Acórdão nº 1879/22.0T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução13 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes 1.º Adjunta: Cristina Neves 2.º Adjunto: Pires Robalo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

No processo de inventário judicial para partilha do património hereditário de AA, falecido no dia .../.../2021, que corre termos no Juízo Local ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no qual são interessados o cônjuge sobrevivo, BB, que exerce as funções de cabeça-de-casal, e com quem era casado sob o regime de comunhão geral de bens, e os dois filhos de ambos, CC e DD, o Sr. Juiz de Direito, por despacho de 8 de Março de 2023, determinou que à partilha se procedesse da seguinte forma: O acervo patrimonial divide-se em duas partes iguais, correspondendo uma à meação do inventariado (1/2) e outra à meação da cabeça-de-casal(1/2) (cf. artigos 1688.°, 1689.°, n.° 1 e 1732 do Código Civil).

A herança do inventariado, correspondente à sua meação nos bens comuns, é divida em três partes iguais, constituindo uma a quota disponível (1/6) e as outras duas a quota indisponível (2/6=1/3) (artigos 2156.° e 2159.°, n.° 2 do Código Civil).

Por força do testamento, a quota disponível é atribuída à cabeça-de-casal (cf. Artigo 2179.°. n.° 1, do Código Civil).

O valor das doações é imputável na quota disponível (sem prejuízo do eventual incidente de inoficiosidade) (cf. artigos 2114.°, n.° 1, 2117.° e 2168.° e 2169.° do Código Civil).

A quota indisponível é dividida em três partes iguais, cabendo uma ao cônjuge sobrevivo e uma a cada um dos filhos (1/3: 3=1/9) (cf. artigos 2133.°, n.° 1, al. a), 2139.°, n.°s 1 e 2 e 2157.° do Código Civil).

Nestes termos, cabem aos interessados as seguintes quotas ideais na herança: 7/9 (1/2 + 1/6 + 1/9) à cabeça-de-casal; 1/9 ao interessado CC; 1/9 à interessada DD.

O passivo é imputável aos interessados na proporção da quota que lhe cabe na herança, sem prejuízo da deliberação dos herdeiros quanto ao seu pagamento (C. artigo 2098. °, n.°s 1 e 2 do Código Civil).

O preenchimento das quotas e o pagamento do passivo serão efectuados em conformidade com o que vier a ser acordado e decidido na conferência de interessados (cf. artigo 1111. ° do Código de Processo Civii).

É este despacho que as interessadas DD e BB impugnam no recurso - no qual pedem a sua revogação e substituição por outro que ordene que, na forma à partilha, a quota disponível comece a ser preenchida pelos bens doados - tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: 1 - Procede-se a inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, falecido a .../.../2021, no estado de casado com a cabeça-de-casal, BB, sob o regime de comunhão geral de bens, e em primeiras núpcias de ambos.

2 - O inventariado deixou a suceder-lhe a esposa, aqui cabeça-de-casal, e dois filhos, CC e DD.

3 - O inventariado deixou testamento feito em 26/06/2004, pelo qual instituiu “herdeira da sua quota disponível a sua esposa BB”.

4 - O inventariado fez doação em vida, em 28/06/2019, através de documento particular autenticado, no qual doou à interessada, sua filha, DD, por conta da quota disponível, a nua propriedade dos imóveis relacionados nas verbas quarenta e oito a cinquenta e um da relação de bens.

5 - Os bens a partilhar são os descritos na relação de bens, junta aos autos, a 14/02/2023, com o valor que vier a resultar da conferência de interessados (cf. Artigo 2069 do C.Civil). Existe passivo, o qual será abatido no valor total dos bens (cf. Artigo 2068 do C.Civil).

6 - Ora, não podemos concordar com as quotas partes ideais na herança, constantes do Despacho recorrido, apenas e só, no que se refere à quota disponível, a qual é atribuída na sua totalidade à cabeça-de- casal, por força do testamento.

7 - Entendem as recorrentes, ao contrário do decidido, que a quota disponível começará a ser preenchida pelos bens doados e, só depois, pelo testamento e não o contrário.

8 - O valor da doação é imputável na quota disponível e, se exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado no quinhão hereditário da interessada donatária. Caso o valor não a exceda, o remanescente da quota disponível é então, e só então, imputado na deixa testamentária.

9 - O inventariado fez a doação de bens à interessada sua filha DD, por conta da quota disponível. E outorgou testamento no qual declarou instituir única herdeira da quota disponível da sua herança a ora cabeça-de-casal.

10 - Ou seja, não obstante o inventariado pretender que, à data da sua morte, apenas a cabeça-de- casal fosse herdeira da quota disponível, ao fazer a doação, o inventariado pretendeu, também, beneficiar a filha DD na herança ao doar-lhe os bens por conta da quota disponível.

11 - Assim, de acordo com a vontade do inventariado, a quota disponível da sua herança haverá de ser “preenchida” com os bens doados e com a deixa testamentária, ou seja, dos bens doados hão-de ser imputados na quota disponível e o que restar desta, atribuído à cabeça-de-casal por causa do testamento.

12 - O que se verifica, no caso sub judice é que os bens doados e a deixa testamentária excedem a quota disponível.

13 - Esclarece o art.° 2168.° do CC que “dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários”, sendo tais liberalidades inoficiosas redutíveis a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art. 2169.° do CC).

14 - E o art.° 2171.° do CC disciplina a ordem dessa redução, estabelecendo que “a redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão”.

15 - A quota disponível (1/6) começa a ser preenchida pela doação e, se esta exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado no quinhão legitimário da interessada donatária. Caso o valor não a exceda, o remanescente será imputado à cabeça-de-casal por conta do testamento.

16 - Foram violados, entre outros, os artigos 2171.° e 2173.° do Código Civil e o artigo 1110.°, n° 2 al. a) do C.P.C.

Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    É de considerar assente, por virtude da prova documental produzida, constante do caderno ro recurso, a factualidade seguinte: 2.1. AA declarou, por escritura pública de testamento, no dia 3 de Junho de 2004, instituir herdeira da sua quota disponível sua esposa, BB.

    2.2. AA e cônjuge, BB, como doadores, por um lado, e DD, como donatária, por outro, declararam, por documento particular autenticado, datado de 28 de Junho de 2019, os primeiros doar à segunda, por conta da quota disponível, a nua propriedade dos prédios relacionados nas verbas n.°s 48 a 51 da relação de bens, doação que a última declarou aceitar.

    2.3. AA faleceu no dia .../.../2021, no estado de casado, segundo regime de comunhão geral de bens, com BB.

    2.4. CC e DD são filhos de AA.

    2.5. A cabeça-de-casal relacionou 8 verbas de passivo e 51 verbas de activo.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.° 635.°, n.°s 2, 1^ parte, 3 a 5, do CPC).

    No caso, a decisão impugnada é a que se contém no despacho determinativo da partilha, i.e., o despacho que determina o modo como deve ser organizada a partilha. Não de todo o despacho, mas apenas segmento em que atribuiu a - totalidade - da quota disponível, à cabeça-de-casal, BB, por força da deixa testamentária, a...

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