Acórdão nº 17605/21.9T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução23 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.o 17605/21.9T8LSB.L1.S1 MBM/JG/RP Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

1.

AA peticionou, na presente ação, a condenação de Sotagus Terminal de Contentores de Santa Apolónia, SA, a pagar-lhe a quantia de 137.731,19 € (acrescida de juros de mora), sendo 96.417,57 € relativos à inclusão na retribuição das férias e nos subsídios de férias e de Natal da média do valor pago a título de trabalho suplementar nos anos de 2002 a 2005, 2007 a 2014, 2015, 2017 e 2018 e 41.313,62 € relativos a dias de descanso compensatório não gozados.

2.

Por seu turno, na apensa ação n.o 20169/21.0T8LSB, BB peticionou a condenação de Liscont Operadores de Contentores, SA, a pagar-lhe a quantia de 97.613,18 € (acrescida de juros moratórios), também relativa relativos à inclusão na retribuição das férias e nos subsídios de férias e de Natal da média do valor pago a título de trabalho suplementar nos anos de 2008 a 2019 e a dias de descanso compensatório não gozados.

3.

Na 1.a Instância foi proferida sentença a julgar as ações parcialmente procedentes e, assim, a condenar: – A R. Sotagus, a pagar ao A. AA: i) as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias referentes aos anos 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2019 com vencimento no dia 1 de Janeiro dos anos imediatamente subsequentes, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias; ii) as diferenças salariais no subsídio de Natal referentes aos anos 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2019 dos anos resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento do subsídio de Natal.

– A R. Liscont, a pagar ao A. BB: i) as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias referentes aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 com vencimento no dia 1 de Janeiro dos anos imediatamente subsequentes, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias; ii) as diferenças salariais no subsídio de Natal referentes aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 dos anos resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por a título de trabalho suplementar com referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento do subsídio de Natal.

– Ambas as rés, a pagar aos autores juros de mora vencidos e vincendos.

4.

Interposto recurso de apelação pelas RR., foi o mesmo julgado parcialmente procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que decidiu: – Alterar oficiosamente os pontos 5. e 58. da decisão de facto.

– Condenar a R. Sotagus a pagar ao A. AA apenas as diferenças salariais resultantes da inclusão dos valores médios recebidos pelo trabalhador a título de trabalho suplementar nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2019, na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos no dia 1 de Janeiro de cada ano imediatamente subsequente aos indicados anos, com referência aos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias.

– Condenar a R. a R. Liscont a pagar ao A. BB apenas as diferenças salariais resultantes da inclusão dos valores médios recebidos pelo trabalhador a título de trabalho suplementar nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2019, na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos no dia 1 de Janeiro de cada ano imediatamente subsequente aos indicados anos, com referência aos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias.

– Condenar ambas as rés a pagar aos autores juros de mora vencidos e vincendos.

– Absolver ambas as rés quanto ao mais peticionado.

5.

Interpostos pelas partes recursos de revista, foram admitidos os dos Autores e o da Ré Liscont.

6.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de a revista interposta por esta ré não ser admissível, no tocante a duas das questões suscitadas (prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos e abuso de direito) e, quanto ao mais, pela improcedência dos recursos, em douto parecer a que apenas responderam os Autores, em linha com o antes sustentado nos autos.

II.

(Delimitação do objeto do recurso) 7.1.

Na apelação, a ré ora recorrente questionou o facto de o tribunal de 1a instância a ter condenado no pagamento de juros de mora à taxa legal, desde a data em que deveriam ter sido pagos os créditos laborais reclamados pelos AA.

A Relação confirmou este segmento decisório da sentença, sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que, verificando-se dupla conforme, o recurso é inadmissível nesta parte, nos termos do art. 671.o, n.o 3, do CPC.

Não se conhecerá, pois, desta questão.

7.2.

Por outro lado, a recorrente invoca na Revista, a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, bem como que as pretensões em que os AA. obtiveram ganho de causa constituem abuso de direito.

Acontece que a mesma não questionou estes pontos nas conclusões das alegações do recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1a Instância, matéria sobre a qual, consequentemente, o acórdão recorrido não se pronunciou.

Deste modo, destinando-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, é manifesto que estas questões (novas) não poderão agora ser conhecidas por parte deste Supremo1, sendo ainda certo que dos autos não resultam quaisquer razões que minimamente imponham conhecer oficiosamente do alegado abuso de direito.

Consequentemente, também não se conhecerá destas duas questões.

8.

Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.o, n.o 2, in fine, do CPC2), em face das conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir,3 pela ordem resultante do nexo de precedência lógica e prático-jurídica que entre elas existe, são as seguintes: 8.1. Recurso da R. Liscont: se, no período considerado no acórdão recorrido, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado.

8.2. Recurso dos AA.: i) se, também no período anterior a novembro de 2014, nos termos considerados na sentença da 1a instância, os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos a férias e subsídio de férias o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado; ii) se os AA. têm direito a ver incluído nos pagamentos relativos ao subsídio de Natal o valor médio anual de trabalho suplementar por si prestado (e, na afirmativa, em que período) E decidindo.

III.

9.

Com relevância para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:4 9.1.

Processo n.o 17605/21.9T8LSB - AA: 1. O autor foi um trabalhador portuário com contrato de trabalho sem termo celebrado com a ré no mês de Janeiro do ano de 2002.

2. Tendo prestado trabalho no porto de Lisboa, sob as ordens, direção e fiscalização da ré desde a referida data.

3. E cessado a sua relação de trabalho com e mesma no dia 31 de Maio de 2020, por virtude da passagem à situação de reforma.

4. O autor é sócio do Sindicato Nacional dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego, Conferentes Marítimos e Outros, desde a constituição deste (estatutos publicados no Boletim do Trabalho e Emprego no1 2017 de 8 de Janeiro), tendo o no de sócio 21342.

5. O autor possuía a categoria profissional de Coordenador.

(redação dada pelo TRL) 6. O autor ingressou no sector portuário antes de 1993, razão pela qual é um trabalhador designado por Tipo A.

7. A ré é uma empresa que tem por objeto a atividade de movimentação e armazenagem de cargas nas áreas portuárias, compreendendo designadamente a estiva, desestiva e tráfego, bem como quaisquer outras operações preparatórias ou complementares de que as mercadorias careçam quer a bordo quer em terra.

8. A ré exerce a sua atividade exclusivamente no porto de Lisboa (...) 9. O trabalho no porto de Lisboa está organizado por turnos, estando atualmente apenas em vigor os turnos das 08,00h às 17,00h, das 17,00h às 24,00h e, nos casos de acabamento de navios, o prolongamento até às 02,00h.

10. Excecionalmente o porto trabalha da 00,00h/08,00h – 3o turno, o qual, por ainda não estar instituído, é sempre considerado trabalho suplementar; 11. No caso do trabalho suplementar o valor pago é o correspondente ao turno inteiro de trabalho, independentemente de o trabalhador ter apenas prestado trabalho em parte do respetivo turno.

12. O porto de Lisboa tem um funcionamento praticamente em contínuo, durante quase todos os dias do ano, com permanentes entradas e saídas de navios.

13. Que não têm, nem podem ter, horários rígidos de chegada e de saída, uma vez que as condições climatéricas, as marés e outros fatores não o permitem.

14. Por isso, as operações portuárias de carga e descarga de navios não podem ser programadas com grande antecedência, sendo que a única forma de poder garantir o normal funcionamento do porto de Lisboa e de todos os restantes do país é através de uma total disponibilidade dos trabalhadores portuários para prestarem trabalho sempre que for necessário.

15. (...) 16. (...) 17. Dado ser financeiramente inviável as empresas de operação portuária, entre as quais se enquadra a ré, terem um quadro de pessoal efetivo que assegure todo o trabalho durante todos os turnos, todos os dias, a solução sempre passou pelo recurso de trabalho suplementar 18. E pela existência de um...

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