Acórdão nº 17293/20.0T8SNT-A.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução07 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.º 17293/20.0T8SNT-A.L1.S1 MBM/DM/JG Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. AA impugnou judicialmente a regularidade e licitude do seu despedimento, levado a cabo por Lidl &Cia.

  2. Na 1.ª Instância, a ação foi julgada totalmente improcedente (julgando-se inverificadas as exceções de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, de invalidade do procedimento disciplinar e de caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar invocadas pelo A., bem como existir justa causa de despedimento), tendo o respetivo valor sido fixado em 2.000,00 €.

  3. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgou-o parcialmente procedente: a) Considerando verificada a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, declarou ilícito o despedimento; b) Condenou a R. a reintegrar o A., bem como a pagar-lhe as “retribuições intercalares”, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora; c) Fixou o valor da ação em 33.248,69 €1.

    4.1.

    Interposto recurso de revista pela R., na parte que ora releva, foi decidido por este Supremo Tribunal: i) revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou ilícito o despedimento, por considerar que havia caducado o direito de aplicar a sanção de despedimento, bem como todos os demais segmentos decisórios conexos com esta decisão; ii) determinar a remessa dos autos à Relação, para que seja apreciada a matéria aí tida por prejudicada em face do decidido, aferindo-se da existência de justa causa para o despedimento do A. e demais questões eventualmente decorrentes do que venha a ser decidido neste âmbito.

    4.2.

    Por outro lado, foi decidido não se conhecer da ampliação do âmbito do recurso requerida pelo A., mormente quanto à rejeição (parcial) da impugnação da decisão de facto, por inobservância dos ónus previstos no art. 640.º do CPC.

  4. Proferindo novo acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento à apelação do A., confirmando a sentença da 1.ª instância.

  5. O A. interpôs a presente revista.

  6. A R. contra-alegou.

  7. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

  8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes: – Se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; – Se caducou o direito de instaurar o procedimento disciplinar quanto às infrações relacionadas com o incumprimento do dever de comparecer às consultas médicas; – Se existe justa causa de despedimento.

    Decidindo.

    II.

  9. Foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto: 1) Em 07.09.2020, a Ré instaurou ao Autor um procedimento disciplinar, com intenção de despedimento (…).

    2) Em 06.10.2020, foi o Autor notificado da Nota de Culpa e respetiva comunicação, com intenção de despedimento – cfr. procedimento disciplinar junto aos autos, fls. 129 a 140 e resposta dada ao artigo 5° do articulado motivador do despedimento (…).

    3) Em 20.10.2020, o Autor apresentou Resposta escrita à Nota de Culpa e requereu a junção aos autos de processo disciplinar de dois documentos, que juntou à resposta à nota de culpa, tendo ainda requerido a junção, pela Ré, do “parecer jurídico solicitado que determinou que o trabalhador Autor estava dispensado do uso de máscara e viseira” (…).

    5) Na sequência do pedido de junção de documento formulado pelo Autor na resposta à Nota de Culpa, a Ré, designadamente a Instrutora dos autos de procedimento disciplinar, procurou aferir se tal documento havia sido emitido, não tendo logrado localizar o documento solicitado pelo Autor (…).

    6) Em 09.11.2020, a Instrutora lavrou termo nos autos fazendo constar que o documento requerido pelo Autor não havia sido localizado (…).

    7) Na mesma data (09.11.2020), o Autor foi notificado, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, por e-mail, do seguinte teor: “Exmo. Senhor Dr. BB, M.I. Advogado, A LIDL & Cia. acusa a receção do seu e-mail abaixo e respetivo anexo, o qual mereceu a nossa melhor atenção.

    Com referência à Ré junção pela entidade empregadora de “parecer jurídico solicitado que determinou que o trabalhador Autor estava dispensado do uso de máscara e viseira” na resposta à nota de culpa, informa-se V. Exa. não foi possível localizar qualquer parecer jurídico sobre este assunto.

    Não tendo sido requerida qualquer outra diligência probatória, dá-se por concluída a fase de instrução.” 8) Em 03.12.2020, a Ré, na pessoa de CC, Diretor de Vendas da Direção Regional Centro, proferiu decisão de despedimento com justa causa do Autor (…).

    9) O Autor foi notificado da decisão de despedimento com justa causa em 03.12.2020 (…).

    10) Em 04.12.2020, o Ilustre Mandatário do Autor foi informado da sanção aplicada ao Autor (…).

    11) A Ré dedica-se à atividade retalhista, possuindo estabelecimentos abertos ao público em todo o país (…).

    12) O Autor foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direção da ré em 08.09.2015 (…).

    13) O Autor exercia o cargo de Sub-Chefe de Secção na Loja da Ré sita em ...° 120) (…).

    14) Em cumprimento das obrigações legais e das orientações das Autoridades de Saúde e por forma a minimizar o risco de contágio pelo vírus SARS-CoV-2 e a propagação da doença COVID-19, a Ré LIDL implementou, com efeitos a partir de 26 de março de 2020, um Plano de Contingência e um conjunto de procedimentos internos (…)..

    15) Com efeitos a partir de 3 de maio de 2020, a Ré LIDL ajustou o seu Plano de Contingência e os procedimentos internos por forma a determinar a utilização obrigatória de máscara pelos seus colaboradores e pelos clientes que acedam às lojas (…).

    16) Com a referida alteração do Plano de Contingência a Ré pretendeu acomodar a obrigação prevista no n.° 1 do artigo 13.°-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 20/2020, de 1 de maio (…).

    17) O Plano de Contingência passou a prever ainda que o acesso, permanência e utilização da Loja seria negado a quem não se encontrasse a utilizar máscara e que a LIDL informaria as autoridades e forças de segurança desse facto caso os presentes insistissem em não cumprir aquela obrigatoriedade, o que a Ré determinou em conformidade com o disposto nos n°s 5 e 6 do art. 13.°-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 (…).

    18) No dia 19.05.2020, o Autor apresentou-se ao serviço às 6h52, tendo iniciado a prestação de trabalho sem estar a utilizar máscara ou viseira (…).

    19) Pelas 10h00, DD, Chefe de Vendas, questionou o Autor sobre o motivo de não se encontrar a utilizar máscara (…).

    20) O Autor informou a Chefe de Vendas que não iria utilizar máscara devido a problemas médicos (…).

    21) Nesse dia, o Autor não apresentou qualquer documento ou declaração médica nesse sentido (…).

    22) Nessa sequência, perante a recusa do Autor para utilizar máscara, o mesmo foi dispensado nesse dia da prestação de trabalho (…).

    23) A Chefe de Vendas transmitiu ao Autor que deveria obter um documento justificativo ou declaração médica nos dias seguintes (…).

    24) O Autor registou a saída da Loja às 10h21m (…).

    25) Em 21.05.2020, o Autor gozou um dia de férias, não se tendo apresentado ao serviço (…).

    26) O Autor não prestou trabalho nos dias 23 e 24 de maio de 2020, tendo a LIDL considerado as suas ausências ao serviço como faltas justificadas (…).

    27) Entre 28.05.2020 e 28.06.2020, o Autor encontrou-se a gozar férias, tendo a LIDL acedido ao pedido do trabalhador de gozar todo o período de férias vencido a partir de dia 28.05.2020 (…).

    28) Na execução do Plano de Contingência, a Ré decidiu que os colaboradores que apresentassem atestado ou declaração médica para efeitos de dispensa de utilização de máscara seriam sujeitos a exame médico ocasional com o médico do trabalho para avaliação da condição clínica e adaptação do posto de trabalho àquela condição (…).

    29) Em 12.06.2020, o Autor enviou, por-email para o contacto da linha de apoio ao colaborador, cópia digitalizada de declaração médica subscrita na mesma data por um médico, Dr. EE, com o seguinte teor (…): “O AA sofre de patologia crónica do septo nasal pelo que não pode utilizar máscara cirúrgica ou viseira que lhe provocam dificuldade respiratória.” (…).

    30) O e-mail pessoal do Autor é .... (…).

    31) No dia 22.06.2020, a Chefe de FF contactou telefonicamente o Autor tendo-lhe indicado que, após o gozo das férias, deveria regressar ao trabalho cumprindo as normas legais e procedimentos em vigor na Ré, ou, em alternativa, apresentar Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho para justificar as suas ausências (…).

    32) Nessa sequência, no dia 22.06.2020, o Autor enviou nova comunicação para o contacto da linha de apoio ao colaborador e endereçada ao Exmo. Sr. Diretor de Recursos Humanos/Departamento Jurídico, indicando, em resumo, que não iria solicitar baixa médica e solicitando autorização para prestar trabalho sem utilização de máscara ou viseira (…).

    33) No dia 24.06.2020, o autor contactou a empresa acerca da declaração médica que apresentara, a fim de se apresentar ao trabalho (…).

    34) No dia 26.06.2020, a Ré respondeu ao Autor, via e-mail, com o seguinte teor: “Olá AA, Estamos a aguardar um parecer dos nossos advogados externos, Assim que possível serás contactado, Obrigada” (…).

    35) No dia 26.06.2020, o Autor, contactou o Centro de Saúde por correio eletrónico, relativamente à requisição de Certificado de Incapacidade para o Trabalho (…).

    36) Foi-lhe respondido por uma profissional médica, Dr.ª GG: "A baixa médica apenas está reservada a justificar incapacidade laboral por doença. Não é o seu caso. Pelo que escreve e está registado na sua ficha, o problema reside na inadaptação (uso de viseira) a um complemento obrigatório para o exercício profissional e não a incapacidade de exercício laboral por doença." (…).

    37) O Autor deveria ter regressado ao trabalho, após o gozo...

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