Acórdão nº 398/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução20 de Junho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 398/2023

Processo n.º 825/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Juízo do Trabalho de Valongo, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal em 21 de junho de 2022.

2. Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Juízo do Trabalho de Valongo decidiu recusar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do n.º 2 do artigo 68.º da Lei 98/2009, «ao permitir que o subsídio para readaptação de habitação tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida».

Na parte que releva, pode ler-se na sentença recorrida (fls 231 e segs):

«Conclui-se, pois, que o art. 68.° n.° 2 da Lei 98/2009, ao permitir que o subsídio para readaptação de habitação tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, assim colocando o sinistrado em acidente de trabalho em situação de desvantagem económica e impedindo-o de beneficiar dessa assistência, é inconstitucional, por violação do direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, estatuído no art. 59.º n.° 1 al. f) da Constituição.

Recusando-se, pois, a aplicação da mencionada norma, com fundamento em inconstitucionalidade, tomando como base de cálculo o valor da retribuição mínima mensal garantida à data do acidente - tal como era a solução do art. 24.° da Lei 100/97 deverá esta prestação fixar-se, à data do acidente (15.01.2019) em € 600 x 12 = € 7.200.»

3. O recorrente apresentou alegações, de que se extraem as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

41. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a) da LTC, da sentença proferida, em 28 de junho de 2022, pelo Juízo do Trabalho de Valongo, nos autos de acidente de trabalho n.º 71/20.3T8VLG, que recusou, com fundamento na violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa, a aplicação do artigo 68.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009 (LAT).

42. Na douta sentença recorrida decidiu-se, “em sentido convergente” com a doutrina dos doutos Acórdãos n.º 151/2022 e 194/2022, ser de recusar a aplicação da norma do artigo 68.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, estatuído no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa, na medida em que “permit[e] que o subsídio de readaptação da habitação tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, assim colocando o sinistrado em acidente de trabalho em situação de desvantagem económica e impedindo-o de beneficiar dessa assistência (…)”.

43. Com efeito, dado o n.º 2 do artigo 68.º da LAT estabelecer que o subsídio para readaptação da habitação tem como limite máximo o montante de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, decidiu o Tribunal a quo – e a nosso ver bem- ser essa norma incompatível com o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Lei Fundamental e enfermar, por isso, “de inconstitucionalidade quer seja vista como um estreitamento do conteúdo do direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho, quer seja encarada como uma solução deficitária do ponto de vista do nível de efetivação daquele direito que a Constituição impõe ao legislador”.

44. Como bem decorre da fundamentação em que assenta a decisão recorrida, tomando como base de cálculo o limite de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, à data do acidente (cfr. citado n.º 2 do artigo 68.º), o sinistrado vítima de acidente de trabalho a quem seja devida - por força da sua incapacidade permanente para o trabalho e necessidade da readaptação da sua habitação - a prestação única e em dinheiro correspondente ao «subsídio para readaptação da habitação» (cfr. artigos 23.º, alínea b) e 47.º, n.º 1, alínea i) da LAT), acabará por receber um montante que se situa aquém do valor correspondente a 12 vezes a retribuição mínima mensal garantida (RMNG).

45. Daí que constitua objeto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do n. º 2 do artigo 68.º da LAT ao «permitir que o subsídio para readaptação de habitação tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida».

46. O artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa preceitua que «Todos os trabalhadores (…) têm direito a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional».

47. Na douta sentença recorrida, datada de 22 de junho de 2022, julgou-se estar o sinistrado B. afetado de uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 93% com IPATH, condenando-se, por isso, as entidades responsáveis – “A. S.A.” e “C., Lda.” - a pagarem-lhe, na medida das suas responsabilidades, a pensão anual e vitalícia, atualizável, no valor de 9.231,65, desde 2 de julho de 2020, data da alta.

48. Para além disso a responsável seguradora foi ainda condenada, entre outras prestações, no pagamento ao sinistrado do montante € 7.200 a título do subsídio para readaptação de habitação, calculado em conformidade com o limite máximo de 12 vezes o valor da remuneração mensal mínima garantida à data do acidente.

49. No âmbito do Acórdão n.º 151/2022, em cuja doutrina assenta, na sua maior parte, a fundamentação da douta decisão recorrida, foi decidido, pese embora por referência à prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, «julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma constante do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa se situe aquém do montante correspondente à remuneração mínima mensal garantida».

50. Subscrevendo-se, na integra, essa decisão de inconstitucionalidade quanto à norma do artigo 54.º, n.º 1 da LAT, transcreveram- se supra, no ponto 12 e que aqui se dá por reproduzido, o conjunto de argumentos e fundamentos constantes desse douto aresto e, aliás, adotados pelo Tribunal a quo, dado que, como bem se refere na sentença recorrida, os mesmos apontam em sentido convergente com o entendimento de que, quanto ao caso dos autos, a norma do artigo 68.º, n.º 2 da LAT - quer “seja vista como um estreitamento do conteúdo do direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho, [quer] seja encarada como um solução deficitária do ponto de vista do nível de efectivação daquele direito que a Constituição impõe”“é incompatível com o que dispõe o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental e consequentemente (…) enferma de inconstitucionalidade”.

51. Na verdade a leitura desse douto Acórdão n.º 151/2022 (vide também Acórdão n.º 194/2022) permite, muito esclarecidamente, não só compreender a evolução e aspetos essenciais do atual regime legal de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais como apreender a modalidade, natureza e função reparadora de diversas prestações em dinheiro previstas na LAT, incluindo o subsidio para readaptação da habitação (vide artigos 47.º, n.º 1, alíneas c), d) e h) e i) 47.º n.º 3) nos casos em que, do dano emergente de acidente de trabalho, resultou uma incapacidade permanente absoluta que retirou ao sinistrado a possibilidade de prover à satisfação das suas necessidades.

52. Mais permitindo, com das devidas adaptações, dada a similitude da problemática em causa verificar e considerando que in casu estamos perante uma prestação pecuniária de atribuição única, não só acompanhar como verificar «se e em que medida o direito dos trabalhadores à justa reparação em caso de infortúnio laboral, consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, impõe [ou não] ao legislador a previsão de uma prestação adicional e autónoma, que permita ao sinistrado fazer face a essa situação de dependência em que se viu colocado em consequência do tipo e ou nível de incapacitação originado pela lesão resultante do acidente» bem como determinar, à luz desse preceito constitucional, se neste caso do subsídio para readaptação da habitação «o legislador pode fixar-lhe um limite máximo inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.»

53. O artigo 23.º da LAT consagra, como princípio geral relativo ao direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, duas modalidades de prestações: a) em espécie – “as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa”; b) em dinheiro – “indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos” .

54. Ora, nos termos da alínea i) do artigo 47.º da LAT, o subsídio para readaptação de habitação constitui uma das modalidades dessas prestações em dinheiro, à semelhança aliás das demais prestações pecuniárias legalmente definidas - vide artigos 48.º, n.º 1 (indemnização por incapacidade temporária); 52.º, n.º 2 (pensão provisória); 48.º, n.º 2 (indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho); 67.º, n.º 1 (subsídio por situação de elevada incapacidade permanente); das 65.º, n.º...

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