Acórdão nº 00329/23.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução16 de Junho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO «AA» [devidamente identificada nos autos], Requerente nos autos de processo cautelar que intentou contra o Município ... [também devidamente identificado nos autos], em cujo articulado inicial formulou pedido no sentido de ser ordenada a suspensão da eficácia do despacho datado de 20 de dezembro de 2022, proferido pelo Chefe da Divisão Municipal de Obras Particulares, que indeferiu o requerimento que apresentou em 04 de novembro de 2022 – requerimento n.º ...22... – pelo qual havia requerido a manutenção da construção, por as obras de ampliação terem sido executadas há mais de 40 anos e as mais recentes serem obras de conservação isentas de licenciamento, assim como a suspensão da eficácia do despacho datado de 05 de novembro de 2009 - que refere ter-lhe sido notificado no dia 20 de dezembro de 2022, proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal ..., por via do qual ordenou a posse administrativa com vista à realização de trabalhos de correcção ou alteração da obra e reposição da situação original (demolição), pelos factos e fundamentos expressos da informação, do imóvel (licença de construção ...9 e licença de utilização ...0), sito à Rua ..., no ..., com vista à demolição e reposição da situação original, agendada, para o dia 10 de março de 2023, pelas 10h, inconformada, veio apresentar recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 24 de março de 2023, pela qual julgou improcedente o pedido formulado e a final indeferiu a providência cautelar requerida.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, a Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCUSÕES I – “IV. DECISÃO – Em face do exposto, indefiro a presente providência, por não provados os respectivos pressupostos, e absolvo o Requerido do pedido.” II – Por não concordar com os fundamentos expendidos e com a decisão constante da sentença, é com o objecto assim delimitado que se insurge a Requerente e motiva o presente recurso.

A – DA NULIDADE DOS ACTOS IMPUGNÁDOS III – O “Direito de Propriedade”, está ordinária e constitucionalmente consagrado no nosso ordenamento jurídico – no artigo 1302º e 1305º e sgs. do Código Civil e artigo 62º da CRP.

IV – Dispõe o artigo 62º da CRP, que, “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da constituição.”.

V – Os actos administrativos aqui em crise (o acto datado de 20/12/2022 e o acto datado de 12/05/2009), e correspondentes decisões de posse administrativa e demolição, ofendem gravemente o direito fundamental da Recorrente de “propriedade privada”.

VI – Nos termos do artigo 161º, n.º 2, alínea d) do CPA, “São, designadamente, nulos:” (...) “Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.”.

VII – Quer o acto datado de 20/12/2022, quer o acto datado de 12/05/2009, são catos administrativos que ofendem gravemente o conteúdo do direito de propriedade da Recorrente, concretamente no direito de uso, fruição e disposição do seu imóvel.

VII – Pelo que, tais actos administrativos (o acto datado de 20/12/2022 e o acto datado de 12/05/2009), são nulos e nenhum efeito.

IX – Nos termos do artigo 286º do CC, “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

X – Excepção esta de direito material, que aqui, se invoca, para os devidos e legais efeitos.

B – DA FALTA D VERIFICAÇÃO COMULATIVA PARA O DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA XI – A Recorrente, discorda que não se verifiquem a cumulação de todos os requisitos, para que possa ser deferida a providência cautelar.

XII – É fundado o receio da Requerente, por isso, recorre a juízo para acautelar lesão séria e dificilmente reparável, que a demolição causará, quanto mais não seja, a título provisório, até trânsito em julgado da “Acção Definitiva”.

XIII – sob pena, do não acautelamento do direito da Requerentes, desaguar num oceano de lesões graves e dificilmente reparáveis – artigo 362º do CPC.

XIV – É justo e sério o receio que, a ora impetrante experimenta.

XV – Justifica-se a diligência, face ao risco de perda, acautelável por este único meio.

XVI – São requisitos dos procedimentos cautelares comuns – 362º do CPC: a) o fundado receio de que outrem, antes de proposta a acção principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito do requerente; b) probabilidade séria ou pelo menos de aparência, da existência de um direito ameaçado; c) adequação da providência ameaçada para evitar a lesão; d) não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar.

XVI – Convoquemos ainda o artigo 120º, n.º 1 do CPTA: “Sem prejuízo do disposto nos número seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”.

XVII – Ora, a execução imediata da demolição da obra na fração da Requerente, é um facto irreversível – consumado.

XVIII – Nunca mais a Requerente, poderá usar e fruir na sua vida desses espaços, que lhe proporcionam bem-estar e conforto.

XIX – E causa prejuízos de difícil reparação à Requerente, desde logo por destruir partes da casa da habitação da Requerente, nas quais, esta vive em conforto há mais de 40 anos.

XX – Mais, torna inconsequente o investimento pecuniário gasto na execução dessas obras, quer na aquisição das matérias primas, quer nos custos com mão-de-obra.

XXI – Depois, como se demonstrou ao longo deste articulado, salvo melhor opinião, a pretensão a formular pela Requerente na “Acção Principal, não carece de manifesta falta de fundamento que obste ao seu conhecimento de mérito.

XXII – E por fim, tendo em conta o interesse particular e o interesse público em presença, o “dano” com o deferimento da providência não é superior ao dano que pode resultar da sua recusa.

XXIII – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Proc. n.º 02777/15.0BEBRG, de 01/07/2016, in www.dgsi.pt: “I – Os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, em termos muito simples, os seguintes – art.º 120º do CPTA: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que não haja manifesta falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni júris); que a ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência);”.

XIV – Pelo que, a suspensão da eficácia do acto administrativo é a providência adequada para acautelar o direito da Requerente.

XXV – A presente Providência Cautelar, para além de ser a providência adequada, para evitar lesão grave e dificilmente reparável na esfera jurídica da Requerente, é também, a providência adequada, uma vez que, sendo deferida, não causa dano à Requerida, porquanto, é provisória até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de nulidade/anulabilidade do acto administrativo.

XXVI – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. n.º 0633/04, de 29/11/2006, in www.dgsi.pt: “I – O regime jurídico fixado nos artigos 165º e 167 do RGEU, está informado pelo principio da proporcionalidade, numa lógica do menor sacrifício exigível ao particular.

II – Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, satisfazem os requisitos de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, ou são susceptíveis de os virem a satisfazer, não é permitida a demolição (art.º 167º do RGEU).

III – Essa apreciação de satisfação ou possibilidade de satisfação dos requisitos legais e regulamentares tem [de] anteceder a ordem de demolição prevista no art.º 165º do mesmo diploma, independentemente de existir ou não pedido de legalização apresentado pelo interessado.”.

XXVII – Por tudo, é urgente (10/03/20223 às 10h – data de tomada de posse e execução/demolição coerciva), e por um imperativo de justiça, também, que o bom senso, perante os interesses em conflito, impere e acautele o direito da Recorrente.

C – O ACTO ADMINISTRATIVO DE 20/12/2022 NÃO É UM ACTO CONFIRMATIVO XXVIII – A Recorrida, veio alegar e o tribunal a quo “confirmar”, a extemporaneidade da presente acção pela caducidade do direito da Autora à sua instauração.

XXIX – Sustenta, o seu raciocínio na errada interpretação de que o requerimento de 04/11/2022, apresentado pela Recorrente, indeferido pela demandada por despacho de 20/12/2022 – doc. não consubstancia um acto impugnável e que o único acto passível de impugnação foi notificado anteriormente, em data, que presentemente não é passível de impugnação pelo decurso do prazo de três (3) meses.

XXX – Ou seja: na tese defendida pela CM..., “Resposta à Reclamação” notificada à Autora por ofício datado de 29/12/2022, acto que constitui o objecto da presente acção administrativa de impugnação (cf. doc. ... junto com a PI), seria um acto confirmativo da decisão notificada anteriormente e, por conseguinte, não impugnável à luz do disposto no artigo 53º, n.º 1, do CPTA.

XXXI – Porém, pelos argumentos que a seguir se apresentam, verifica-se que este raciocínio do CM... e do tribunal a quo, está errado pelo que não merece provimento.

XXXII – Segundo a definição legal...

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