Acórdão nº 6854/18.7T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Notícia Explicativa AA intentou a presente acção, com processo de declaração e forma comum, contra BB, C..., Lda, Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., Mapfre, Seguros Gerais, S.A., e Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., peticionando: Quanto a danos patrimoniais A título principal a) Que as 3.ª, 4.ª e 5.ª RR. sejam condenadas no pagamento ao A. de uma indemnização pelos danos patrimoniais causados pela conduta incumpridora da 1.ª R. no âmbito do contrato de prestação de serviços, que se liquidam no montante global de € 229.035,50, a título de IVA, coimas, juros de mora, juros compensatórias e custas, referentes aos exercícios de 2014 a 2017, de acordo com a respectiva cobertura de seguro e período de vigência, nos termos contratualizados entre as 3.ª, 4.ª e 5.ª RR. e a OCC; b) Que as 3.ª, 4.ª e 5.ª RR. sejam condenadas no pagamento ao A. de juros de mora vincendos sobre a indemnização que a cada uma competir nos termos da alínea a), contabilizados à taxa legal, desde a data da citação das RR. para a presente acção até integral e efectivo pagamento.

Sem prescindir, a título subsidiário, c) No caso de se apurar que a responsabilidade das 3.ª, 4.ª e 5.ª RR. está limitada, quanto aos sinistros acima descritos, ao montante máximo de € 50.000,00, ou concluindo que os mesmos não estão cobertos total ou parcialmente pelos contratos de seguro celebrados entre a OCC e as 3.ª, 4.ª e 5.ª RR., então deverão as 1.ª e 2ª RR. serem condenadas a indemnizar o A. nas quantias que excederem a responsabilidade assumida pelas 3.ª, 4.ª e 5.ª RR. nos sobreditos contratos de seguro, ou, não estando os sinistros cobertos, pela totalidade de tais quantias, e, em qualquer hipótese, acrescidas dos juros de mora devidos nos termos da alínea anterior.

Quanto a danos não patrimoniais d) Que sejam as 1.ª e 2.ª RR. condenadas no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais, em montante nunca inferior a € 10.000,00, acrescido de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data da citação das 1.ª e 2.ª RR. para a presente acção até integral e efectivo pagamento.

Alegou que é comerciante de automóveis usados e que a 1ª Ré é contabilista certificada, exercendo actividade enquadrada na 2ª Ré.

A 1ª Ré prestou ao A. informação errada sobre o regime de IVA a aplicar na venda de viaturas que adquiriu em Estados Membros da União Europeia, em consequência do veio a ser alvo de inspecção pela Autoridade Tributária no resultado da qual acabou a ter de pagar valores de IVA em falta e coimas e custas, em valor superior a duzentos mil euros. Sofreu igualmente danos não patrimoniais.

As 3ª, 4ª e 5ª Rés seguraram a actividade da 1ª Ré.

As Rés BB e C..., Lda, contestaram impugnando parcialmente os factos alegados pelo Autor e declinando a sua responsabilidade.

Afirmaram que o A. sabia qual o regime de IVA a aplicar às transações nacionais de veículos automóveis adquiridos em Estados-Membros da União Europeia sob o regime da margem, teve acesso ao diploma legal e bem assim a toda a informação necessária para o correcto enquadramento fiscal, devendo na data da aquisição, saber se estava perante compra considerada intracomunitária isenta de imposto na transmissão, ou perante uma aquisição enquadrada no regime da margem, certificando-se junto do revendedor do Estado-Membro respectivo qual o regime que este enquadrou a operação, era ele quem escolhia e negociava a aquisições, era ele quem estipulava o preço das suas revendas e beneficiou do lucro das suas transações, foi quem emitiu as facturas fazendo consignar o regime especial da margem, foi quem desconsiderou a hipótese legal e viável de reivindicar um tratamento fiscal mais favorável e mais optou por apresentar as declarações de Iva, liquidando o imposto adicional.

As Rés seguradoras contestaram, defendendo-se por excepção de caducidade (Ré Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e Mapfre Seguros Gerais, S.A.) e por impugnação.

Invocou a Ré Ageas, reconhecendo a existência do contrato com a OTOC – Apólice ...84 – que teve o seu início em 01 de Abril de 2012 e termo em 31 de Março de 2015.

A partir da renovação de 01 de Abril de 2014, o período de reclamação ao segurado ou directamente ao segurador, durante o período de vigência do contrato, ou, se desconhecidos das partes durante a vigência do contrato, passou de doze meses subsequentes ao termo do contrato para 24 meses.

Nem o A., nem as 1ª e 2ª Rés, durante este período, reclamaram.

Assim, o termo do contrato deu-se em 31.03.2017 (24 meses sobre 31.03.2015), os presentes autos foram intentados em 9.10.2018 e a Ré Ageas foi citada em 24.10.2018.

O contrato celebrado entre o A. e a 2ª Ré não foi reduzido a escrito.

A OCC em 01 de Abril de 2015 celebrou novo contrato de seguro de responsabilidade profissional com a Mapfre.

A proceder alguma responsabilidade da contestante Ageas, a Ré só poderá responsabilizada pelos valores relativos ao período de 1.01.2014 a 31.03.2015 – 4 trimestres de 2014 e 1º trimestre de 2015.

A Ré Allianz Portugal, S.A., admitiu a celebração do contrato de seguro de grupo obrigatório de responsabilidade civil dos contabilistas certificados – conforme Apólice nº ...33 – cuja vigência se iniciou em 01.04.2016 e que foi renovada automática e anualmente a partir de 01.04.2017 e de 01.04.2018.

Não lhe pode ser imputado o pagamento dos impostos devidos pelo sujeito passivo à AT. A existir dever de indemnizar (quanto a quantias relacionadas com coimas, execuções fiscais e juros de mora e compensatórios), no máximo a responsabilidade da contestante ficaria limitada a € 19.558,94.

A Ré Mapfre admitiu a celebração do contrato de seguro de grupo obrigatório de responsabilidade civil dos contabilistas certificados e com período de vigência desde 1.4.2015 até 31.3.2016, excepcionando que o sinistro não lhe foi reclamado antes da citação, nem no prazo de vigência do contrato nem nos 24 meses subsequentes, e excepcionando também a sua ilegitimidade porque o contrato de seguro foi celebrado em regime de co-seguro.

As Decisões Judiciais Na sentença proferida na Comarca, a acção foi julgada improcedente, e, em consequência, absolvidas todas as Rés do pedido.

Tendo a A. interposto recurso de apelação, a sentença veio a ser parcialmente revogada, em consequência: 1 - declarado nulo, por preterição de forma legal, o contrato de prestação de serviço a que se refere a al. X) dos factos provados, celebrado entre o Autor e a 2ª Ré, não se determinando a restituição do prestado por ausência de elementos nos autos; 2 - condenadas as 3ª, 4ª e 5ª Rés no pagamento ao A. do montante de juros compensatórios por este pago à Autoridade Tributária, relativamente aos exercícios fiscais dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, na medida da vigência contratual de cada um dos contratos de seguros sucessivamente celebrados com as ditas Rés seguradoras, montantes a apurar em liquidação do presente acórdão; 3 - e aos quais montantes acrescerão juros de mora à taxa legal fixada para os juros civis, contados do dia 25.10.2018.

4 - Absolvidas as 3ª, 4ª e 5ª Rés de todo o mais contra elas pedido na al. a) do pedido à inicial.

5 - Mantida a absolvição das 1ª e 2ª Rés de pedido de indemnização por danos não patrimoniais (al. d) do pedido à inicial) e mantêm, ainda que por razões diversas, a absolvição das mesmas Rés relativamente ao pedido subsidiário constante da al. c) do pedido à inicial.

Inconformado ainda o Autor, vem agora recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: I – Da Verificação dos Pressupostos da Responsabilidade Civil 1. Resultam dos factos julgados provados sob as letras V, X, DD, EE, MM, NN e OO que a Recorrente utilizou indevidamente o regime especial de tributação pela margem de lucro fruto da prestação de serviços de contabilidade por parte da 1.ª Ré; 2. Aliás, tal acaba por ser reconhecido pelo Tribunal a quo ao entender, quanto aos juros compensatórios, “(…) já se a 1ª Ré tivesse cumprido com os deveres acima explicámos, o pagamento da parte do imposto em falta não teria sido retardada (…).” 3. Ou seja, desta factualidade deve-se concluir que não só foi alegado um concreto conjunto de actos praticados pela Recorrida que levaram impreterivelmente aos danos causados, isto é, à liquidação incorreta do IVA e a consequente correcção em momento em que a Recorrente não tinha capacidade financeira, sem recorrer a financiamento externo, para o liquidar, como este conjunto de actos resulta dos factos dados como provados; i) Da Ilicitude 4. A atuação da Recorrida, mormente a prestação de serviços de contabilidade em violação das regras deontológicas e fiscais aplicáveis, deve ser qualificada como ilícita, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, 2.º Parte do C.C., como de certo modo entendeu o Tribunal a quo; 5. Com efeito, resulta do artigo 5.º, n.º 1 do Código Deontológico dos Contabilista Certificados, que estes são responsáveis por todos os actos que pratiquem no exercício da sua profissão, sendo que, por outro lado, do artigo 7.º, n.º 1 desse mesmo diploma resulta que estes devem aplicar os princípios e as normas contabilísticas de modo a obter a verdade da situação financeira e patrimonial das entidades a quem prestam serviços; 6. É claro dos factos dados como provados nos autos que a actuação da aqui Recorrida não se pautou pelos deveres legais e deontológicos que sobre ela impendiam, desde logo, note-se, como bem referiu o Tribunal a quo, a 1.ª Ré “(…), não se comportou, dito assim de modo simples, como contabilista certificada, incumprindo grosseiramente todos os deveres acima mencionados, e desde logo e manifestamente, a sua autonomia técnica (…).”; 7. Tais normas imperativas preteridas pela aqui Recorrida visam não só tutelar um eventual interesse geral de tutela da legalidade fiscal, mas também tutelar diretamente os interesses particulares das pessoas que entram em contacto com os contabilistas certificados, recorrendo aos seus serviços; 8. Mais, é natural que...

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