Acórdão nº 1721/17.4T8VIS-A.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023
Magistrado Responsável | AFONSO HENRIQUE |
Data da Resolução | 06 de Julho de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO) I - AA e BB, residentes em ..., intentaram contra: CC, DD, residentes em ..., e outros, execução para pagamento de quantia certa de €762.800, sendo 475.000 de capital e o resto de juros, mais juros de mora vincendos, com base em declaração de dívida.
Os executados deduziram embargos alegando, em síntese, que: - O exequente é accionista da executada J..., SA, e como tal, fez suprimentos à mesma, não podendo pedir à referida sociedade, nos termos e circunstâncias em que o fez, o pagamento de tais suprimentos e muito menos pode exigir o pagamento de tais suprimentos/empréstimos, feitos à sociedade, aos ora embargantes.
Os exequentes contestaram alegando, em suma, que: - A declaração de dívida que serve de fundamento à presente execução foi livremente assinada pelos executados ora embargantes, correspondendo à sua vontade expressa naquele documento, por saberem que tal documento reflectia a verdade do que fora acordado, entre exequentes e executados.
O Tribunal de 1ª Instância julgou os embargos improcedentes.
II – Os embargantes recorreram daquela sentença e o Tribunal da Relação, por acórdão, de 9-11-2021, julgou procedente o respectivo recurso, “revogando a sentença apelada, e, consequentemente, se declarando extinta a execução.” III – Os embargados/exequentes, por sua vez, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça/STJ, tendo este, por acórdão de 8-9-2021 decidido do seguinte modo: “(…) Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente: A - eliminar as respostas afirmativas dadas pelo Tribunal da Relação à factualidade constante das alíneas d), e), f) e g) dos factos dados como não provados e supra descrita nos n°s 19, 20, 21 e 22, mantendo-se as respostas negativas dadas pelo Tribunal de 1a instância a esta mesma factualidade; B - mandar baixar os autos ao Tribunal da Relação para decidir da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelos embargados no que respeita aos factos dados como provados pelo Tribunal da 1a Instância no n° 18 e aos factos constantes das alíneas a) e c) dos factos não provados, e, na decorrência disso, julgar em conformidade.
(…)” IV – Reenviados os autos para o Tribunal da Relação, por acórdão de 9-11-2021, foi proferida a seguinte decisão: “(…) Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a sentença apelada, e, consequentemente, se declarando extinta a execução.
(…)” V – Os exequentes/embargados, voltaram a recorrer para o STJ, o qual, por acórdão de 31-2-2022, decidiu o seguinte: “(…) Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder parcialmente a revista interposta pelos recorrentes e, consequentemente, anular o acórdão recorrido e determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para, de harmonia com o disposto no art. 682°, n° 3 do CPC, suprir a contradição factual supra identificada no ponto 3.2.4 e, na decorrência disso, decidir novamente de direito.
(…)” VI – Na sequência do novo reenvio ordenado pelo STJ, o Tribunal da Relação, em 31-3-2022, proferiu um terceiro acórdão, com voto de vencido – parte decisória: “-…- Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a sentença apelada, e, consequentemente, se declarando extinta a execução.
-…-” VII – Os exequentes/embargados vieram, mais uma vez, recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça/STJ, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1 - Cumpre antes de mais consignar que foi com de novo grande surpresa que os recorrentes receberam a decisão de que se recorre, e que é um acórdão produzido na sequência de um douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que mandou descer os autos para nova decisão.
2 - Na verdade, esta é a terceira vez que os embargados recorrem a este Supremo Tribunal.
3 - Sendo que sevêem forçados a fazê-lo, desta feita, porque parece não ter sido entendido por dois membros do colectivo de juízes do tribunal a quo a determinação constante do último acórdão deste Supremo Tribunal.
4 - Efectivamente, decidiu o tribunal ad quem no ultimo Acórdão proferido nos autos “anular o acórdão recorrido e determinar abaixa do processo ao Tribunal da Relação para, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº3 do CPC suprir a contradição factual supra identificada no ponto 3.2.4 e na decorrência disso decidir novamente de direito.” 5 - Por sua vez, no ponto 3.2.4 do Acórdão, os Srs. Colendos Juízes Conselheiros consideram que o tribunal a quo não poderia ter considerado provados factos que contrariam o documento escrito particular celebrado entre exequentes e executados.
6 - Que o Supremo Tribunal considerou ser um documento particular que integra uma confissão extrajudicial, qual seja, a de que os executados são devedores aos embargados da quantia de 545 mil euros, nos termos do art. 358º, nº2 do Código Civil.
7 - Que se reveste de força probatória plena contra o confitente (força probatória material).
8 - E diz mesmo o Supremo Tribunal que “A confissão contida no ponto 1 da referida declaração de que são devedores aos segundos outorgantes da quantia de 545 mil euros, subsiste, integra, ficando deste modo, plenamente provado este facto.” 9 - Concluindo que “não tendo os embargantes contrariado a prova plena do documento particular em causa, com base na falsidade do documento, (arts. 347º e 372º, nº1, ambos do Código Civi), ou mediante a prova dos alegados factos integrativos de erro ou de vicio da vontade (cfr. Factos dados como não provados) susceptíveis de determinar a nulidade ou anulação da confissão e resultando provado no ponto 18 que “os embargantes assinaram o documento referido em 2 de forma livre e espontânea”, não há dúvida que os factos dados como provados pelo Tribunal da Relação nos pontos 3-A e 3-B contrariam esta realidade”.
10 - E determina “daí que, e perante tal contradição se imponha, ao abrigo do art. 682, nº3 do CPC, determinar a baixa do processo à Relação para suprir esta contradição em ordem a viabilizar a adequada decisão jurídica do presente litígio.” 11 - Ora, os pontos 3-A e 3- B têm o seguinte conteúdo: 3-A - O documento referido em 2. e 3. não corresponde à realidade, uma vez que apenas foram feitos empréstimos à sociedade e não aos executados para o exercício do comércio pelos mesmos, por si e enquanto casal; 3-B - os executados não quiseram vincular-se ao teor do documento referido em 2 e 3.
12 - Só que o tribunal a quo manteve na decisão recorrida a redacção do facto 3-A e; alterou a redação do facto 3-B apenas nos seguintes termos “os executados não quiseram vincular-se ao teor do documento referido em 2. / Pontos 2 e 3.
13 - Ora, acompanhando o voto vencido do Venerando Desembargador, tendo em consideração a ponderação feita no acórdão do STJ, afigura-se que estes factos têm de ser declarados não provados porque contrariam frontalmente a declaração de dívida assinada por exequentes e executados que configura uma confissão por parte dos executados perante os ora exequentes.
14 - De acordo com o art. 352º do CC, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
15 - Ou seja, desfavorável neste contexto é não só a declaração de que são devedores, mas de que o são pessoalmente e em conjunto com a empresa.
16 - Mas desfavorável é também, neste contexto, a declaração de que o documento é expressão da sua livre e espontânea vontade, uma vez que este facto desde logo lhes retira qualquer possibilidade devirem a invocar que não quiseram vincular-se ao teor do documento, cujo conteúdo também ali declaram conhecer.
17 - Todos estes factos - o reconhecimento da sua qualidade de devedores pessoais, a livre e espontânea vontade com que assinam e se vinculam ao documento, bem como o conhecimento que afirmam nele ter do conteúdo do mesmo, são confissão da existência da divida e do seu reconhecimento livre e válido, no contexto ali afirmado e descrito.
18 - E assim sendo, logicamente, sob pena de violação do art. 358º, nº 2 do CC, os factos provados 3-A e 3-B têm que ser considerados não provados.
19 - O que deve desta feita ser determinado pelo tribunal ad quem, seguindo-se a consequente aplicação do direito ao caso concreto, nos termos que a seguir melhor detalharemos.
20 - Sem conceder, mesmo que se entenda que assim não é, defendem os recorrentes, com o devido respeito que, o tribunal ad quem está em condições de aplicar o direito com os factos que estão provados, 21 – E, designadamente com a nova redação do facto provado 3B.
22 - É que mesmo que os executados não tenham querido vincular-se aos pontos 2 e 3 do 2, como defende o tribunal recorrido...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO