Acórdão nº 316/21.2T8SNS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução15 de Junho de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho que AA intentou contra Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.

, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação totalmente improcedente e, em consequência: 1. Absolve a ré “Crédito Agrícola Seguros, Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.” de todos os pedidos contra si deduzidos pela autora, AA.

  1. Absolve a ré do pedido de reembolso de prestações sociais deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP.

  2. Absolve a ré do pedido de reembolso de prestações sociais deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Setúbal.

    *Custas pela autora e pelos intervenientes na proporção dos respetivos decaimentos [art.º 527.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho].

    *Valor da ação: €72.344,01 (setenta e dois mil trezentos e quarenta e quatro euros e um cêntimo), cfr. art.º 120.º do Código de Processo do Trabalho.

    *Registe e notifique, observando o disposto no artigo 24.º, do Código de Processo do Trabalho.».

    Inconformada, veio a Autora interpor recurso para esta Relação, finalizando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «1) Em relação aos factos ns. 26 (“alguns dos ramos mais baixos do pinheiro em questão poderiam ser suficientemente sólidos para a colocação/fixação de corda de segurança”) e 27 (“alguns desses ramos podiam ser acessíveis a partir do solo, para poder criar um ponto de fixação para corda de segurança”), a decisão recorrida assentou (de acordo com a motivação de facto) nas fotografias ns. 1 e 3, de fls. 511 e 513, tiradas sem qualquer teleobjetiva, a não menos de 10 metros de distância de tais ramos.

    2) Pelo que, por tal via, é impossível aferir da solidez estrutural de um ramo de pinheiro, dado que a simples fotografia (ou o olhar à distância) nada nos diz sobre a possibilidade de qualquer um dos ramos em questão estar rachado, apodrecido ou afetado por qualquer parasita da madeira (nemátodo-da-madeira-do-pinheiro, térmita ou caruncho) que, como é sabido, para além de microscópico, se aloja na madeira, destruindo a solidez desta a partir do interior, não sendo, por tal motivo, percetível a partir do solo ou com base numa fotografia como aquela em que se ancora a decisão recorrida.

    3) A solidez suficiente para fixação de corda teria que ser aferida, aquando da investigação das causas prováveis do acidente, por via de uma perícia adequada, como seria o caso, por exemplo, de um teste à resistência dos ramos em questão, através da colocação de uma corda de segurança com um peso idêntico ao do sinistrado ou de uma análise à própria saúde da árvore, por parte de laboratório com competência para tal, ou, até, por uma pronúncia por parte de perito em trabalho vertical identificando os riscos e as técnicas que poderiam ter sido utilizadas em face dos mesmos.

    4) Ora, de uma leitura do relatório do ACT e do “relatório pericial” junto como documento n.º 1 com a contestação, é manifesto que tais diligências averiguatórias não foram levadas a cabo, sendo por isso impossível concluir pela solidez e segurança dos ramos em questão para suportar o peso do falecido, nem se poderia considerar como provado que tais ramos poderiam permitir a fixação de um ponto de segurança a partir do solo.

    5) No que respeita ao facto n.º 29 (“aquando da sua queda, o sinistrado pretendia proceder à apanha de pinha, e encontrava-se posicionado no pinheiro, a uma altura do solo de cerca de seis metros”), resulta da motivação de facto que nenhuma testemunha assistiu ao momento da queda.

    6) E para além de não existir qualquer prova que permita concluir, com segurança, o que estaria o sinistrado a fazer no momento da queda (e muito menos o que este pretendia fazer), certo é que, como resulta dos depoimentos das testemunhas BB e CC, e dos resumos de tais depoimentos na própria motivação de facto, a prova testemunhal produzida aponta no sentido oposto à conclusão a que o Tribunal chegou.

    7) De facto, ambas as testemunhas depuseram no sentido de que, no dia em questão, e enquanto se encontraram ao pé do sinistrado, este colocava primeiro a escada e subia, a fim se se assegurar, com o gancho, da solidez dos ramos nos quais poderia colocar a corda de segurança, para depois proceder à apanha da pinha já com o EPI devidamente colocado.

    8) Tais testemunhas depuseram de forma credível, sem hesitações, de modo circunstanciado e não há incongruências ou contradições em tais depoimentos nem entre os depoimentos.

    9) Pelo que o simples facto de se encontrarem colocados o gancho e escada, na árvore em causa, não permite concluir que, no momento da queda, o sinistrado já se encontrava a proceder à apanha da pinha ou que pretendesse fazê-lo.

    10) Considerando, aliás, que, pelas testemunha BB e CC, foi referido não se encontrarem pinhas no chão quando acudiram ao sinistrado, forçoso é concluir que a prova testemunhal, constituída pelas duas pessoas que se encontravam próximo do local do acidente quando este ocorreu, aponta no sentido de que aquele não tinha intenção de proceder – nem procedia – à apanha da pinha no momento da queda.

    11) E, dos respetivos depoimentos extrai-se, também, que o sinistrado possuía EPI (arnês e corda de segurança) e que este se encontrava no local.

    12) E, como também resulta de págs. 7 de tal documento, BB, irmão do falecido sinistrado, declarou à averiguadora que o pinheiro do qual o sinistrado caiu era a primeira árvore à qual aquele subira após o almoço.

    13) Tais fatos também permitem afastar a conclusão de que o sinistrado procedia ou procedia à apanha da pinha no momento da queda: 1) o sinistrado possuía EPI no local, não fazendo sentido que não o usasse, podendo; 2) durante toda a manhã, nas várias árvores a que subiu, verificou primeiro a solidez dos ramos, sem arnês nem corda, subindo com a escada e gancho, e só após iniciou a apanhada pinha, já com arnês e corda colocados; 3) o sinistrado caiu na primeira árvore em que se propôs apanhar pinha após o almoço, sendo por isso mesmo natural que se preparasse para vir colocar o EPI, tal como fizera toda a manhã, quando se deu o acidente.

    14) Em abono da verdade, dir-se-á que o Tribunal dispunha de um meio de prova fiável, por provir de representante da autoridade com competência para apurar as causas do acidente, sem qualquer relação com qualquer das partes, totalmente idóneo e isente: o depoimento da Dra. DD, inspetora do ACT responsável pela investigação das causas do acidente (52m55s da gravação constante do ficheiro 20230118095852_3674244_2871805 wma).

    15) Extrai-se deste depoimento que, segundo esta testemunha:  A causa e circunstâncias concretas do acidente não foram apuradas;  A utilização da escada, sem arnês ou corda, é a regra na atividade em causa, pois, como a própria testemunha refere, na maior parte dos casos, não há outra forma de aceder às copas das árvores, sendo o procedimento normal menos seguro do que aquele que o sinistrado observou durante o período da manhã (subir primeiro com escada à base da copa para verifica a solidez dos ramos e só depois iniciar a apanha já com EPI colocado) e que nada aponta para que não estivesse a observar no momento em que caiu (da primeira árvore a que subira depois do almoço);  É necessário ou aconselhável a utilização prévia da escada para subir aos primeiros ramos na base da copa, para confirmar que os mesmos não estão podres e que têm solidez suficiente para ancorar uma corda de segurança;  Quando confrontada com o procedimento descrito pelas testemunhas BB e CC, como sendo aquele que o sinistrado levava a cabo (subir primeiro com escada e gancho a fim de verificar a solidez dos ramos para fixação da corda, após o ia buscar o EPI para iniciar a apanha da pinha), a testemunha confirmou, sem qualquer hesitação, que tal era um procedimento adequado.

    16) Finalmente, e ao contrário do que o Tribunal parece ter compreendido, como se depreende do resumo deste depoimento na motivação, esta testemunha nunca referiu que nessa primeira fase de subida pela escada, o sinistrado devesse usar arnês e corda, pois tal seria, até, contraditório com o risco que a mesma apontou de fixação de corda sem prévia verificação de que o apoio não se encontra apodrecido.

    17) O que a testemunha referiu, claramente, e parece ter gerado a confusão do Tribunal, é que o risco existe SEMPRE, quando se trabalha em altura, podendo ser minimizado, mas nunca totalmente afastado.

    18) E, como se disse, a testemunha referiu, claramente, que o procedimento que o sinistrado levava a cabo era adequado a minimizar tal risco.

    19) Da motivação da matéria de facto torna-se patente que o Tribunal desconsiderou os depoimentos de BB, CC e Dra. DD, e se ancorou no depoimento da testemunha Dra. EE, ou, pelo menos, que seguiu o raciocínio desta.

    20) Tal testemunha, averiguadora de seguros e advogada (como resulta da ata da audiência de discussão e julgamento) foi a pessoa responsável pela averiguação levada a cabo a pedido da recorrida, averiguação essa que se mostra transcrita no documento n.º 1, junto com a contestação.

    21) Ora, do depoimento da testemunha FF, gestora de sinistros da recorrida (1h33m49s – 1h35m17s da gravação constante do ficheiro 20230118095852_3674244_2871805 wma), resulta, sem margem para dúvidas, que o relatório elaborado pela testemunha EE, se inseriu no âmbito de uma relação contratual, reiterada ou duradoura, entre a entidade patronal da dita testemunha e a recorrida.

    22) E, analisando tal relatório, temos que o averiguador se limitou – como já vimos – a fotografar a árvore, nada tendo feito no sentido de aferir se os ramos eram, de facto, sólidos e se o sinistrado tinha alternativa segura em relação ao procedimento que foi descrito pelas testemunhas que o viram a trabalhar naquele dia.

    23) No mais, tal relatório...

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