Acórdão nº 5468/20.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPIRES ROBALO
Data da Resolução13 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

Proc.º n.º 5468/20.6T8CBR.C1 1.Relatório 1.1.- AA, com o NIF ... e mulher BB, com o NIF ..., residentes na Rua ..., Urbanização ..., ..., ... Letra ..., ... ..., instauraram a presente acção sob a forma de processo comum contra a ré A..., Ld.ª, com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... ....

Alegaram, em suma, que a ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao arrendamento, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, empreitadas de obras públicas e indústria de construção civil. Encontra-se registada a favor da ré a fracção ..., correspondente ao apartamento ... destinado a habitação, no segundo andar esquerdo, com uma garagem na cave, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., União de Freguesias ... e Ribeira ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...45, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob número ...96/..., com a licença de utilização nº ...15 emitida pela Câmara Municipal ....

No dia 7 de Novembro de 2015, por documento escrito e assinado pelos autores e a ré, esta deu de arrendamento àqueles, que aceitaram, a supra identificada fracção autónoma para nela habitarem. Os autores passaram a ocupar a fracção autónoma desde o dia .../.../2015, tendo as partes fixado que o contrato vigoraria pelo prazo de 5 anos, renováveis automaticamente por períodos sucessivos de 2 anos. O valor anual da renda foi fixado em € 4.800 (quatro mil e oitocentos euros), a pagar em duodécimos de € 400 (quatrocentos euros). Acordaram ainda os autores e a ré que, durante a vigência do referido contrato, os autores poderiam adquirir à ré a dita fracção autónoma pelo preço de € 160.000. Caso se concretizasse o negócio de compra e venda, ao estipulado preço seriam subtraídos os valores pagos a título de renda, desde o início de vigência do contrato até à data da respectiva escritura de compra e venda. Autores e ré convencionaram então a entrega por aqueles à ré da quantia de € 5.000 (cinco mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento do preço da dita fração, tendo os autores pago à ré essa quantia nessa mesma data. À data da outorga do contrato de arrendamento estava registada na ... Conservatória do Registo Predial ... uma acção de anulação do contrato de compra e venda do terreno sobre o qual estavam construídas as fracções autónomas que integravam o dito prédio, motivo pelo qual o registo de aquisição da referida fracção a favor da ré tinha natureza provisória. Por isso, não foi possível às partes estipularem um prazo para a celebração do contrato de compra e venda da referida fracção, existindo, contudo, desde o momento da outorga do contrato de arrendamento, a obrigação da ré conceder aos autores a opção de compra dessa fracção. Obrigou-se, assim, a ré a conceder aos autores o direito de compra da fracção arrendada, o que aqueles aceitaram, tendo procedido ao pagamento da quantia de 5.000 € (cinco mil euros). Após a outorga do contrato de arrendamento, os autores passaram a residir no locado. Sucede que, quando já habitavam o arrendado, os autores foram surpreendidos com a construção de uma piscina e de uma cobertura nas partes comuns do edifício, o que transformou o imóvel onde se acha instalada a fracção numa manta de retalhos urbanística. Ao permitir a construção da piscina no imóvel, a ré criou situações de perigo na sua utilização, com risco de infiltrações para as garagens situadas junto à mesma, como era o caso da garagem dos autores, que começou a evidenciar manchas de humidade. Os autores tiveram de suportar o barulho que, durante o verão, os utentes da piscina provocaram, pela noite dentro, obrigando-os a chamar a polícia várias vezes. Além disso, a colocação dos aparelhos de ar condicionado sobre a fracção arrendada retirou tranquilidade e sossego aos autores que a fracção lhes oferecia quando a tomaram de arrendamento, conforme a ré lhes assegurava, sendo difícil conciliar o sono com o seu funcionamento. Por outro lado, a ré consentiu na permanência de cães noutras fracções autónomas do mesmo prédio e não exigiu aos respectivos donos a observância de regras sanitárias na utilização das partes comuns pelos canídeos. Estes urinavam nas partes comuns, mesmo nas de utilização exclusiva, defecavam em qualquer sítio do imóvel, sem que alguém removesse os sinais das necessidades fisiológicas dos animais que eram sentidos pelos autores, através do olfacto ou vistos na sua realidade física, espalhados pelo chão do prédio. A ré consentiu todas estas actuações, desconformes ao sossego e civismo que prometera aos autores quando celebrou com estes o contrato de arrendamento. Não obstante todos os contactos que os autores estabeleceram com a ré, na tentativa de que esta resolvesse os constantes problemas a que deu causa, mormente, os ruídos do ar condicionado, as infiltrações na garagem devido à piscina, bem como a autorização de canídeos no prédio, a ré não logrou alcançar uma solução satisfatória. Em consequência dos ruídos originados pelo aparelho de ar condicionado e pelos barulhos que, durante o verão, os utentes da piscina provocaram pela noite dentro, a autora sofreu de privação do sono que lhe causou dor torácica, passando a necessitar de medicação para descansar. A ré violou o seu dever de actuar de boa-fé, ao não acautelar a confiança que os autores depositaram na prestação de um locado tranquilo e saudável, violando, assim, os deveres laterais a que estava adstrita com a celebração do contrato de arrendamento, impostos pelo princípio da boa fé e pelo dever de cumprimento pontual dos contratos (arts. 406º nº1 e 762º nº 2 do Código Civil). Face aos sucessivos incumprimentos da ré tornou-se inexigível a subsistência do vínculo contratual, tendo os autores denunciado o contrato de arrendamento com efeitos a partir de Novembro de 2017. Não obstante os autores terem restituído à ré a dita fracção no dia 6 de Novembro de 2017, o montante que haviam entregue a título de sinal para aquisição do imóvel nunca lhes foi restituído. Dispõe o artº 38º do contrato de arrendamento celebrado entre as partes que: “No caso de os segundos outorgantes não exercerem o seu direito de opção de compra, a primeira outorgante não terá de lhes entregar ou devolver qualquer quantia respeitante aos valores que tiver recebido a título de rendas e descontável no preço se comprassem a fração objeto do presente contrato, pois este não é pago a título de adiantamento do preço ou de sinal, mas sim como rendas, tendo-se acordado que apenas será descontado no preço em caso do exercício do aludido direito de opção de compra, pelo que a primeira outorgante o fará seu sem que constitua qualquer enriquecimento do seu património e sem que os segundos outorgantes tenham direito a qualquer indemnização”. Decorre do contrato que é obrigação da ré devolver o sinal prestado pelos autores caso estes não venham a optar pela aquisição da fracção arrendada, ao contrário do que acontece com as rendas pagas até essa interpelação. Por maioria de razão, é devida aos autores a restituição do sinal entregue em caso de cessação do contrato de arrendamento em data anterior a qualquer interpelação para o exercício da opção de compra. Os autores têm direito à restituição pela ré da quantia de 5 000 €, nos termos do contrato de arrendamento firmado entre as partes. Não obstante, caso se entenda que o contrato de arrendamento não serve de suporte jurídico à restituição peticionada, têm os autores direito à restituição em singelo do valor prestado à ré, a título de sinal, por força do instituto do enriquecimento sem causa, que se invoca subsidiariamente. O contrato de arrendamento celebrado entre as partes foi denunciado pelos autores em data anterior ao trânsito em julgado da acção de anulação que recaia sobre o terreno onde foi construída a fracção dada de arrendamento e antes de qualquer interpelação da ré para a aquisição do direito de propriedade da dita fracção, pelo que a ré locupletou-se, injustamente, à custa dos autores em virtude de uma causa que cessou (condictio ob causam finitam) – artº 473º nº 2 do Código Civil. Deste modo, a ré está obrigada a restituir aos autores, por enriquecimento sem causa, aquilo com que injustamente se locupletou, devendo devolver aos autores a quantia de 5.000 € que estes lhe entregaram. São devidos juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato de arrendamento - Novembro de 2017 - até integral restituição do sinal, juros que ascendem a 623,56 € até à data da instauração desta acção.

Pelo exposto, pedem que a ré seja condenada a restituir-lhes a quantia de € 5.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 6 de Novembro de 2017 até integral reembolso daquela quantia.

*** 1.2.- Procedeu-se à citação, tendo a ré apresentado contestação.

Alegou que sempre actuou no sentido de indagar e resolver qualquer situação considerada anómala pelos autores, mas nas suas indagações para esse efeito, a ré nem sequer concluiu, ao menos, pela existência de indícios das queixas dos autores. Sempre cumpriu pontualmente com todas as suas obrigações. Nos termos da cláusula 27ª do contrato dado aos autos, a ré "confere ao segundo outorgante (arrendatário) a possibilidade de comprar a fração autónoma objeto do presente contrato". De harmonia com a cláusula 28ª do contrato, a ré e os autores acordaram que durante a vigência do arrendamento o segundo outorgante podia comprar àquela a fracção autónoma. É inverosímil que os autores denunciaram o contrato. Na verdade, sem qualquer aviso prévio, os autores abandonaram o locado e o autor apenas entregou as respectivas chaves à ré em 6 de Novembro de 2017. Não pagaram os valores das rendas dos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2017, no total de € 1.600. Em 22 de Novembro de 2017, a ré enviou cartas aos autores, por correio registado com aviso de recepção, que...

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