Acórdão nº 387/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023

Data07 Junho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 387/2023

Processo n.º 536/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. RELATÓRIO

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 7 de dezembro de 2021.

2. A Fazenda Pública recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela aqui recorrida após o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou com o objetivo de ver corrigida a autoliquidação de IRC relativa à tributação autónoma incidente sobre encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e viaturas, suportados até 5 de dezembro de 2008, inclusive, com consequente reembolso da diferença apurada, no valor de 6.300,12€.

O Tribunal Central Administrativo Sul, através do acórdão prolatado em 7 de dezembro de 2021, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

No acórdão recorrido, o Tribunal a quo recusou a aplicação, com fundamento na violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que determina a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (referido adiante pela sigla «CIRC»).

3. Interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, o recorrente foi notificado para alegar nos termos no artigo 79.º da LTC, o que fez, tendo formulado as seguintes conclusões:

«[…]

1.ª) O Ministério Público interpõe recurso, para ele obrigatório, nos termos do disposto no “art. 280°, nº 1, alínea a) e nº 3 da Constituição da República Portuguesa, e dos arts. 70°, n.º 1, alínea a), 72°, n.º 1, alínea a), e nº 3, 75º nº 1 e 75º A nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional, Lei 28/82, de 15.11 […] porquanto o [acórdão] em causa não aplicou a norma contida no art. 5º nº 1 da Lei 64/2008 de 05.12 por inconstitucionalidade da mesma, porquanto viola a proibição consagrada no art. 103 nº 3 da Constituição da República Portuguesa […] norma cuja inconstitucionalidade se pretende [ver] apreciada pelo Tribunal Constitucional […]” (fls…. ).

2.ª) Na alegação de recurso que apresentou no processo n.º 121/2012, do Tribunal Constitucional – 2.ª secção, o Ministério Público concluiu no sentido da inconstitucionalidade material da norma tributária agora impugnada (artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro)”, nos termos seguidamente sumariados.

3.ª) “A Constituição, na Quarta revisão constitucional, operada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, estabeleceu a seguinte proibição: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retractiva (…)” (CRP, art. 103.º, n.º 3).”

4.ª) “A norma a apreciar consta das disposições conjugadas dos artigos 1.º-A (Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) e 5.º (Produção de efeitos), n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, ambas com referência à nova redação do artigo 81.º (Taxas de tributação autónoma), n.º 3, alínea a), do CIRC, em matéria da taxa de tributação autónoma aplicada aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.”

5.ª) “Esta norma agravou a taxa de tributação autónoma da lei antiga, que duplicou de 5% para 10% e, embora tenha entrado em vigor em 6 de dezembro de 2008, veio a incidir sobre factos tributários (no caso, encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros) ocorridos desde 1 de janeiro do mesmo ano de 2008, ou seja, antes da sua entrada em vigor.

6.ª) Do ponto de vista das concretas características dos factos tributários em causa, “autoexecutivos”, tributados ato a ato e a uma taxa autónoma, o agravamento da taxa de tributação autónoma vai incidir sobre efeitos já (material, ainda que não administrativamente) consumados.

7.ª) É, por conseguinte, em qualquer caso, uma lei fiscal “desfavorável” e “retroativa” e, portanto, materialmente inconstitucional, por infringir a proibição de impostos com natureza retroativa (CRP, arts. 103.º, n.º 3 e 277.º, n.º 1).”

8.ª) O correspondente douto acórdão n.º 310/2021, de 20 de junho, do Tribunal Constitucional – 2.ª secção, veio a julgar, em conclusão, o seguinte: “Assim, não pode a lei, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, determinado a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, violou a referida proibição constitucional.”.

9.ª) Ulteriormente, o acórdão n.º 85/2013, de 5 de fevereiro, do Tribunal Constitucional - Plenário, invocando e sufragando a fundamentação do acórdão n.º 617/2012, proferido em 19 de dezembro de 2012, decidiu “a) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal”.

10.ª) Assim sendo, em coerência com a tese de inconstitucionalidade material reiteradamente propugnada pelo Ministério Público no contencioso constitucional versando sobre a norma jurídica constante do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que a mesma faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, e em virtude do mesmo de sufragar, in toto, o aludido precedente constitucional, é de reiterar e, assim, de manter o julgamento do acórdão recorrido, de 7 de dezembro de 2021, neste ponto de constitucionalidade, quando conclui precisamente que “Não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, ao determinar a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição” (fls. 26v.º)

Nos termos expostos, por não concorrer erro de julgamento do acórdão recorrido, de 7 de dezembro de 2021, antes ter sido feita boa resolução, da questão de constitucionalidade em causa, concluímos que é de negar provimento ao presente recurso obrigatório».

4. Notificada para o efeito, a recorrida não apresentou contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

5. Constitui objeto do presente recurso a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, no segmento em que determina que a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (referido adiante pela sigla «CIRC») introduzida pelo artigo 1.º-A da referida Lei produz efeitos desde 1 de janeiro de 2008.

Louvando-se particularmente na jurisprudência do Tribunal Constitucional exarada, primeiro no Acórdão n.º 617/2012 e, seguidamente, no Acórdão n.º 85/2013, que para aquele remeteu, o Tribunal recorrido recusou a aplicação da referida norma ao caso sub judice com fundamento na violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.

O primeiro dos referidos arestos, tirado, tal como o segundo, em Plenário, decidiu «[j]ulgar inconstitucional, por violação do n.º 3, do artigo 103.º, da Constituição, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração...

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