consubstancia um vício na tramitação processual penal e nítida afronta aos Direitos e Garantias de Defesa e viola o CPP e a CRP.

  10. A arguida não teve cabal conhecimento da Decisão Condenatória que a seu respeito foi tomada pelo Supremo, diligência que constituía uma Obrigação e um Dever do Estado de fornecer esse cabal conhecimento, em observância às Garantias de Defesa que o processo criminal deve respeitar.

  11. Nesse contexto, a arguida invoca o n.s 6 do artigo 425.º do CPP, que determina que: "O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público", diligência que jamais foi cumprida, uma vez que a arguida nunca foi notificada do Acórdão proferido no dia 24/03/2021.

  12. Ainda que se pondere que a Notificação do Acórdão tenha sido dirigida ao Mandatário que representava a arguida, a verdade é que tal notificação deveria também ter sido direcionada à arguida, conforme determina o disposto no artigo 113.º, n.º 5 do CPP.

  13. O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça possui uma superior relevância, por determinar o destino da arguida e representa uma decisão de grande impacto na esfera jurídica da pessoa do condenado, motivo pelo qual deveria ser notificado pessoalmente.

  14. No âmbito do presente processo, não foi resguardado os princípios idealizados pelo due process of law, isso porque a arguida teve indevidamente suprimida a possibilidade de se defender.

  15. A faculdade de recorrer, impugnar e de demonstrar o seu inconformismo com uma decisão condenatória está inserida no complexo de garantias que consagram o direito de defesa dos arguidos em processo penal.

  16. Pois bem, não foi adequadamente disponibilizado à arguida a possibilidade legítima de exercer os seus direitos, na vertente de propiciar o Direito de Defesa do Arguido, assim como na prossecução do Direito ao Exercício do Recurso, que acabou mitigado e até afastado pela falta de envio de notificação à arguida do Acórdão do STJ contra si proferido.

  17. Assim, a nulidade ora invocada segue evidenciada pela leitura conjunta dos artigos 113.s, n.º 5 e 425.º, n.º 6, ambos do CPP, isso porque a falta de notificação do Acórdão do STJ à arguida comprometeu irremediavelmente o seu direito ao contraditório e à ampla defesa e violou um processo equitativo.

  18. Não foi assegurado à arguida um processo equitativo, uma vez que o Tribunal desprezou os seus direitos mais básicos, tudo com base em uma ânsia inquisitorial, que desobedeceu a Lei Fundamental Portuguesa e concretamente ao seu artigo 32.º, com particular enfoque no seu n.º 1, violando claramente o Constitucionalmente garantido Direito de Defesa do Arguido no decurso de toda a tramitação processual penal.

  19. A possibilidade de exercício do seu direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das Garantias de Defesa do Arguido no âmbito do Processo Penal, pelo que constitui uma Garantia essencial de Defesa.

  20. Por estar constitucionalmente reconhecido, o Direito ao Recurso representa um inegável limite ao alegado direito sancionatório do Estado.

  21. Para sancionar um arguido, o Estado deve ter sempre um compromisso intransponível de assegurar todos os seus direitos e garantias.

  22. Ao negligenciar a notificação da arguida quanto ao Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e sem sequer assegurar essa diligência, acabou por surpreender imotivadamente à arguida, que nem sequer tinha conhecimento de já ter sido proferida uma decisão condenatória que lhe afeta e causa inúmeros transtornos, o que representou uma decisão surpresa.

  23. Ao expedir mandados de detenção sem comunicar à arguida o resultado do Acórdão, o Tribunal desrespeitou a Lei e suprimiu direitos à condenada.

  24. Por conta da ausência de notificação do Acórdão do STJ, a arguida acabou por ser presa, sem sequer ter o conhecimento prévio da decisão proferida pelo referido Tribunal Superior, o que viola os ideais de um processo equitativo e despreza a paridade de armas entre acusação e defesa.

  25. Dentre os direitos e garantias fundamentais da arguida, assumem ainda especial relevância o Direito ao Recurso e a Garantia de Defesa, que atendem como função primordial precisamente a prevenção da condenação injusta, mas, ainda assim, era imprescindível dar o conhecimento prévio à arguida da decisão desfavorável que lhe foi aplicada pelo STJ.

  26. A omissão da notificação do Acórdão à arguida, para além de impossibilitar o conhecimento e manifestação da condenada, inviabilizou a adoção de qualquer instrumento no sentido de impedir, atenuar ou até mesmo de propiciar uma preparação à arguida, do ponto de vista emocional, familiar e até profissional, para o cumprimento da pena imposta.

  27. A ausência de comunicação prévia do Acórdão proferido pelo STJ, implicou uma açodada restrição forçada da liberdade da arguida, que sequer teve disponibilizada a hipótese de reação à condenação, pelo que restou violado o direito ao recurso enquanto valor de garantia, próprio e único, enquanto uma das Garantias de Defesa Constitucionalmente asseguradas.

  28. Não estamos apenas diante de uma mera violação à Lei Processual, mas perante uma nulidade insanável, com violação de garantias constitucionais.

  29. Nesse sentido, invocamos o disposto no artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que enaltece que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias do cidadão são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

  30. O Acórdão proferido pela 3a Secção do Supremo Tribunal da Justiça, no dia 24/03/2021, não foi assinado por todos os Juízes Conselheiros que compuseram a Sessão em Conferência.

  31. Sucede que a Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB nunca assinou o referido Acórdão.

  32. Pese embora conste nos autos uma Certidão de Trânsito em Julgado, datada de 16/04/2021, o referido Acórdão do STJ não foi sequer assinado por todos os Juízes Conselheiros que compuseram a Sessão em Conferência, o que representa uma nulidade insanável.

  33. A alegada concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB, com o teor do Acórdão jamais pode ser presumida ou hipotética, pelo que demandaria a produção de prova robusta e contundente, que não existe nos presentes autos e revela flagrante nulidade.

  34. A falta de assinatura de um dos Juízes na Decisão Colectiva integra evidente nulidade, na forma do art. 668.º-l-a), 666.º-3 e 157.º-1, todos do CPC, pois estamos diante de uma omissão de um...

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