Acórdão nº 00032/23.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução16 de Junho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: [SCom01...], Lda.

veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 14.03.2023 pela qual foi julgado improcedente o processo cautelar intentado contra a CCDRC - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro para suspensão da eficácia pelo qual foi determinada a “revogação parcial do Titulo, nos termos da alínea b) do n.° 4 do art. 81° do RGGR (anexo I do DL n.° 102-D/2020, de 10 de dezembro), bem como a desativação do estabelecimento da requerente no prazo de 60 dias”.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou a julgar não verificado o fumus boni iuris para indeferir a providência requerida.

O Centro de Competências Jurídicas do Estado contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido também da improcedência do recurso.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) Conforme foi dado como provado na Sentença recorrida, a ora Recorrente, em, 04/10/2022, exerceu o direito de audiência prévia sobre o projeto de decisão notificado através do Ofício da «CCDRC» com a referência DLPA 1473/2022, datado de 29/08/2022, tendo, para prova dos factos por si então alegados, apresentado seis documentos e requerido a inquirição de três testemunhas (cfr. alíneas GG) e HH) da matéria de facto dada como provada).

b) Ainda conforme foi dado como provado na Sentença recorrida, a «CCDRC», antes de proferir os actos suspendendo, não procedeu à inquirição das referidas três testemunhas arroladas pela ora Recorrente no requerimento de audiência prévia apresentado em 04/10/2022 (cfr. alínea JJ) e HH) da matéria de facto dada como provada).

c) Assim sendo, e de forma contrária ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, não pode deixar de se concluir que ocorreu um vício de forma gerador da invalidade da decisão da «CCDRC» e, consequentemente, dos actos suspendendos.

d) O art. 267º-5 da CRP, reconhece aos cidadãos o direito de participação «na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».

e) Por sua vez, o art. 20º da Lei Fundamental CRP consagra a exigência de um processo equitativo, e, ainda que não afaste a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjectivos têm de proporcionar aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito à tutela jurisdicional efectiva.

f) Dando concretização aos citados princípios constitucionais, o nº 1 do art. 121º do CPA dispõe que a Administração, antes de proferir a decisão final, está obrigada a promover a audição dos interessados, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo dispositivo legal, estes últimos, no exercício do direito de audiência, «podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos».

g) No caso sub judice, a «CCDRC» proferiu os actos suspendendos sem sequer se ter dignado a, previamente, inquirir as três testemunhas que a ora Recorrente arrolou para prova dos factos por si alegados no requerimento apresentado em 04/10/2022, sendo certo que, contrariamente ao que consta da Sentença recorrida, do artigo 125º do CPA não resulta que a mesma estivesse legitimidade a actuar dessa forma, uma vez que essa norma se refere a uma fase posterior à audiência prévia, e não à audiência prévia propriamente dita – daí a utilização da expressão «[a]pós a audiência» –, e o respectivo teor visa acautelar a hipótese de no decurso daquela terem sido trazidos ao procedimento factos, questões e provas que nela não tivessem sido (adequadamente) considerados pelo instrutor.

h) A ora Recorrente, perante a citada omissão grave da «CCDRC», viu-se impedida de discutir, de forma consolidada, os critérios e fundamentos que estão subjacentes à emanação dos actos suspendendos.

i) Assim que assim não fosse, ou seja, ainda que a «CCDRC» pudesse efectivamente não ter procedido à inquirição das três testemunhas que a ora Recorrente arrolou para prova dos factos por si alegados no requerimento apresentado em 04/10/2022, sempre se exigia à mesma que justificasse o porquê da sua actuação, pronunciando-se, no dizer da própria Sentença, «sobre a pertinência daquela diligência para a boa solução da causa».

j) Contrariamente ao exposto, a «CCDRC» não realizou a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente nem justificou o porquê de não o ter feito, omitindo, na decisão do procedimento, toda e qualquer referência à diligência que havia sido requerida (cfr. alíneas HH), II) e JJ) da matéria de facto dada como provada), o que equivale a dizer que foram coarctados os direitos de defesa da ora Recorrente plasmados nos acima citados arts. 20º e 268º-4 da CRP, tendo a mesma sido colocada na impossibilidade prática de provar que aqueles fundamentos não se verificavam.

k) De forma distinta daquela que foi a decisão do Tribunal a quo, foi assim violado o princípio da igualdade, ínsito no artigo 13° da CRP, o direito a um processo equitativo, plasmado no artigo 20°-2 da CRP, e também o direito de defesa estabelecido no artigo 268°-4 da mesma CRP.

l) Igualmente de forma contrária ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, a «CCDRC», ao não ter tido em conta, nas suas decisões, o que a ora Recorrente lhe referiu em sede de audiência prévia nem as provas nessa fase apresentadas, e ao nem sequer ter explicado porque não o fez, violou de forma manifesta o dever de fundamentação previsto nos arts. 268º-3 da CRP, 152º e 153º no CPA.

m) Nos termos do disposto no art. 268º-3 da CRP, todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos têm de ser fundamentados de forma expressa e acessível, encontrando-se essa exigência constitucional regulada, v.g., nos arts. 152º e 153º do CPA.

n) A exigência da fundamentação significa que o acto administrativo deve apresentar-se formalmente como uma disposição conclusiva lógica de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das normas jurídicas em que se funda, que os seus destinatários possam fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo seu autor.

o) No caso sub judice, a enunciação clara, coerente e completa dos fundamentos de facto e de direito não resulta, nem dos actos suspendendos, nem da informação (parecer) notificada à ora Recorrente, sendo manifesta a falta, quer dos fundamentos de facto, quer dos fundamentos de direito que sustentam a decisão da «CCDRC».

p) A ora Recorrente, através de requerimento apresentado em 04/10/202, exerceu esse seu direito de audiência prévia alegando, designadamente (i) que tudo tinha feito para cumprir com os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, sendo que tal só não aconteceu por circunstâncias a que era totalmente alheia; (ii) que em face da pandemia associada ao contágio por SARS-Cov-2 e à doença Covid-19 que lhe está intimamente ligada se viu coartada na sua actuação, tendo visto sucessivamente proteladas todas as respostas aos seus incessantes pedidos, junto das autoridades competentes, de obtenção dos elementos que, em circunstâncias normais, há muito lhe teriam permitido resolver a questão em apreço; (iii) que foi sempre sua intenção cumprir escrupulosamente os termos da licença e das condições definidas aquando das vistorias realizadas, tudo tendo feito para que fossem suprimidos os problemas entretanto detectados; (iv) que, logo em 10/02/2021, obteve e enviou à «CCDRC» uma certidão da Câmara Municipal ... dando conta de que, para o prédio onde aquela exerce a sua atividade, tinha sido emitido um parecer técnico onde se referia que «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.º 4 do artigo 99.º»; (v) que, confrontada com a pronúncia da «CCDRC» relativamente a esse documento, solicitou, de imediato, nova certidão à Câmara Municipal ... em que se atestasse «a compatibilidade da localização da instalação localizada na Rua ..., Zona Industrial, ..., ..., ..., ..., com a atividade de Operação de Gestão de Resíduos», tendo a Câmara Municipal ... certificado, mais uma vez, que, para o citado prédio, «o uso de “Operações de Gestão de Resíduos” é admissível – n.º 4 do artigo 99.º», tendo a certidão em causa sido prontamente remetida à «CCDRC»; (vi) que, tendo a «CCDRC» concluído que a certidão em causa não supria «a falta de Licença para “Operações de Gestão de Resíduos”», encetou, com vista à resolução definitiva do problema, múltiplos contactos junto da Câmara Municipal ..., tendo reunido com os respectivos serviços em várias ocasiões; (vii) que, na sequência dessas reuniões e das suas sucessivas insistências, a Câmara Municipal ..., através do respectivo Chefe de Divisão de Desenvolvimento Local, lhe comunicou que, face ao teor do artigo 84.º do DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro – que, no que aqui interessa, determina, no seu n.º 2, que “[q]uando verifique a inexistência de impacte relevante no equilíbrio urbano e ambiental, pode a câmara municipal territorialmente competente declarar compatível com uso para atividade de tratamento de resíduos o alvará de autorização de utilização de edifício ou sua fração autónoma destinado ao uso de comércio, serviços ou armazenagem, no caso de se tratar de estabelecimento que exerça atividade titulada com a CAE 46” –, poderia “ser requerido declaração de compatibilidade do uso de tratamento de resíduos o alvará de utilização destinado ao uso de comércio, serviços ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT